“Passaram
agora sob a nossa janela as raparigas do rancho do Maio.
O rancho do
Maio!
Todos os
anos se organiza este cortejo florido. E quando passa nas ruas, deixando no ar
o eco das cantigas e o perfume das rosas – é Primavera!
Quando
Abril começa a despedir-se, as raparigas animam-se, combinam, organizam o
rancho. E na véspera do dia ansiosamente esperado, pedem às vizinhas, correm
aos jardins, vão ao mercado – e levam para casa arregaçadas de flores. Arranjam
os trajos. Enfeitam os potes, que desaparecem sob os desenhos caprichosos das
rosas e malmequeres. Mal pregam olho durante a noite. E quando a manhã só é
adivinhada pelo seu espírito em alvoroço, erguem-se, chamam-se umas às outras,
reúnem-se – e as suas vozes fazem a alvorada antes que o chiar das rabecas e o
tom-tom dos violões arrepie o ar nos estremeções da afinação.
E marcham.
Estrada fora, marcam em piso leve, airosas e frescas, o compasso da marcha que
as suas vozes erguem no espaço, subindo alto, levada muito alto no perfume das
flores, até fundir-se na atmosfera da madrugada húmida e ainda pesada dos
orvalhos da noite. Sobre as cabeças inquietas levam os potes floridos. Dentro
dos peitos arquejantes uma ansiedade, uma aspiração indecisa que toma forma nas
suas bocas e é Amor nos seus lábios vermelhos sem pintura...
...
Cantigas de amor!
... E a
Vida aparece-lhes clara e transparente como a água das fontes que cai das bicas
e canta com elas, luminosa e brilhante como a luz que começa a entornar oiro
fluído sobre o azul do céu e o verde tenrinho, muito tenro e muito verde, da
planície viçosa.
Este ano o
Abril foi de inverno. Frio e vendaval, chuvas teimosas que não tinham fim. Os
rapazes da música não queriam sair: - Tenham juízo, não sejam malucas! Apanhar
uma chuvada e ficarmos como pintos...
Mas elas,
enfeitando os cântaros, vendo-se no espelho das flores e recebendo destas a
alegria e a certeza da primavera, viam lá a chuva, sentiam lá a chuva, queriam
lá saber da chuva!... O 1º. de Maio era sempre o 1º. de Maio. No 1º. de Maio há
sempre sol. Elas não acreditam na chuva. E se a chuva vier – há-de desfazer-se
ao calor das suas vozes, dos seus corações ansiosos, da sua mocidade ardente.
Elas acreditam no 1º. de Maio – e porque acreditam nele, vencem a chuva e
vencem a dúvida e o medo dos rapazes das violas que parecem velhos – como o Velho-do-Restelo...
Passou
agora o rancho sob a nossa janela. Lá de cima do céu, que parece mais baixo
todo forrado de chumbo, cai uma chuva miúda, muito leve e muito fina, como
poeira de prata. Mas não desce além dos telhados, fica-se no ar, suspensa sobre
a camada de som e de perfume que enche
a rua numa alvorada de sol.
...
Os cântaros enfeitados!
... E as
raparigas dos cântaros!
Há neste
conjunto de flores e gente moça que não sente a chuva e que vence a chuva,
qualquer coisa de profundamente simbólico.
Quantos
homens fogem à vida, e não a constroem e não a vivem.
Quantos não
vêem o sol porque se assustam com a chuva?
Quantos
homens poderiam aprender no riso fresco, na chama da vida, na certeza da
Primavera destas raparigas que vão lá adiante no cortejo florido dos cântaros,
a vencer a dúvida e a edificar por suas mãos o triunfo da sua crença?”.
Prossigo,
agora, com mais uma evocação ainda comemorada nos meus tempos de criança. A
tarde da chamada “merenda grande” era de ida aos pinhais onde, sob a sombra
acolhedora e fresca, eram comidos alguns petiscos. O pinhal mais frequentado
era o da quinta da Borlateira, aos Quatro Caminhos. Com o farnel acondicionado
no cesto, lá íamos à procura de poiso onde pudessemos estender a toalha e umas
velhas mantas, onde nos sentávamos confortavelmente. Claro que também esta
“merenda grande” já era uma pálida amostra das antigas, como se pode adivinhar
por este recorte, publicado em 1902.
