sábado, 28 de fevereiro de 2015

O Associativismo na Terra do Limonete - 117

         Certamente que Alves Redol, o escritor que tirava da “tragédia de vida” o enredo para as suas obras, se reveria na representação memorável de João Medina, o Pai que, tiranizado pela revolta duma prepotência cometida sobre os bens familiares, transportou para a sua nova família o estigma dessa afronta onde a esposa (outro excepcional desempenho de Ilda Simões) e os filhos não passavam de simples peças daquele xadrez de sobrevivência que nem a iminência de mortes fazia vergar.
         Com João José Silva e António Silva a incarnarem os papéis de filhos na oposição à visão doentia de pseudo-dignidade do pai, activamente, o primeiro, ao optar pelo “salto” à forja e mais passivamente, o segundo, ao resignar-se ao jugo da dureza do trabalho e do tratamento que já matara o irmão Miguel (representado com segurança por Miguel Lontro), também a Mãe soube mostrar quanto vale a razão e o direito ao defender o filho mais novo (promissora estreia de Pedro Louro) das garras daquela “forja assassina” para onde o pai o empurrava em detrimento da Escola.
         Com Manuela Mendes (vizinha) a mostrar naturalidade e a Morte (Rosa Paz) a desempenhar “condignamente” o papel de diabo, não há dúvida que merece o maior realce o trabalho de encenação (Ilda Simões) sem esquecer a quota-parte que tiveram no brilho do espectáculo José Maltez e Jorge Monteiro Sousa (montagem de cenários), Nuno Pinto e José Miguel Lontro (luz e som), Otília Cordeiro (ponto), João Pedro Monteiro (contra-regra) e o coro (Alice Mendes, Susana Neves, Cristina Almeida e Vanda Oliveira).
         “Cátedra” de tão grande lição, aquele “palco da vida” passou a mensagem esperançosa de Alves Redol na medida em que, ao exaltar com tanta realidade o dom da vida, não deixou de realçar o peso dum ambiente familiar onde o diálogo aberto constitui obstáculo à prepotência doentia de “forjas” humanas, mensagem que humedeceu os olhos e contraiu corações.
         Fazer calar tantas vocações seria um atentado ao nome prestigiado daquela casa, uma afronta à memória de José da Silva Ribeiro, um crime de lesa Cultura.
         Que ninguém deixe fechar “aquela forja” do nosso Teatro Amador!

         Havia uma velha tradição na nossa terra quer caíra no esquecimento. Um grupo de amadores teatrais da SIT resolveu, em boa hora, fazê-la reviver. Preservando uma tradição que se perde no tempo, Tavarede fez reviver, no último sábado, essa encenação pública de sabor satírico-popular que é a “Serra a Velha”.
         Iniciada por “sinistro” cortejo sob o comando do Juiz seguido de luzido (muitas tochas) séquito a que a musica fúnebre e muitos embuçados emprestavam um ambiente pesado através das ruas que levavam da SIT às ruínas do Paço, aí teve lugar a “prisão da Velha Malvada” que, após sumário exame (de grande comicidade brejeira), foi conduzida a tribunal (palco do Teatro da SIT).
         Ali, numa representação espectacular, a Velha Ana Castanha Pilada fez delirar a assistência com um diálogo de excelente interpretação cómico-satírica em defesa da sua “honra” ameaçada e condenada.
         Seguiu-se a apoteose da realização: Leitura do testamento da malvada em versos (repletos de humor), que contemplavam quase todos os habitantes de Tavarede, momento marcado por prolongadas e sonoras risadas que atingiram o rubro no acto da serração da ré, sentença para a sua “vida malvada”
         Mais uma tradição reposta com grande sabor popular e elevado nível de execução, razões mais que suficientes para um maior interesse das pessoas de fora de Tavarede.
         As nossas palmas para todos os que continuam a apostar na preservação das tradições, e para a Sociedade de Instrução Tavaredense, responsável pela iniciativa.

