E vamos agora ao último caderno desta recolha sobre o
associativismo na terra do limonete. Duzentos anos decorreram desde que
Tavarede, já liberta do jugo da família Quadros, que durante cerca de três
séculos oprimiram e vexaram o povo local, iniciou um novo modo de viver,
deixando de ‘vegetar’ como os seus Senhores o obrigaram. Os tavaredenses
aprenderam, então, que a sua vida terrena não podia ser unicamente trabalhar. É
que, por esses tempos, tinham acabado de aqui chegar, trazidos pelos ventos do
leste, os ideais da liberdade, da igualdade e da fraternidade, provindos da
França.
Escrevemos, ao iniciarmos esta tarefa,
que o associativismo teria tido os seus princípios, na nossa terra, na primeira
década do século dezanove ou, talvez, na última do século anterior. Nas nossas
buscas, não conseguimos encontrar uma certeza absoluta. Mas, embora o não
possamos garantir, julgamos não estar afastados da verdade.
Procurámos descrever o começo dos
tavaredenses na busca da sua instrução. Foi o teatro o meio escolhido. Mas não
foi a nossa terra a primeira. Ainda aqui imperava o despotismo dos fidalgos, já
se fazia teatro em Maiorca, pois temos notícia da ida do morgado Fernando Gomes
de Quadros àquela terra assistir a uma comédia e tentar ‘mimosear’ com pancada,
o dono da casa onde teve lugar a representação. E, certamente, noutros lugares
da região já se apresentava teatro.
Já estamos bem longe dos velhos ‘cardanhos’,
que Ernesto Tomás nos descreveu primorosamente, as tais sociedades dramáticas,
que em Tavarede ‘vegetavam como tortulhos’. Também já pertencem à história as
‘célebres’ representações, em que o público, sem qualquer respeito pelos
actores, fumava e cavaque ava na
improvisada plateia, enquanto assistia ao desenrolar dos dramas, que até as
pedras faziam chorar, e as comédias, que provocavam indigestões de riso. De
igual modo, também em Tavarede se finaram as tão tradicionais representações
dos Autos Pastoris e dos Reis Magos, de que o velho Joaquim Águas
era tão entusiasta!
Mas a verdade é que foram estes
espectáculos que tiveram a maior importância para o desenvolvimento cultural e
recreativo em Tavarede. Podemos dizer, que foi esta a semente que tão
abundamentemente germinou e se reproduziu na pequena e velha aldeia. Claro que
se não deve deixar de dizer que, se a semente e o terreno eram excelentes,
também a sorte nos favoreceu, com um filho tavaredense que dedicou toda a sua
longa vida ao associativismo, cultivando a abençoada semente do teatro, arte
esta em que foi justamente considerado Mestre. Como alguém referiu, sem teatro
Tavarede não seria a mesma, e nós acrescentamos, sem o Mestre José Ribeiro também
o teatro de Tavarede não seria o mesmo.
Mas esta introdução já vai longa e é
tempo de regressar à nossa história. Sabemos o que foi o passado associativo,
conhecemos, ou julgamos conhecer, o associativismo presente, mas ignoramos
completamente como será no futuro. Ao iniciarmos o novo século, o vinte e um,
existiam na freguesia cinco associações culturais e recreativas: a Sociedade de
Instrução Tavaredense, o Grupo Musical e de Instrução Tavaredense, o Grupo
Musical Carritense, o Clube Desportivo e Recreativo da Chã e o Grupo Desportivo
e Amizade do Saltadouro. E, facto digno de registo, todas as cinco instaladas
em sedes próprias e todas desenvolvendo activamente a sua nobre missão.
Damos o título do ‘Primeiro centenário’
a este capítulo, tendo em conta o caso de a Sociedade de Instrução, a mais
antiga, comemorar os seus primeiros cem anos de existência logo nos anos
iniciais do século. E como simples
informação, podemos dizer que, depois de consultarmos toda a imprensa local e
todos os registos e arquivos da colectividade, a mesma efectuou 1.156
espectáculos, desde a sua fundação, em Janeiro de 1904, até ao final do século
vinte. Uma média de quase doze espectáculos por ano, é um caso notável em
grupos de amadores e numa terra tão pequena como a nossa.