“Diz-se, e com razão, que esta vida são dois dias... É um pensamento que
não oferece dúvida, e eis porque muito boa
gente não perde um momento em que os possa levar regaladamente. Assim, é ver
como alguns andam á espreita dos dias de
folgança, para gozar e divertirem-se; há uma festarola, lá vão - em massa,
cheios de alegria, farnel aviado e ideia fixa no santinho que os arrasta
áquela adoração - esquecer por umas horas as tristezas e amarguras da
atribulada vida...
E aqui estava eu a começar um banal aranzel, quando
afinal o meu intento é falar da merenda grande, que foi na segunda-feira, e que,
como é da praxe, atraíu á minha risonha terra bastante gente que gosta da
pandega. Isto contaram-mo, porque a pouca
sorte não me deu a felicidade daquelas venturosas creaturas...
Mas as locandas animaram-se; por essas quintarolas
fora dizem-nos que houve regabofe desmedido; as pequenas alunas da escola
oficial cantavam as estopinhas pelas ruas da povoação, cestinho á cabeça, qual
deles enfeitado com mais capricho; nas lautas merendas
devoradas com apetite á fresca sombra de copadas árvores ou entre o inebriante perfume exalado dos
canteiros e vergéis engrinaldados de lindas rosas, ou ainda nas eiras, onde
corria brandamente a pura viração do norte, tudo concorreu para deliciar os
ditosos visitantes da minha estremecida e bem amada aldeia.
E, a prova, é que ali os brindes sucederam-se com
espontaneidade entusiástica, os hips e os hurrahs tomaram um calor delirante, e, para que nada faltasse a similhar os mais alegres e
ruidosos festins, chegou-se a reduzir a estilhaços, depois de vazias, as
pobres garrafas a que pouco antes se dedicara o mais santo e acrisolado afecto.
A tarde de segunda-feira, pois, devia ter sido
memorável para os felizes que podem gastar o seu tempo naquelas folganças. Isto já lá vae há três dias, é certo, mas ah!... a
maldita inveja não me deixa sair da mente os dulcíssimos momentos que por aqui se
passaram na festejada merenda grande...”.
Alguns dias
santificados pela Igreja, também tinham tradições ou costumes festivos. O dia
de quinta-feira santa, da parte da manhã, era grande para nós. Manhã cedo,
munidos duma bolsa, daquelas que nossas mães faziam de retalhos de chita,
juntávamo-nos em grupo e íamos pedir a “esmola”. Dinheiro, naqueles tempos, era
coisa que não havia. Nas mercearias, eram rebuçados, muitas das vezes daqueles
que traziam cromos. Numa ou noutra casa lá vinha um punhado de feijão ou de
milho e, na maior parte, era um “não pode ser”! Uma casa havia, no entanto,
onde tínhamos acolhimento todos os anos: a casa do sr. Leite, ali na Simôa. Havia sempre uma boa mão cheia de avelãs para cada
um dos “pedintes”. Na sua quinta, junto ao ribeiro do Pereiro, existiam umas
enormes aveleiras e uma boa parte da colheita era reservada para neste dia dar
“esmola” à rapaziada que lhe ia bater à porta a desejar uma feliz Páscoa…
No sábado
de Aleluia, algumas vezes, poucas, me recordo de haver alguém que, na rua
Direita, içava um Judas, para nós o desfazermos à cacetada, com as canas que
íamos arrancar aos valados… No dia seguinte, domingo de Páscoa, era o dia de
irmos buscar o folar. Novamente a bolsa de retalhos servia, pelo menos no meu
caso, para
ir a casa de meu padrinho, onde, além do costumado folar de quatro ovos,
me dava sempre uma moeda das maiores.
