sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

O Associativismo na Terra do Limonete - 114

         No dia em que Mestre José Ribeiro completaria 96 anos de idade, nova homenagem foi prestada à sua memória, desta vez por iniciativa de uma comissão, que tomou a responsabilidade da iniciativa e durante a qual foi inaugurado o seu busto no largo fronteiro à Sociedade. Ao homenagear-se em Tavarede no próximo domingo a figura do grande cidadão José da Silva Ribeiro, a Sociedade de Instrução Tavaredense sentiu um enorme desejo de falar um pouco do Homem que foi a pedra angular da sua existência, do seu prestígio.
         O Teatro foi a arte escolhida para o engrandecimento da Sociedade de Instrução Tavaredense e dos que com ele conviviam nos inesquecíveis serões dos ensaios. Desde 1916, ano em que tomou as rédeas da direcção do grupo cénico, José Ribeiro instruiu e educou as mais variadas gerações de tavaredenses, tendo sempre como cartilha o texto dramático, por mais simples que se afigurasse a mensagem.
         Ao princípio, e pensamos que numa atitude de motivação e recrutamento de amadores, ensaiou variadas peças sendo, na sua maioria, comédias e operetas com adaptação de romances e contos, por exemplo, do grande escritor Júlio Dinis. Lembremos que os amadores eram gente que trabalhava a terra durante o dia ou exercia outras profissões bem agrestes e que à noite vinha aprender a falar, a ouvir e a estar, com os ensinamentos do Mestre. Também o público carecia de ser educado e, por isso, ele numa atitude verdadeiramente pedagógica começou dos enredos e das palavras mais simples dos autores nacionais, para gradualmente introduzir outras obras ditas “mais sérias”. Em 1946 entra em Tavarede Gil Vicente, o grande criador do Teatro Português. Introduzir textos vicentinos não foi tarefa fácil, embora o grupo cénico nessa época já tivesse alguns amadores com grande qualidade – Violinda Medina, João Cascão, Fernando Reis, irmãos Medina, João de Oliveira e outros -, no entanto a linguagem medieval era um tanto difícil para a maioria dos amadores. José Ribeiro, habituado a enfrentar todas as dificuldades, não desiste e em Tavarede representam-se variados trechos de Gil Vicente – Auto Pastoril Português, Auto da Barca do Inferno, Auto da Visitação, Pranto da Maria Parda, Auto da Feira, Farsa do Velho da Horta e outros. Como foi possível então representar com êxito o autor citado, bem como toda uma vasta galeria de autores clássicos e modernos da literatura portuguesa e estrangeira como Garrett, Marcelino Mesquita, Alves Redol, Luís Francisco Rebello, Molière, Marivaux, Shakespeare, Pirandello, Artur Miller, Diego Fabri?
         Antes do início dos ensaios, a peça sofria uma enorme fermentação, um enorme estudo pessoal, fruto de longas noites passadas à secretária, no escritório de sua casa. Cuidadosamente fazia os cortes necessários ao texto, de maneira a que a mensagem se tornasse fluida sem, de forma alguma, quebrar o espírito do autor. Seguidamente começavam os “bonecos” – pequenas figurinhas de chumbo – a bailar nas marcações do espaço cénico desenhado na folha de papel. Ao mesmo tempo fazia os contactos com o responsável pelo guarda-roupa, Anahory, e com os cenógrafos, a fim de haver um entendimento perfeito entre texto – indumentária – cenários – adereços. Começava então a fase dos ensaios que, segundo ensinamentos seus, se dividem em duas fases – o reconhecimento do texto, através dos chamados ensaios de mesa, e posterior passagem ao palco, em que o amador aprende a misturar as palavras, o tom de voz com a expressão corporal, a apropriação do espaço.
         E nesta tarefa se passavam alguns meses entre repetições, ralhos, risos, mas acima de tudo, num beber constante de ensinamentos da vida.
         Para José Ribeiro, o dia do espectáculo era tempo da celebração, o coroar de toda uma caminhada de trabalho e de prazer. O Mestre vivia, não só a sua, mas a de todos os que com ele partilhavam a arte de Talma.
         Através do Teatro ele foi capaz de fazer chegar o nome de Tavarede e da Figueira da Foz a quase todos os cantos de Portugal. Saibamos no presente honrar este homem simples procurando dignificar e reabilitar a arte do Teatro no espaço cultural do nosso concelho. A Direcção da Sociedade de Instrução Tavaredense