         Em Maio de 1998, a Sociedade de Instrução recebeu a visita do então ministro da Cultura. Manuel Maria Carrilho e comitiva foram recebidos pelos acordes da Tuna de Tavarede. Muitos populares associaram-se festivamente à visita do Ministro da Cultura e do Governador Civil dr. Vítor Baptista, acompanhando-os num demorado contacto com a Sociedade de Instrução Tavaredense. Mereceu atenção a visita à exposição de cenários e adereços.
         No palco, uma lenda do Teatro Amador: o actor da SIT, João Medina, declamou um texto de Mestre José da Silva Ribeiro alusivo ao estado de degradação do Paço de Tavarede: “Triste sina a do Solar, que é hoje um mutilado”.
         Manuel Maria Carrilho, que durante 18 anos passou as férias de verão na Figueira da Foz, conhece a riqueza humana das colectividades do concelho. Para a instalação eléctrica concedeu 4.000 contos de subsídio (as obras orçam os 7.000 contos).
         Miguel Almeida, em representação da Edilidade, salientou que “é difícil apoiar cerca de 122 colectividades” e pediu a ajuda do Ministério da Cultura. Simões Baltazar lembrou que os vários executivos camarários não mostraram interesse em resolver o problema do Paço de Tavarede e entregou ao ilustre visitante um dossier completo sobre as soluções que poderão ser implementadas para o salvar da ruína completa.
         Manuel Maria Carrilho prometeu estudar o caso e continuou a visita ouvindo atentamente as explicações de Rosa Paz, que não se coibiu de manifestar o desejo da colectividade de criar um museu de teatro para expor e guardar o precioso espólio acumulado ao longo de décadas.
         O Ministro da Cultura foi contemplado com algumas lembranças sem esquecer peças de artesanato da terra do limonete e esperamos que volte em breve com a solução desejada para o Paço de Tavarede.

         O segundo centenário do nascimento de Almeida Garrett foi comemorado em Tavarede. A Sociedade de Instrução Tavaredense (SIT), à semelhança do que tem feito com outras figuras de relevo cultural, vai assinalar o bi-centenário do nascimento de Almeida Garrett, um dos grandes vultos da literatura portuguesa, numa data que será festejada pela SIT, e que se inicia com as festividades alusivas do 95º aniversário da colectividade, prolongando-se até ao 25 de Abril. Assim, são três comemorações culturais numa festa só.
         “Estas comemorações são para todo o concelho, nomeadamente para as camadas jovens”, explicava aos jornalistas Rosa Paz, presidente da direcção da SIT, quando apresentava a iniciativa que vai ter o apoio do município figueirense e que visa, entre outras coisas, promover um espectáculo cultural que inclua diversas facetas do escritor como dramaturgo, pois Garrett é um escritor estudado nas nossas escolas e “devorado com apetite”, dizia Ilda Simões.
         Integrado nas festividades do aniversário da SIT, nos dias 23 e 30 do corrente, vai ser apresentada a comédia “O Festim do Baltazar”, que terá na segunda parte “História Cantada de Tavarede”, uma peça que envolve cerca de 50 pessoas, ficando depois para Abril o grande espectáculo cultural alusivo a Almeida Garrett que, como disse Ilda Simões, é preciso “incentivar o gosto pelo teatro”. Mas os objectivos da iniciativa passam também por desenvolver atitudes de preservação e animação da cultura portuguesa; dar a conhecer a cultura teatral do concelho; desenvolver o espírito crítico e conhecer alguns modos de vida, pensamento e história do século XIX, contrapondo-os com os da actualidade.
         Mas ainda segundo Ilda Simões, para actuar nestes domínios, propõem-se realizar um espectáculo cultural que contemple diferentes facetas do grande escritor, porque “não é inédito em Tavarede comemorar-se datas marcantes da História da Cultura”, e por isso não vão deixar de o fazer agora no bi-centenário do nascimento de Garrett até porque, frisava a directora do grupo cénico da SIT, “Garrett é um grande vulto da nossa literatura; porque somos uma população rica em actividade teatral; porque há muitas crianças, jovens e até gente adulta que não conhece a obra de Garrett” e porque, como dizia o próprio Garrett, “o teatro é um grande meio de civilização, mas não prospera onde não o há”.
         O grande espectáculo cultural vai incluir excertos de algumas obras do homenageado, nomeadamente, “Folhas Caídas”, “Romanceiro”, “Viagem à Minha Terra”, “O Arco de Sant’Ana” e “Frei Luís de Sousa”, excertos da “Terra do Limonete”, de José da Silva Ribeiro, e textos de Maria Clementina Reis Jorge da Silva e Ilda Manuela Simões.

         Dado o interesse cultural do evento, o grupo promotor da SIT vai ser recebido pela Câmara Municipal para acertar as formas de apoio, nomeadamente levar o espectáculo às freguesias do concelho e trazer as crianças das escolas à Sociedade de Instrução Tavaredense para verem o teatro.

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