Outro dia
muito desejado era o de quinta-feira da Ascensão, também conhecido como “o dia
da espiga”. Já vinha de longe este costume. Em 1912, a “Gazeta da
Figueira” trazia a seguinte notícia: “Pela tradição
do costume foram ranchos de pessoas pela fresca manhã de quinta-feira de Ascenção
colher ás searas raminhos de espigas de trigo e ramadinhas de oliveira para que
o ano corrente seja próspero e feliz. Grupos de raparigas entoavam canções
alegres fazendo um maravilhoso conjunto com os seus maviosos trinados dos
rouxinois e doutros passarinhos que saltitavam nas ramadas das floridas árvores
do campo.
Á tarde
merendaram muitas pessoas á sombra saudável de pinheiros e um rancho de
raparigas, acompanhado dum grupo musical, foram ás Caldas da Amieira, dançando
ali e regressando a Tavarede á noitinha. Ao Bussaco também foi bastante gente
daqui”.
Mais
poética, é a notícia que “O Figueirense” publicou em 1928: “É amanhã, quinta-feira da Ascensão, em que
bandos de raparigas moças, de lábios rubros, faces rosadas e olheiras fundas,
correm estonteantes, borboleteando em redor das searas como uma nuvem de
daninhos e alados pardais, na faina voluptuosa e risonha de colher a Espiga,
que depois entrelaçam com as mais belas flores silvestres.
Cada
espiga que vão colhendo é uma esperança que se aglomera no cérebro, cada flor cortada é um facho de luz mais puro
que o sol benfazejo da primavera, que se lhes ilumina a alma e faz tanger a
corda mais íntima do seu coração. É, pois, amanhã um grande dia, um dia santo,
que até o mais libertino deve respeitar
como o dia da Ascensão do Mártir do Calvário. “Se os passarinhos soubessem…”.”
A espiga
era colhida da parte da manhã e, da parte da tarde, havia saída para os
pinhais, para mais uma costumada merenda. Algumas famílias optavam por ir
passar o dia às termas da Amieira, onde se realizavam grandes festas, enquanto
outras escolhiam uma ida ao Bussaco. Foi ali, aliás, na quinta-feira da
Ascensão de 1938, que se fez ouvir, pela última vez, a tão afamada tuna de Tavarede. É dos poucos
costumes e tradições que, embora com diminuta concorrência, ainda se mantém na
nossa terra.
No primeiro
caderno contei, também, alguma coisa sobre o S. Martinho. É interessante,
contudo, o facto de que, sendo S. Martinho o orago da nossa freguesia, só há
relativamente poucos anos, comparativamente ao longo período da história da
terra do limonete, aqui tenha começado a ser festejado religiosamente.
No entanto, e segundo muitos
escritos encontrados, se o santo não era comemorado religiosamente, não era
esquecido nas casas dos tavaredenses. Vejamos uma notícia de Novembro de 1899:
“Deixai-nos,
velho santo, que vos apresentemos aqui reverentemente os nossos respeitosos
cumprimentos, pela chegada do dia 11, dia em que o Borda d’Agua regista a vossa passagem pela galeria dos santos.
Grande
data, para as gentes da freguesia de Tavarede, por ser a do dia do seu querido
orago! Não lhes passa ela desapercebida, e por isso naquele dia à noite se
costuma ouvir aqui o festivo estralejar de grande foguetório, lançado em honra
do célebre protector dos amigos do divino
Bacho...
Vê-se
muita alegria, fazem-se importantes magustos, dá-se cresta às roliças farinheiras feitas pelas mais recentes matanças
de nutridos cevados, e quase todos espicham
os vinhos da sua última colheita.
Aqui
tínhamos nós agora uma bela ocasião para atrair a esta localidade milhares e
milhares de pessoas, se soubéssemos celebrar ruidosamente o dia de S. Martinho,
estabelecendo-se para esse fim um programa deslumbrante que anunciasse grandes
procissões, Te Deuns, missas
acompanhadas por grandes coros e orquestras, espaventoso arraial, admiráveis fogos
de artificio, musicatas, exposição do Deus Bacho em capelas apropriadas,
magustos oferecidos ao público, etc., etc., etc. Fizesse-se depois constar por
toda a parte esta festança e veríamos se acorriam ou não aqui forasteiros dos
cantos mais recônditos do mundo!..Porém, nunca ninguém se lembrou para isso
deste pobre santo, que no seu tempo foi tão milagroso, e que hoje tem a sua
imagem desprezada e esquecida a um canto da sacristia da igreja de que ele é patrono, como se tivesse sido um personagem
sem importância que não legasse à posteridade, como ele fez, tamanha nomeada.
