“O Grão-ducado de
Tavarede”
Aconteceu o
impensável. Bem diz o ditado que “não há bem que sempre dure, nem mal que
sempre se ature”... Nem um ano durou a existência da República do Limonete. O
presidente Pandorgas, tão vaidoso do seu cargo, e o Comandante das Tropas, que
julgavam o seu poder solidamente instalado, viram-se, num repente, batidos em
toda a linha e tiveram que procurar refúgio em territórios vizinhos, ainda
esperançados numa reviravolta.
E quem
reconquistara o poder? Foi a inconformada Figueira? Foram forças estrangeiras?
Não. Foi uma mulher, aliás uma digna fidalga que, derrubando o vigente regime
republicano, puxou dos seus pergaminhos e, mantendo a independência do
território, proclama o Grão-ducado de Tavarede, de que passa a ser soberana!
Desenvolveu
todas as actividades dos seus novos domínios e, tal foi o progresso que, em
breve, conseguiu uma espectacular inauguração: a primeira Exposição
Internacional de Tavarede. Mas, como se pode ver, apesar de todos os sucessos,
havia sempre o receio duma conspiração republicana.
A acção desta nova fantasia
inicia-se precisamente no gabinete do Comissário Geral da Exposição, aonde se
deslocou a Grã-duquesa para proceder à inauguração oficial.
Conselheiro - Dessa revolta
fandanga
Ninguém
trema nem se assuste,
Pois connosco ninguém manga...
Vencemos,
custe o que custe.
Uma Dama - Todas
temos confiança
Na
nossa tropa guerreira.
Nem
Pandorgas se abalança
A
vir p’ra cá de Caceira.
Outra Dama - O
Presidente Pandorgas
Quer
caír na ratoeira.
Coro - O
povo de Tavarede
Deste
heróico Grão-Ducado
Deseja
ver sem tardança
Pandorgas
espatifado.
Temos
tropas duma cana
Em
cerrados batalhões,
Temos
milhentas granadas,
Muito
mais de cem canhões.
Meia
dúzia de poltrões
Não
vencem, nem abananam
Nossos
feros batalhões.
Duas Damas - As
nossas tropas
Não
são malessas
Com
galhardia
Carregam
peças
D’artilharia.
Vêm-nos
de Foja
Dez mil trabucos
Cem
bacamartes
Que
estragos causam
Por
muitas partes.
Conselheiro - Não tenham
V.Exas. dúvida alguma, minhas senhoras. O Pandorgas será derrotado se tiver a
ousadia de vir atacar o nosso Grão-Ducado.
Baronesa - É muito
sério. Imagine-se o que seria aqueles enormes canhões a vomitarem metralha
sobre nós.
As Damas - É horrível.
Oh! seria o fim do mundo.
Secretário da Guerra - (intervindo tranquilizador) Mas, minhas senhoras, podem estar
seguras. V.Exas. estão fora do alcance do fogo. Respondo pelas suas preciosas
vidas como respondo pela segurança do Grão-Ducado e pela integridade da nossa
Grã-Duqueza.
Baronesa -
Entregamo-nos à sua guarda, General.
Conselheiro - E estão
muito bem entregues. Para tomar conta de senhoras não há ninguém como o
general. Foi isso que o fez coronel aos 35 anos de idade.
Condessa - Era uma
linda idade. Trinta e cinco anos e já coronel...
Conselheiro - Outros o
teem sido mais cedo. Mas, nenhum, com certeza, ganhou tão brilhantemente a promoção.
A história do nosso general é simplesmente gloriosa.
Baronesa - Conte-nos
general. Conte-nos essa história que tanto lustre dá ao nosso Grão-Ducado.
Secretário da Guerra - Oh! minhas senhoras...
Secretário da Marinha - Então, general, faça a vontade às damas.
Secretário da Guerra - Perdõem-me V.Exas.. A modéstia proibe-me que fale de mim. E devo
mesmo acrescentar que a patente de coronel aos 35 anos não a devo só a mim:
Devo-a, principalmente, à minha defunta mulher. Pode dizer-se que foi ela que
me fez coronel. Coitadinha! (limpa uma lágrima)
Conselheiro - Coitadinho,
ele, também, que perdeu a mais virtuosa das esposas.
As Damas – Coitadinho!
Secretário da Guerra - Desculpem-me. A um general não fica bem chorar. Fraquezas... Bom, já
lá vai. Pois dizia eu, minhas senhoras, que podem dormir tranquilas. O plano de
defesa terrestre está estudado com segurança.
Baronesa - Como faz
bem ouvi-lo, general.
Secretário da Guerra - Temos artilharia no alto do S. Paio e no Saltadouro. E vai ser
ocupado o Vale de Porco. Se as tropas do Pandorgas vieram por Brenha faremos ir
pelos ares a ponte do Saltadouro. Pelo Vale de Porco não caiem em vir. Porque
aí é que a porca torce o rabo. Pela estrada de Mira, impossível... É uma
estrada de guerra. Quer dizer, uma estrada por onde se não pode passar senão de
aeroplano. Por onde hão-de vir então. Pelo ar, não, que os de Foja não teem
asas.
Conselheiro - Dizem que
teem asas nos pés.
Secretário da Guerra - Teem asas mas não voam.
Secretário da Marinha - Pela defesa marítima respondo eu. Não deixarei que o inimigo nos
alcance as costas.
Condessa – Estamos,
então, defendidas pela frente e pelas costas. Quere dizer por terra e pelo mar.
Ainda bem. Estava já a sentir-me entre dois fogos. Credo.
Baronesa - E agora deixemos estes senhores e vamos ter com a Grã-Duqueza.
Na verdade, tendo o apoio da
artilharia de Foja e com a vontade de fazer atracar a sua esquadra no Rio
Velho, o presidente Pandorgas ainda era de recear.
Terminada a
visita da soberana, apresenta-se o primeiro visitante. É ele, um brasileiro,
filho de um emigrante tavaredense, que grangeou grande fortuna e que, para
satisfazer a sua última vontade, veio conhecer a terra do seu progenitor e
entregar um legado. Manuel Nêspera Cajú era o nome do visitante, que apresentou
ao Comissário da Exposição uma carta de recomendação do embaixador do
Grão-ducado, no Brasil. E mostrou, de imediato, o desejo de conhecer a
exposição, pelo menos os principais produtos expostos, pelo que pediu o
catálogo.
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