Foram
recebidos, a seguir, os três estados vizinhos: Brenha, Quiaios e Buarcos:
Brenha - Comigo ninguém
caçoa.
Quiaios - Pois comigo
ninguém zomba.
Buarcos - Sou um mar de
levadia.
Os três - São
três estados d’arromba.
Brenha - Sai dos meus
quarenta fornos
A
broa mais afamada.
Quiaios - Tenho chouriço de
palmo.
Buarcos - Eu tenho a raia
escalada.
Os três - Broa,
lavadeiras,
Pencas
e pescada,
Ranchos,
ferraduras,
Ai
que trapalhada.
Brenha - E a pinga
Que
eu guardo nas minhas adegas
Quiaios - Melhor o sumo cá
do meco.
Buarcos - Que o digam as
minhas broégas.
Grã-Duqueza - Muito vos
agradeço a honra desta visita de parabéns, e faço os mais sinceros votos para
que se mantenham as relações de amisade que unem o meu Grão-Ducado aos 3
estados vizinhos.
Nêspera - Não tenho a
honra de conhecer...
Comissário - São os 3
Estados vizinhos: Brenha, Quiaios e Buarcos. Brenha é rica, tem por lá muito
dinheiro da sua terra. Fabrica broa na perfeição. Mas a especialidade é em
lavadeiras.
Brenha - Em caso de
revoluções é uma freguesia que nunca mais acaba. Eu lavo meio mundo.
Quiaios - E eu calço
outro meio. Os ferradores de Quiaios teem fama. Os ferradores e os capadores.
Condessa - E os
ranchos também são muito falados.
Ministro da Guerra - Eram coisa rica os ranchos do Recreio e da Lata.
Comissário - Da Lata?
(áparte) Está a sonhar com a lambeta. Como se trata de rancho...
Quiaios - O Snr.
General quis dizer amor e não lhe chegou a língua. Não é rancho da Lata, é Pica
de Lata. Faltava-lhe a Pica, snr. General.
Secretário da Guerra - Isso não tem importância.
Quiaios - Mas os
ranchos já pouco valem. Agora do que se trata é do Grupo Instrução e Recreio e
do Quiaios Clube.
Comissário - E aqui tem
Buarcos, terra de pescadores, donde nos vem a boa sardinha e o rico pilado.
Buarcos - Terra
velha, meu senhor, bem experimentada na vida do mar. Ganha dinheiro, mas é
pobre. Enfim, lá vai fumando a sua cachimbada.
Grã-Duqueza - Sabeis que
o Pandorgas se prepara para vir atacar o meu Grão-Ducado? Espero que não o
ajudareis.
Quiaios - Contai com
o meu auxílio, Alteza. E a gente de Quiaios é gente rija; o nome o diz: Aqui
há-os. Mandarei para cá todo o repolho e linguiça disponível que houver. E
linguiça da boa, daquela que enche o olho e sabe ao pouco.
Buarcos - Por meu
lado farei ir ao mar todos os barcos à pesca da raia, e às tropas de Tavarede
não faltará bela penca.
Brenha - Alteza! Eu
prontifico-me a lavar as ceroulas dos vossos regimentos. É tudo quanto posso
fazer...
Secretário da Guerra - Não vai ter pouco trabalho.
Grã-Duqueza - De todo o coração vos agradeço.
Mal sairam os três estados,
entrou um funcionário dizendo que o embaixador da China pedia para ser recebido
imediatamente, para tratar de um assunto grave e urgentíssimo.
Entrando, e
depois de cumprimentar, lê a seguinte comunicação: “Averiguou-se que uma peça
representada em Tavarede, chamada Lúcia-Lima, produziu na Rússia extraordinária
impressão. A China é nessa peça metida a ridículo e isto fez com que os
bolchevistas russos fomentassem a guerra que lavra no Celeste Império para lá
implantarem o bolchevismo. Os autores da escandalosa obra são um poeta que
esteve na terra dos pretos e tem o nome do rei preto e um maestro muito
conhecido pela sua batuta fina e leve. Exija do governo de Tavarede a entrega
dos dois facínoras à justiça chinesa ou uma indemnização de 10 milhões de
libras”.
Coitada da
pequenina terra do limonete que tanta influência teve nos destinos políticos de
um país tão grande como a China!... E agora? Para pagar tal indemnização não
havia dinheiro e quanto aos autores “os dois bandidos, pagos com o ouro
bolchevista, fizeram na verdade a tal Lúcia-Lima, mas isso foi ainda no tempo
da República do Pandorgas”. E como eram inimigos declarados do Grão-ducado, não
havendo cá a pena de morte, foram deportados, por toda a vida, para o inferno.
Foram, pura e simplemente, mandados para o diabo!...
É bastante
curioso o autor incluir-se a ele próprio e ao seu principal colaborador, o
musicólogo, no enredo da peça. E sem qualquer receio envia-se, com o companheiro,
para as profundezas do inferno, como castigo pelo seu atrevimento. Uma pena bem
quente, mas que não satisfez o embaixador chinês que, de imediato, declarou ir
buscá-los ao inferno para os levar a julgamento no seu país. Mas não vai só.
Nêspera Cajú quer conhecer os deportados e acaba por ir com ele.
*
* *
Nos seus
domínios, Lúcifer está aguardando a chegada de novas almas. A próxima, assim o
julgava, era a de um falsário, ladrão, assassino e incendiário, que era coisa
que havia muito não chegava áquelas paragens.
