À guisa de... Prólogo
João José da Costa
Fundador do teatro do Terreiro
É com
verdadeira satisfação que confesso que, ao longo deste últimos anos, tem sido
para mim extraordinariamente aliciante este trabalho de leitura e pesquisa,
feito em livros, jornais, revistas e outros documentos que, por alguma forma,
estivessem relacionados com a história de Tavarede.
O
mesmo aconteceria, com toda a certeza, a qualquer outro que ao mesmo assunto
dedicasse algum do seu tempo disponível. Talvez, e acredito que sim, eu tenha
um tempo mais disponível. Mas, repito, tenho-me sentido fascinado nestas minhas
buscas, pois, a verdade seja dita, a nossa terra tem um passado histórico,
social e cultural de que nós, tavaredenses, nos devemos legitimamente orgulhar.
Pena é
que quase todo esse passado seja, no presente, praticamente desconhecido de
todos os filhos de Tavarede, aqui residentes ou não. E, na verdade, a nossa
terra, com a transformação que nela se operou nestes últimos vinte a trinta
anos, já muito pouco tem que desperte a curiosidade a alguém para conhecer o
seu passado.
Nós,
os mais velhos, ainda recordamos o prazer que sentiamos em dizer, quando isso
nos perguntavam, que éramos tavaredenses, naturais de Tavarede, a pequena e
linda aldeia do limonete. Agora, não. O isolamento desapareceu e a integração
no perímetro da cidade da Figueira da Foz teve, como consequência, uma
modificação total na maneira de ser e viver dos tavaredenses. A cidade, pouco a
pouco, tudo nos foi absorvendo.
Além
da imensa vastidão de terrenos que a Figueira fez desanexar de Tavarede, também
“obrigou” os tavaredenses a modificarem as suas actividades sociais e
culturais, levando-os a esquecer as suas raízes aldeãs e campesinas, e a
adoptar os novos sistemas citadinos. Quanto à história, isso... já tinha
passado à história no longínquo dia de 12 de Março de 1771, quando o governo de
então resolveu elevar a vila o lugar da Figueira da foz do Mondego,
transferindo para lá a nossa câmara e as nossas justiças.
Não
admira, portanto, que o passado de Tavarede esteja esquecido. Até porque não há
muita coisa escrita sobre a nossa terra, isto de forma acessível, pois quem se
der ao trabalho de pesquisa encontra muito material, e bastante interessante,
embora de difícil consulta.
Foi o
desejo, que sempre tive, de conhecer melhor o passado da minha terra e de o
deixar escrito, de forma simples e acessível, a um ou outro familiar ou amigo
que um dia queira dar “uma vista de olhos”, que me levou a esta imensa, mas, ao
mesmo tempo, gratificante, tarefa.
Tinha
proposto a mim próprio, e assim o referi nos dois cadernos já publicados, fazer
apenas um resumo, acompanhado das necessárias transcrições, do que fosse
encontrando, e que me parecesse de interesse, sobre o passado de Tavarede.
Aconteceu,
no entanto, que determinados assuntos ou temas, que reputo de muito interesse
para quem queira conhecer a história passada da terra do limonete, não poderiam
ser integrados naqueles cadernos que intitulei “Tavarede – a terra de meus
avós”, pois que, só por si, ocupariam demasiado espaço e, até, seriam
descabidos. Mas, também, não os poderia ignorar, pura e simplesmente, se a
minha intenção era a divulgar todo o material histórico, social e cultural a
que eu tivesse acesso.
E foi
assim que me surgiu outra ideia. Porque não fazer destes assuntos, que por mera
opção pessoal me parecem dignos de ser recordados, uns outros cadernos bem mais
pequenos e acessíveis?
Assim
pensei e assim fiz. E surgiu uma outra série de pequenos cadernos, tão
despretenciosos uns quanto os outros, a que dei o título de “Recordando...”, de
que este é o segundo.
Curiosamente,
e se o primeiro diz respeito ao teatro, pois que tive o gosto de o dedicar a
essa extraordinária amadora dramática tavaredense que se chamou Violinda Nunes
Medina e Silva, o segundo também o dedico a essa grande e querida tradição da
minha terra.
Não
ignoro que é demasiado arriscado escrever sobre o passado teatral em Tavarede.
É que esse passado, digo mesmo, esse glorioso passado de tão cultural Arte, é,
talvez, o mais honroso e o maior emblema da terra do limonete. Mas, descanse
quem tiver a paciência de ler estas linhas, também me não atrevo a tanto.
É que,
nunca será demais recordá-lo, Tavarede teve o orgulho e o privilégio de ter
como filho, um verdadeiro Homem de Teatro, um Mestre na arte cénica que, tão
assombrosamente, elevou o teatro tavaredense ao mais alto nível no nosso país.
E escrever sobre o teatro em Tavarede será, na sua maior parte, escrever a
história de Mestre José da Silva Ribeiro, inegavelmente o maior vulto da
cultura tavaredense, não contemporânea mas de todos os tempos. Para tal terá de
ser alguém com saber, engenho e tempo disponível para escrever uma bem enorme
obra, tanto há a referir sobre este assunto, desde os finais do século dezoito
até quase aos finais do século vinte, ou seja, duzentos anos de teatro em
Tavarede!
Mas
acredito sinceramente que já não será ousadia da minha parte, pelo menos
indesculpável, escrever alguma coisa, não sobre o teatro em Tavarede mas, sim,
sobre Tavarede no teatro. É coisa completamente diferente. Enquanto a história
do teatro em Tavarede abrange um vastíssimo universo, Tavarede no teatro tem um
campo relativamente curto, isto só em termos de comparação.