Bem se vê que estamos nos tempos da
ingratidão...”.
Como
se vê, as comemorações ao nosso santo padroeiro eram comemoradas em casa, à
lareira e perto da adega. Encontram-se imensas referências a estas
“comemorações”. Considero, das mais interessantes, este comentário, escrito
pelo figueirense Raimundo Esteves, em 1940.
“Se
ainda não matou o porco, se o chambaril não entrou em acção, nem a salgadeira
tem sal novo, branquinho como bagos de granizo, à certa deve haver um presunto
preso pelo cotrunho, à dependura da trave mestra da adega, ou guardado na arca
um queijo do outro ano, do de codea forte e polpa amarelada, rijo e a
esboroçoar-se, daquele que deixa os beiços mordidos de secura…
Pelo S. Martinho
Prova o teu vinho…
Se ele te agradar,
Torna-o a provar…
-
Vá seu Compadre, que um dia não são dias! Este São Martinho faz um formigueiro
nas goelas, que até parece que um homem acabou agora duma sacha rija, por Junho
ardente…
Ergue-se
o copo à transparência. Lindo palhete! Tem tons de topázio! E uma auréola cor
de cravo moço, daqueles que as cachopas poem sobre os seios, na noite santa de
S. João… Primeiro, a fazer a cerimónia, leva-se com geito aos lábios o licor
divino, com uma unção quase religiosa, quase espiritual. Bate-se o líquido nos
beiços, a tomar-lhe bem o travo. Masca-se. Depois, escorre pela língua, com um
estalido seco no céu na boca. Pisca-se o olho maroto. Franze-se o nariz e a
testa. Baloiça-se com a cabeça. Nova golada. O mesmo rito solene. Ergue-se de
novo o copo. Mira-se à luz. Agita-se o vinho de forma a sujar bem os rebordos.
Engolipa-se outro sorvo. Está completa a prova. Agora é de virar, - que provar
não é beber!
O
magusto é tradicional por esta época do ano. Em lares mais fartos, o magusto é
pretexto para ceata de restolho, que mete bacalhau cozido com batatas, couves,
cebolas, ovos e azeite novo, quase cru, com um acentuado sabor ao fruto que o
deu… Se já se fez a matança, vai uma orelhada para pessoa de mais consideração
e respeito, e para o resto da companhia febras de churrasco, ou linguiça
arrancada do fumeiro da lareira, onde as carumas e as cepas da poda lhe deram um sabor e um aroma preciosos.
O
pichel anda numa roda viva, de mão em mão. No brazido, de um bom toro de oliveira, ou
raizeiro de carvalho velho, que o fogo consome lentamente, entre áscuas, como
bichas de rabiar, - estoiram as castanhas de entre as cinzas. Tiram-se em
arranques de coragem. Peneiram-se as unhas escaldadas para esfrearem mais
depressa. Se surge uma “Filipina”, vão gritinhos de prazer: - Quem quer ser
minha comadre?! … E ás vezes é com uma castanha assim que estoira a castanha na
boca a qualquer mancebo desprevenido das artimanhas diabólicas das moças
casadoiras!”.
Em
Novembro de 1957 o “velho” tavaredense, Aníbal Nunes Cruz que, durante muitos anos
residiu em Anadia, onde exerceu
actividade profissional, resolveu recordar o S. Martinho. Escreveu, então, no
jornal “O Figueirense”:
“Preside
aos destinos da nossa freguesia o orago São Martinho, que se venera na igreja
paroquial sem que haja memória de ter-se realizado qualquer cerimónia litúrgica
em seu louvor.