Lamentando-se,
chega uma bruxa mestra que havia sido enviada pelo mestre a Tavarede: “Não pude
entrar em casa do Atanázio. Durante duas horas voei em torno da casa, mas sem
resultado! Quando ia a entrar pelo buraco da fechadura senti uma picada de
alfinete que me fez cair; depois quis descer pela chaminé, mas qual? Vinha de
lá um cheiro a alecrim e uma fumarada que me empurravam para fora. Não houve
maneira”.
Perante a
admiração de Satanás, explica-lhe o que descobriu: “Depois de dar muitas voltas
ao redor da casa, fui pôr-me mesmo por cima da cama dele e fiquei à escuta. E
então ouvi a mulher a rezar esta oração:
Eu
me entrego a S. Silvestre
E
à camisa que ele veste.
S.
Silvestre de Monte Maior
Livrai
a minha casa de todo o redor,
De
bruxas e feiticeiras
E
caldeadeiras.
Côco,
três vezes côco,
Chave
na mão, cadiado na boca”.
Com tal
reza, dita três vezes a seguir, não havia bruxa que ali conseguisse entrar.
Eram espertas as tavaredenses. Conheciam bem como lutar contra o diabo e suas
ajudantes!
Quando os
visitantes chegaram ao palácio, mandaram pedir para serem recebidos. Ao ser
Satanás informado de que iam de Tavarede não se conteve e disse: “Tavarede pode
orgulhar-se de ser o Estado da Terra que mais estreitas relações tem com o
Inferno”, e manda chamar os dois hóspedes.
Depois deles
entrarem, Lúcifer informa-os de que têm duas visitas e que também estava a
chegar uma nova candidata a bruxa, ida de Tavarede. Os dois hóspedes pedem para
assistir à cerimónia da entrada para a irmandade das bruxas, da tavaredense que
está a chegar. Como eram bons rapazes, lá acedeu Satanás, mas tinham de se
esconder.
Coro - (entram as
bruxas)
Como os morcegos,
Como os morcegos,
Bruxas
ligeiras
Voam
de noite,
As
feiticeiras
Sem
medo a chifres,
A
ferraduras,
Entramos
sempre
P’las
fechaduras.
Senhor
Rei das profundesas
Supremo
génio do mal,
Abençoai
esta irmã
P’ró
fadário infernal.
Somos
as bruxas
Sempre
a girar,
Corremos
mundo
Sempre
a voar.
Se
nos apraz
E
dá na bolha
Vamos
por cima
De
toda a folha.
Bruxa Mestra - Comadre,
fez o que lhe disse?
A Neófita - Sim,
comadre. À meia-noite fui aos 4 caminhos, abri um pão ao meio, puz-lhe dentro
sal e calquei-o a pés.
As Bruxas - Comadre,
comadre, comadre, 3 vezes comadre.
Bruxa Mestra - Aqui lhe
entrego este chavelho de carneiro onde guardará o óleo para se untar, que é
feito de petróleo. banhas de cobra, e caldo de erva cidreira cozida com sapos e
asas de morcego. Aqui lhe entrego este rabo de colher. Quando vier para o
fadário passa com o rabo 3 vezes pela cara do seu homem e diz: “aqui te benzo
c’o rabo desta colher. Não acordes senão quando eu vier”. Depois, despe-se,
unta-se bem com o óleo do chavelho e diz: “avoa, avoa, por cima de toda a
folha”. E pronto, fica a voar.
Poeta João - (deitando a
cabeça, áparte) Há coisas que teem asas e não voam, estas voam e não teem asas.
Bruxa Mestra -(faz uma
pirueta e dirige-se a Satanaz) Entrego-vos a nova comadre, Magestade. Peço para
ela a vossa protecção.
Satanaz - (desce o
trono e vem ao centro bradando, ao mesmo tempo que se produzem relâmpagos e as
bruxas dão uivos) Bruxa! Bruxa! Bruxa! Tendes a protecção do Inferno.
Todas as Bruxas - Bruxa!
Bruxa! Bruxa!
Satanaz - E agora
ficai à vontade. (Satanaz sai)
Bruxa Mestra - Estavas com
medo, comadre. Vês como o diabo não é tão mau como o pintam?
A Neófita - E ele bate
na gente?
Bruxa Mestra - Não! E se
batesse tu não estranhavas. O teu homem todas as semanas te dá uma sova.
Bruxa Francisca - Este fado é
bom, comadre, mas é preciso ter cautela quando os mariolas dos nossos homens
desconfiam.
Todas - Pois é.
Bruxa Francisca
- Olhe, eu quando acabo o bruxedo, para ir meter-me outra vez na cama, tenho de
bater três vezes com o trazeiro na pedra em que o meu homem bate a sola. Ele
descobriu isto, e sabe o que fez uma noite?
A Neófita - Se calhar
escondeu-lhe a pedra.
Bruxa Francisca - Pior ainda.
Pôs a pedra numa fogueira, e quando vim... ai! nem quero que me lembre! Foi uma
queimadela que me arrancou a pele. E assim andei mais de um mês.
Bruxa Aldegundes - A gente tem
as famas de muita coisa que não fazemos. Qualquer coisa má que acontece dizem
logo que foram as bruxas. O filho vai à salgadeira ao pai? Foram as bruxas. A
mulher empenhou a roupa do homem? Foram as bruxas. Dão fome ao gado e o gado
morre? Foram as bruxas. A filha anda esmiucada? É bruxedo.
Bruxa Mestra - É bruxedo,
é... Também a filha do Zé da Matiôa tinha bruxedo, como a mãi dizia e eu bem vi
sair de lá de casa um rapaz às 3 horas da madrugada. Diz que tinha sido o diabo
e o diabo aqui a jogar às cartas muito descansadinho.
Todas - É verdade.
Pouca vergonha!....
Bruxa Mestra - Bem, vamos cá a combinar o serviço para esta noite.
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