Facilmente
se depreende que, o que pretendo recordar neste pequeno caderno, são as peças
(revistas, fantasias ou operetas) que tenham sido escritas para Tavarede, para
serem apresentadas no seu palco e aos seus conterrâneos e nas quais, os seus
autores, afloraram a vida na terra do limonete.
E
referi “no seu palco” pois, embora o teatro não tenha sido um exclusivo, em
Tavarede, da Sociedade de Instrução, pois a sua história começa bem antes da
fundação desta colectividade, as peças em questão foram escritas para serem
representadas pelo grupo cénico desta colectividade.
Não há
notícia de que nas pequenas sociedades dramáticas, que em meados do século
dezanove, “vegetavam em Tavarede como tortulhos”, ou nas posteriores
associações “Estudantina” ou “Grupo de Instrução”, desaparecidas nos primeiros
anos do século vinte, e, também, no Grupo Musical e de Instrução, felizmente
ainda em actividade, embora não teatral, mas que teve um excelente grupo
dramático desde a sua fundação, em 1911, até ao ano de 1930 em que, por motivos
que tentarei explicar num outro trabalho, deixou de ter condições para fazer
teatro, se representassem quaisquer trabalhos de características locais.
Talvez que ao tão afamado
“Presépio” tenham dado, num ou noutro quadro ou cena, algum sabor local, mas,
pelo menos em tudo o que li, não encontrei nada de concreto. Não esqueçamos, no
entanto, que por volta de 1870, se representaram em Tavarede, e em simultâneo,
seis Presépios! Quem nos diz que uma das cenas, num deles, não tinha sido
localizada na nossa terra pelo respectivo encenador, até para dar mais
entusiasmo aos seus assistentes?
Mas
vou prosseguir. Curiosamente, o tema que estou a tratar, “Tavarede no Teatro”,
tem duas épocas, ou vertentes, como agora se diz, absolutamente distintas. Uma
delas, a primeira, que vai até à década de 1930/1940, é exclusivamente dedicada
à fantasia e à vida e costumes do povo tavaredense de então. Como adiante
veremos, teve três autores: João dos Santos, João Gaspar de Lemos Amorim e José
da Silva Ribeiro, e ainda uma ligeira participação do saudoso prof. Alberto de
Lacerda. Isto quanto ao texto, pois na parte musical teve a intervenção de
Gentil da Silva Ribeiro e do prof. António Maria de Oliveira Simões.
A
segunda época, bem mais recente e que se iniciou, em Outubro de 1950, com a
célebre fantasia “Chá de Limonete”, é toda ela da autoria de Mestre José
Ribeiro que, com o seu enorme talento e inteligência, se serviu deste género
teatral para dar a conhecer aos seus conterrâneos a história de Tavarede,
escrevendo e encenando, como só ele o sabia fazer, dez revistas-fantasias, em
que descreveu alguns dos mais importantes acontecimentos históricos da nossa
terra e recordando tradições, usos e costumes ignorados pelos tavaredenses a
quem ele, de maneira tão feliz, os deu a conhecer. Musicalmente, teve a
colaboração nestes trabalhos do prof. António Simões, de Anselmo Cardoso Júnior
e de João da Silva Cascão, aquele também uma dedicação de muitos anos à nossa
terra, e este último, que se pode considerar um tavaredense, e que muito se tem
distinguido na música.
Pois
bem, refiro, desde já, que este meu trabalho, ou melhor, este meu estudo, se
debruçou unicamente sobre a primeira daquelas duas vertentes. Os meus
conterrâneos mais “entradotes” na idade, ainda se lembrarão de “O Sonho do
Cavador”, de um ou outro quadro de “A Cigarra e a Formiga” e pouco mais. Mas, e
isso com toda a certeza, se lembram de muitas cantigas que foram escritas para
as primeiras revistas e operetas sobre Tavarede.
Ainda
hoje, quando se representam espectáculos de evocação, se ouvem muitas dessas
cantigas, sempre com o maior agrado. Nos meus tempos de rapaz, cantava-se muito
em Tavarede. Na lida da casa, na costura, enquanto lavavam no rio ou andavam
nas tarefas das sementeiras ou colheitas, cantava-se, e cantava-se com alegria
A
maior parte dessas cantigas, senão mesmo todas, eram do teatro. As mais velhas,
entoavam as cantigas dos seus tempos da mocidade, aquelas que mais lhes tinham
agradado e que recordavam com saudade. As mais novas, cantavam as lindas
canções de “O Sonho do Cavador” e de outras peças mais recentes. Todas elas, no
entanto, muito bonitas, cheias de melodia, cantando, quase sempre, a vida do
campo, nas suas fainas alegres e tarefas rudes, e a rusticidade da nossa aldeia
pequenina mas bem pitoresca.
Até
nisso houve uma grande modificação. Já se não ouvem cantigas nas ruas de
Tavarede; o rio, ou antes, o pequeno ribeiro, já não tem lavadeiras a quem “fazia
cócegas nas pernas”; as terras, na sua maioria, já não são cultivadas. E aquela
alegria que tão própria era do povo da minha aldeia, também essa, infelizmente,
nos foi tirada pela cidade.
E
agora reparo: o que eu me alonguei nesta explicação que eu pretendia ser tão
pequena. Chega, e vamos, então, a “Tavarede no
Teatro”.
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