         Mas um novo golpe sofreu o associativismo tavaredense em fins de 1990. No passado dia 6 de Dezembro, a Sociedade de Instrução Tavaredense ficou empobrecida, Tavarede vestiu-se de luto: João de Oliveira Júnior tinha sido atropelado mortalmente, em Coimbra quando atravessava uma passadeira, frente ao antigo teatro Avenida.
         Os tavaredenses algo atónitos pela dureza da situação procuravam não acreditar na realidade, que sobre eles se abatia.
         João de Oliveira estreou-se no teatro de Tavarede com apenas 14 anos e, desde então, manteve-se sempre no grupo cénico. Amador de alta categoria, ele experimentou as mais diversas personalidades representando, de forma admirável, grandes dramaturgos portugueses e estrangeiros. Ele era “o mau” do grupo, segundo as suas próprias palavras, já que ninguém gosta de fazer papéis antipáticos, paradoxalmente, fazia, de maneira admirável, a feição cómica. Como exemplos, podemos citar: o desconhecido em “Alguém Terá de Morrer”, o diabo do “Auto da Barca do Inferno”, o bofarinheiro do “Conto de Inverno”, “O Tartufo”, o “Médico à Força” de comédias de Molière e tantos outros!... 
         Desde cedo, este amador revelou-se alguém capaz não só de interpretar majestosamente os seus papéis, mas também de assimilar as técnicas inerentes à preparação e montagem de um espectáculo. Assim, momentos antes da morte de José Ribeiro ele assumiu a direcção do grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense fazendo por continuar uma arte que tanto tem dignificado as gentes de Tavarede. Pela sua mão foram à cena as seguintes peças: “Chá de Limonete”, “Alguém Terá de Morrer”, “Todo o Mundo e Ninguém”, “Tio Simplício”, “O Dia Seguinte”, “Horizonte”, “Os Velhos”!, “O Sonho do Cavador”, estando a ensaiar neste momento outra fantasia de José Ribeiro.
         Ao longo dos tempos, João de Oliveira não era apenas o excelente amador, ele desempenhou funções directivas na Sociedade de Instrução Tavaredense, nunca fazendo questão dos cargos exercidos – desde presidente a vogal – ele exerceu-os com a mesma competência e dignidade.
         No aspecto recreativo, ele foi sempre o grande impulsionador e animador dos Concursos de Pesca Rio e Mar, passatempo seu preferido, e também de todos os convívios sociais levados a cabo pela SIT. Como tavaredense, João de Oliveira teve uma postura exemplar: a palavra inimigo não fazia parte do seu vocabulário, ele recebia todos com a mesma franqueza, a mesma bonomia, pronto a ajudar a quem a si recorresse.
         Aos setenta anos ele brincava graciosamente com os seus netos, forma de lhes transmitir alguns ensinamentos e, acima de tudo, de lhes mostrar o lado bom da vida.
         Com a partida de João de Oliveira, todos ficámos roubados do convívio como colega de direcção, como do amador de teatro, como Amigo sincero! A Sociedade de Instrução Tavaredense perdeu de forma amarga mais uma das suas traves mestras – o grande continuador da obra admirável de José Ribeiro. A Direcção da Sociedade de Instrução Tavaradense.
         Obs. – “O Figueirense”, que solicitou este testemunho à Direcção da Sociedade de Instrução Tavaredense, associa-se ao desgosto de todos os tavaredenses