O primeiro espectáculo desta colectividade no
novo século, teve lugar no dia 27 de Janeiro de 2001, integrado no programa
comemorativo do seu 97º aniversário. Levou à cena as peças de Tchekov Um pedido de casamento e O urso. E, no dia seguinte, antes da
tradicional sessão solene, representou outra peça do mesmo autor, O canto do cisne. Relativamente ao
espectáculo de sábado, encontrámos o seguinte apontamento. A SIT levou à cena no passado dia 27 duas peças de Anton Tchekov,
dramaturgo russo e impulsionador do chamado “realismo psicológico”, que faleceu
já no início deste século.
As
peças, “Um pedido de Casamento” e “O Urso” integraram-se na comemoração dos 97
anos daquela colectividade. Com estas peças e mercê de um trabalho que se
denota apaixonado e sério, a SIT está de novo a conquistar público, uma vez que
a sala estava completamente cheia.
Trata-se
de duas comédias ligeiras, de costumes, que pedem tratamento naturalista quer
na encenação, quer nos adereços e cenários. Este tipo de teatro vive
essencialmente do bom desempenho dos actores e aqui os dois espectáculos
contaram, no caso do “Pedido de Casamento”, com duas excelentes interpretações
rubricadas por Rogério Neves e por Fernando Romeiro, este último, bastante
seguro e mostrando ser um actor com escola; Já no “O Urso” estiveram em bom
plano Ilda Simões e José Medina, não desmerecendo o discreto António Barbosa,
num papel que parece fácil mas que, na realidade, não o é.
A
encenação consegue manter um ritmo adequado ao desenrolar da acção, sem quebras
e prestável à atenção do público. Talvez, e tratando-se de teatro realista, uma
ou outra articulação não estivesse bem, tal como o cenário de “O Urso”. Nesta
matéria seria bom que a SIT deixasse de utilizar os “velhos” cenários que
funcionam como uma parede no espaço cénico e partisse para novos moldes mais
consentâneos com o teatro moderno.
Uma
nota para os folhetos de apresentação: simples, directos e informativos para o
grande público.
A propósito deste aniversário, e num periódico
figueirense, uma notícia foi publicada sobre a colectividade, na qual se
incluia uma entrevista com a então presidente da direcção. Foi em 15 de Janeiro de 1904 que Tavarede viu nascer no seu seio a
Sociedade de Instrução Tavaredense (SIT).
Tavarede,
uma freguesia rural cuja população vivia exclusivamente da agricultura, onde os
“cavadores” trabalhavam a terra de sol-a-sol, não havia tempo para a cultura e
muito menos para a instrução. Tal facto levou a que um punhado de tavaredenses
fundasse a SIT, cuja principal acção seria a criação duma escola onde os
tavaredenses pudessem aprender a ler depois das tarefas da lavra.
Poucos
anos após a sua fundação, já se falava de teatro e foi de tal ordem o amor pela
“arte de Talma” que ainda hoje, volvidos 97 anos, é o teatro a principal razão
da existência da colectividade.
Não
se pode falar da SIT sem mencionar o nome de mestre José da Silva Ribeiro. Se a
SIT hoje é o que é muito deve a mestre José Ribeiro que dedicou toda a sua vida
ao teatro e soube incutir essa paixão aos tavaredenses, que ainda hoje sentem o
orgulho pela sua SIT ser considerada a “catedral do teatro amador”.
Várias
gerações têm passado por aquela colectividade, todavia o exemplo daquelas que
ao longo dos anos escreveram páginas brilhantes, de um historial que é orgulho
dos tavaredenses, continua a ser seguido religiosamente por quem hoje dirige a
agremiação.
Há
cerca de quatro anos, uma grave crise de dirigismo na SIT levou a que um grupo
de jovens mulheres assumisse a liderança da colectividade. Na altura a notícia
foi comentada quase a nível nacional, pois não havia memória de tal situação
ter acontecido em território nacional. Daí para cá tem sido uma luta constante,
o modelo tem persistido e na passada semana realizou-se a assembleia geral da
SIT e mais uma vez fica a pertencer às mulheres a condução dos destinos da
casa.
Rosa
Paz, uma jovem tavaredense, assumiu desde a primeira hora o modelo directivo da
SIT. A massa associativa na última assembleia geral elegeu-a para presidir aos
destinos da colectividade. Licenciada em Direito, Rosa Paz divide o seu tempo
entre o escritório de advocacia, a sala de direcção e o palco da SIT, já que é
também amadora teatral.
Foi
com Rosa Paz que O Figueirense conversou, tomando nota daquilo que ultimamente
tem sido feito, bem como as perspectivas que se colocam no futuro, numa altura
em que já se pensa nas comemorações do primeiro centenário.