No entanto,
São Martinho possui bastantes devotos em toda a redondeza da freguesia, que,
decerto, muito bem se lembram do seu dia, homenageando-o com as tradicionais
ceias em que não faltam as castanhas e a abertura da saborosa água-pé e do bom
vinho.
As famílias
– pobres e remediadas – festejam-no numa alegria sã e espirituosa, quantas
vezes com preces de saudades dos amigos e dos ausentes, levando a humanidade a
conjugar as práticas da confraternização e da amizade como se o divino
Padroeiro fizesse esse milagre tão preciso à vida e à religião da família
nestes tenebrosos tempos que decorrem.
São
Martinho da nossa terra, que, no seu divino altar, vem, através de tantos anos,
presidindo aos solenes baptismos dos tavaredenses, dando a unção da sua doçura
para recordar o dia 11 de Novembro sentia-se feliz nessas noites em que
estralejavam nos ares os foguetes a anunciar a alegria das famílias e a
abertura do vinho novo.
Louvado
seja, São Martinho!...”.
Era, então, pároco em Tavarede, o reverendo Manuel
Joaquim da Costa Ferreira, que desenvolveu notável acção na nossa terra durante
os anos em que aqui esteve. Fundou, inclusivamente, em Outubro de 1957, um
pequeno jornal a que deu o título de “Notícias de Tavarede”, no qual se
propunha contribuir para o alargamento do Reino de Deus na paróquia que lhe
havia sido confiada e para cooperar com todas as iniciativas de utilidade
local.
Talvez que a notícia de Aníbal
Cruz lhe tenha despertado a curiosidade, pois o padre Costa Ferreira tomou
interesse pelo assunto e, com inteira razão, entendeu que se o patrono de
Tavarede era o S. Martinho, o mesmo não deveria continuar esquecido
religiosamente.
Terá feito diversas investigações
e diligências e logo no ano seguinte, 1958, estas festas foram uma realidade.
Aliás, o padre Costa Ferreira, muito inteligentemente, aproveitou a
oportunidade para obter uma forma de financiar as diversas obras de que a
igreja estava bem carenciada. Em Novembro desse ano tiveram lugar as primeiras
festas religiosas ao S. Martinho, acompanhadas, claro está, com festas
populares. “A Voz da Figueira” relatava, assim, o acontecimento: “O povo de Tavarede, por iniciativa do seu pároco, Revº. Manuel Joaquim da
Costa Ferreira, vai fazer reviver, este ano, a antiga festa ao orago da
freguesia – S. Martinho – cuja imagem, depois de ter estado durante dezenas de
anos, retirada do culto e até depositada no Museu da Figueira, acaba de ser
restaurada e vai de novo ser colocada no lugar que lhe pertence”.
Termino
estas recordações com uma breve evocação do Natal. Era um dia querido por
todos. Dias antes, íamos “roubar” um pequeno pinheirinho para fazermos a árvore
de Natal e apanhar musgo para o presépio. A árvore era enfeitada com uns fiosinhos,
algodão a fingir de neve e, pendurados por aqui e ali uns pacotitos de bombons
e pequenas tabletes de chocolates. Para nós, era um encanto. No dia de Natal,
manhã cedo, lá íamos ver se o Menino Jesus não se tinha esquecido de nós. E
não. Lá estava alguma roupa e mais alguns chocolates.
Na véspera, de tarde, era grande a azáfama nas nossas casas,
pois chegava a hora de fazer as tortas doces. Farinha, açúcar, abóbora menina,
as passas de uvas, nozes, que partíamos aos bocadinhos, pinhões, etc. Quase
todas as casas tinham um pequeno forno, que era, então, aquecido a lenha,
enquanto a massa levedava. Nessa noite havia sempre teatro e toda a família ia
ver. Depois de terminado o espectáculo, regressávamos a casa e eram horas de
fritar os filhós, que já estavam prontinhos a ir para a sertã. Polvilhados com
açucar amarelo e acompanhados por uma enorme caneca de café de cevada, era a
consoada da maior parte das famílias tavaredenses.
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