         Foi a jovem amadora tavaredense Ana Maria Caetano quem tomou a direcção do grupo cénico. A sua primeira peça, como encenadora, foi a fantasia Terra do Limonete. E o teatro tavaredense comemorou o Dia Mundial do Teatro, em 1991, com uma sessão na sua sede. Tavarede, santuário de muito teatro, não esqueceu (como podia?) de assinalar o Dia Mundial do Teatro, que ocorreu na passada semana, no dia 27.
         Não sabemos de outras iniciativas que tenham decorrido no nosso concelho, mas, se eles acaso não se desenvolveram, Tavarede salvou, como se diz, a honra do convento, ao promover, na sua sede, uma noite em que o Teatro e José da Silva Ribeiro voltaram a dar mãos, encheram a Sociedade de Instrução Tavaredense e reconfortaram o espírito de todos que participaram nesta comemoração.
         Presidiu à sessão o Dr. Luís de Melo Biscaia, vereador do pelouro da Cultura, o qual, em mesa de honra, estava rodeado pelo presidente da Junta de Tavarede, António Baltazar, e pelas drªs. Ilda Manuela e Ana Maria Caetano, bem como pelo presidente da SIT, Manuel Lontro.
         E seriam de Manuel Lontro as primeiras palavras explicativas da razão desta sessão, na qual a comissão promotora da homenagem a José Ribeiro resolveu aproveitar o Dia Mundial do Teatro não só para evocar o Mestre, mas também para do Teatro falar, como se os dois, adiantamos nós, se pudessem separar.
A Drª Ilda Manuela leu depois a mensagem do Director Geral da Unesco, Frederico Mayor, relativa à data que se assinalava e na qual aquele responsável distinguiu o instinto criador de todas as mulheres e de todos os homens, enunciando seguidamente alguns dos grandes desafios do nosso tempo, recordando também o valor da comunidade teatral internacional, incitando às manifestações desta arte ímpar, na contribuição do advento de um mundo mais criador e mais fraterno.
         A intervenção de fundo coube à Drª Ana Maria, actual ensaiadora d SIT, discípula de Mestre José Ribeiro, a qual, corajosa, mas conscientemente, pegou nas rédeas da colectividade após o falecimento de João de Oliveira, outro homem grande do Teatro tavaredense.
         E a palestrante traçou um cuidado retrato destes dois grandes e indissolúveis triunfos culturais de Tavarede, isto é, historiou a fecunda actividade teatral e evocou José da Silva Ribeiro.
         Recordou os tempos da fundação da SIT, lembrando as sociedades dramáticas que se representavam de casa a casa, a acção de João José da Costa e a contribuição que este ex-presidente da Câmara deu à actividade teatral transformando a Casa do Terreiro em Teatro do Terreiro, a escola nocturna que o antigo regime encerrou em 1942, as representações, as dificuldades...
         Mas 1916 é marco histórico-cultural de Tavarede, pois é nesse ano que José da Silva Ribeiro, com apenas 18 (?) anos, se assume como ensaiador da SIT, estreando-se com a opereta “Entre duas Avé-Marias”.
         E pelo palco de Tavarede passou uma população que se cultivou, educou, progrediu, tomando características próprias que se haviam de reflectir no dia a dia da vida real.
         E neste Dia Mundial do Teatro foi bom aprender e recordar muito do que o Teatro deve a Tavarede, muito do que Tavarede deve a Mestre José da Silva Ribeiro, viajando ciceroniado pela Drª Ana Maria, num agradável passeio cultural que nos conduziu dos primórdios teatrais tavaredenses até aos nossos dias, havendo ainda tempo para saudar Violinda Medina, João Cascão, os irmãos Broeiros, Manuel Nogueira, Francisco Carvalho e tantos outros pilares humanos da SIT.
         E a palestrante concluiria as suas palavras com a certeza de que “em Tavarede deixou bem colocada a semente do Teatro”, finalizando com um viva ao Teatro.
         O Dr. Luís de Melo Biscaia encerraria a primeira parte desta sessão evocativa do Dia Mundial do Teatro, declarando “que hoje sabe bem revivermos José da Silva Ribeiro neste Dia Mundial do Teatro”, realçando posteriormente quer a sua acção, quer a de todos os amadores da Sociedade de Instrução Tavaredense, felicitando, por fim, a oradora pelo seu brilhante trabalho.
         A derradeira parte desta reunião foi toda ela ocupada pela passagem de um vídeo, no qual nos foi apresentada uma completa entrevista realizada ainda com o Mestre José Ribeiro, ora situada em sua casa, ora localizada na sua segunda casa, a SIT.
         E se soube bem reviver Mestre José Ribeiro nas palavras da Drª Ana Maria, como afirmou Luís Biscaia, não menos emotivo foi revê-lo nas imagens, sentir toda a sua determinação, vontade, todo o seu “amor ao Teatro e às suas gentes de Tavarede”.

         Tavarede não esqueceu o Dia Mundial do Teatro. Bastou que do Mestre José Ribeiro se falasse...

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