Eis
as perguntas e respostas:
-
Como vai a SIT?
- Dentro
do possível vai bem. Tudo o que se faz nesta casa tem sempre a ver com o
teatro. Consideramos que é a principal actividade da SIT. No dia que o teatro
acabar, dá-me ideia que a razão de ser da SIT deixa de existir.
-
Isso quer dizer que o teatro absorve a SIT na totalidade?
- Não é
bem isso. Tentamos levar à prática várias actividades de acordo com as
pretensões dos nossos associados. Todavia, o teatro constitui sempre
prioridade. Nestes dois últimos anos definimos três obras prioritárias: as
obras de remodelação do nosso bar, tendo em conta que o mesmo seja convidativo
para que os nossos associados se sintam bem e venham com assiduidade à
colectividade. Uma outra obra que iniciámos foi a construção de uma “régie” de
forma a poder responder a algumas insuficiências no aspecto da montagem de
peças de teatro. Finalmente a remodelação da instalação eléctrica. Esta última
obra muito cara, obrigatoriamente tinha de ser feita até por questões de
segurança, levando-nos a ter de fazer arranjos em termos da nossa sala de
espectáculos e camarins.
-
Deduzo que as obras encerraram um ciclo de investimento...
- As
obras que enumerei representam um ciclo de prioridades, mas não ficaram por
aqui os investimentos. Todos os anos temos levado à cena novas peças de teatro.
Para quem está por dentro da situação a montagem de uma peça hoje é caríssima e
nós não fazemos teatro para rentabilizar as finanças da colectividade. Pensamos
que o teatro é uma função cultural e quando montamos as peças e as
representamos não estamos a pensar que lucros eventualmente apuraremos. Quero
dizer com isto que no nosso plano de investimentos tivemos de adquirir alguns
equipamentos que permitam uma maior rentabilidade, de forma a que a montagem
das peças saia mais barata e possamos ter em linha de conta melhores
espectáculos. Refiro-me a equipamentos de luz e som.
-
Digamos que em termos de mandato anterior está tudo falado?
-
Quase tudo, mas ainda há algo que queria dizer. Em 1999, sob a direcção de Ilda
Simões, quisemos homenagear um grande escritor português que é Bernardo
Santareno, e levámos à cena a peça “O Pecado de João Agonia”. Foi um êxito de
que muito nos orgulhamos. Por um lado a crítica foi unânime ao apoiar o nosso
trabalho, todavia foi importante todo um conjunto de solicitações para
representarmos a peça nos mais diversos locais, e acabámos por não aceder a
muitas das solicitações, já que tinhamos necessidade de preparar outros trabalhos.
Também procurámos ser gratos a quem tem dedicado a sua vida ao teatro e assim
homenageámos em 1999 dois amadores da SIT que fizeram 50 anos de palco, José
Luís Nascimento e a nossa muito saudosa Lourdes Lontro, que faleceu na véspera
de um espectáculo.
Ainda
como ponto de referência, fomos os representantes do movimento associativo
concelhio junto da Comissão de Protecção de Menores.
Escola
de Teatro: uma realidade – Foi no último sábado que se realizou a
assembleia geral da SIT. Rosa Paz e seus pares foram reconduzidas para mais um
mandato. Curiosamente, nas eleições da colectividade tavaredense não é
necessário campanha eleitoral, já que a preocupação dos associados vem no
sentido de saber “se as meninas continuam”.
-
Quais os grandes objectivos para 2001?
- Nos
últimos tempos tem sido uma preocupação constante a formação teatral. Para
tanto, é uma necessidade premente a constituição de uma escola. Demos os
primeiros passos no ano anterior e a escola de formação é já uma realidade
através de um protocolo existente entre a delegação regional da Cultura do
Centro, o Grupo de Teatro Profissional “A Escola da Noite” e a SIT, projecto
denominado “Centro dos Amadores de Teatro”.
-
Tem havido boa receptividade da delegação regional da Cultura aos vossos
projectos?
- Mantemos
com a delegada óptimas relações. Temos o cuidado de a convidar de forma a que
possa assistir à nossa actividade cultural. Por outro lado, é um facto que nos
apraz registar o reconhecimento do nosso trabalho e a confiança que em nós é
depositada. Recentemente concorremos num universo de 115 colectividades para
sermos considerados como pólo receptor e gestor de equipamentos teatrais. Fomos
uma das quatro colectividades contempladas, e a partir daí partilhamos a nossa
acção com sete colectividades concelhias.
-
Que tipo de colaboração existe entre a SIT e outras colectividades?
- A
colaboração normal entre colectividades. Recentemente realizou-se o fórum das
colectividades e desde logo para além da nossa participação cedemos as nossas instalações.
O nosso pavilhão desportivo tem sido cedido às mais diversas organizações, quer
culturais quer desportivas. Em termos de teatro temos dado apoio a diversos
grupos que a nós recorrem, desde a cedência de instalações, cenários e
guarda-roupa.
-
Para além do teatro que outro tipo de actividade existe na SIT?
- Ao
longo do ano realizámos vários espectáculos culturais e outros de
entretenimento para os nossos associados. Procuramos manter tradições muito
antigas nesta casa, como os concursos de pesca de mar e rio, os campeonatos de
sueca e a “Serração da Velha”.
Tchekov
aos 97 anos – A SIT comemora os seus 97 anos de existência durante o mês de
Janeiro. Faz parte da tradição da colectividade a realização de uma récita
teatral, inserida nas comemorações. Assim este ano, para não fugir à tradição,
os amadores da SIT fazem subir à cena quatro peças.
-
Quais são as peças preparadas para este aniversário?
- Julgo
que pela primeira vez estamos em condições de representar quatro peças
praticamente em simultâneo. Juntamente com Ilda Simões fizemos uma escolha
criteriosa de autores e decidimos que este ano seria de Tchekov, um escritor
nunca antes representado em Tavarede. “Um Pedido de Casamento”, “O Urso” e o
“Canto do Cisne” são as peças que representaremos nos dias 27 e 28 do corrente.
Para além destas, também queremos homenagear um grande autor português, José
Régio, já que este ano se comemora o primeiro centenário do seu nascimento,
pelo que também levaremos à cena a peça “O Meu Caso”.
-
Como conclusão final, com que apoios conta a SIT para toda esta actividade?
-
Temos a convicção que as entidades oficiais nos deveriam ajudar muito mais do
que têm feito até aqui. De qualquer forma, temos tido ajudas. Todavia, temos o
cuidado de apresentar os nossos projectos devidamente fundamentados e com descrição das necessidades prementes para os
levar a efeito. Nesta base, aguardamos o veredicto das entidades a quem
recorremos e vamos realizando-os conforme as nossas possibilidades e as ajudas
de que dispomos.
A
SIT tem de momento cerca de 700 sócios que contribuem com uma quotização anual
da ordem dos 600 contos. Esta importância não dá por vezes para pagar o aluguer
de um guarda-roupa para uma peça de teatro. Daí seria fácil ter uma
colectividade aberta para funcionamento de um bar e se ocupar o tempo com jogos
de cartas e dominó, como muitas outras que conhecemos. Não foi para isso que
foi fundada a SIT. Consideramo-nos uma casa de cultura para fazer cultura. Só
assim tem razão a nossa existência. No dia em que não nos for possível cumprir
a tradição e a memória dos antepassados que fizeram a história desta
colectividade, outra alternativa não nos resta do que fecharmos a porta.
Estamos
à beira de comemorar o nosso primeiro centenário, faltam três anos, mas já
pensamos na constituição de uma comissão organizadora.
Comemorações
do 97º aniversário – As comemorações dos 97 anos da SIT tiveram o seu
início no passado dia 15 com a realização de um jantar convívio.
No
último sábado realizou-se a assembleia geral, com as eleições para os corpos
sociais relativos ao ano de 2001. A mesma noite, na SIT, foi preenchida com uma
sessão dedicada ao fado de Coimbra, tendo actuado o Grupo “Saudade Coimbrã”.
Momento
alto das comemorações acontece este fim de semana. Assim, na noite de 27, pelas
21,45 horas, realiza-se um espectáculo de teatro pelo grupo cénico da SIT, com
a apresentação de duas comédias de Tchekov: “Um Pedido de Casamento” e “O
Urso”.
No
dia imediato, realiza-se a partir das 16 horas a tradicional sessão solene
tendo como orador principal João Manuel Pedrosa Russo. No decorrer da sessão
será apresentada a peça “O Canto do Cisne”.
O
teatro volta novamente à cena no dia 3 de Fevereiro, pelas 21,45, homenageando
José Régio nas comemorações do primeiro centenário do seu nascimento, com a
apresentação da peça “O Meu Caso”, estando ainda inserido no programa um
recital de poesia e uma palestra sobre o escritor.
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