sábado, 6 de junho de 2015

Tavarede - a terra de meus avós - 9

O Carnaval

        
Tavarede nunca foi uma terra muito dada a festas carnavalescas. Curiosamente, as cegadas ou mascaradas apareciam, na nossa terra, nas cavalhadas que se organizavam pelo S. João. Era nesses cortejos que, através de máscaras, se criticavam ou satirizavam algumas figuras públicas. De resto, e pelo que encontrei, o Carnaval somente era lembrado nas colectividades, com bailes em que havia sempre concurso de mascarados, com prémios aliciantes, e com notícias picarescas e jocosas que os correspondentes locais publicavam nos periódicos figueirenses.

         Mas, e pelo menos na década dos anos trinta do século passado, já em Tavarede havia umas amostras de brincadeiras de Carnaval. Algumas mascaradas, umas mais interessantes e outras nem tanto, um ou outro assalto, mais ou menos consentido, na busca de merenda e uma ou outra brincadeira mais ou menos inocente.

         Como divertimento mais interessante, recordo o “caqueiro”. Naqueles tempos as casas não tinham água canalizada, pelo que todos os dias, à tardinha, lá iam, novas e velhas, com os potes e cântaros, buscar água à fonte. Estas vasilhas, de barro encarnado, conservavam a água fresca durante muito tempo. Mas, e como lá diz o ditado, “tantas vezes o cântaro vai à fonte que lá deixa a asa”, acontecia, não deixar a asa, mas como eram muito frágeis, à mais leve pancada rachavam e ficavam inutilizados para os seus fins.

         Não eram deitados fora. Guardavam-se a um canto até ao próximo Carnaval. Quando o dia chegava, grandes grupos de rapazes e raparigas formavam uma roda na rua e divertiam-se jogando ao “caqueiro”. Os potes e cântaros inutilizados, e até caçoilas, algumas bem negras de fumo das lareiras, eram atirados à roda até que algum ou alguma mais desajeitada o deixava cair, desfazendo-se em cacos. Bastava, nalguns, o simples impulso para se partirem ao serem agarrados. Por vezes, e por partida, punham água dentro e então era banho certo para quem o agarrava.

         É claro que a água era o elemento principal das brincadeiras carnavalescas. A água e a farinha. Não era raro sair de uma janela uma bacia de água e quem apanhava… apanhava, claro. Depois, enquanto o atingido procurava sacudir a água que lhe caíra em cima, vinham, por trás, um grupo de raparigas mais atrevidas, esfregar-lhes a boca e cara com as mãos cheias de farinha. Outras vezes eram os rapazes que o faziam às raparigas… Com o correr dos anos, tais brincadeiras desapareceram e os potes acabaram em Tavarede, com a água canalizada nas casas.

         Num determinado ano, em dia de Carnaval, uma pequena comitiva estabeleceu arraial na rua Direita, frente à loja que à data era do Guerreiro. Devidamente enfarpelado, de chapéu alto e casaca, com um enorme “papillon”, resolveu ir dar consulta e fazer reclame da sua técnica e muita sabedoria o afamado dentista doutor Ernesto Búzio. Os seus acompanhantes, enfermeiros e auxiliares, montaram o consultório. Pouco depois, estava o sábio doutor a fazer a propaganda dos seus dotes técnicos, apareceu o primeiro, e por acaso o único, paciente, por sinal bem paciente, pois, apesar da cabeça apertada por vistoso cachené, gritava que nem um desalmado, tais seriam as dores do maldito dente…

         Era a oportunidade desejada pelo doutor Búzio para mostrar as suas elevadas qualidades. Sentado o doente, dada a anestesia local com uma enorme seringa, com muito jeito consegue meter-lhe na boca os bicos duma tenaz e, num brusco movimento, consegue arrancar-lhe… a dentadura postiça. O doutor Ernesto Búzio foi  desempenhado por António Simões, cantoneiro, e o paciente, que efectivamente tinha dentadura postiça, foi meu pai, Pedro Medina. A festa acabou no quintal da referida loja, com farta merenda.

         Um outro episódio carnavalesco que me recordo não acabou tão bem. Desta vez  foi frente à loja de António Pedro Carvalho. Resolveram fazer uma tourada! Um dos intervenientes havia conseguido, por empréstimo, uma armação figurando uma cabeça de touro, que havia no Coliseu Figueirense. O escolhido para fazer de touro foi Luís Mineiro, ferroviário, morador no Casal do Rato. Brinca, brincando, tudo ia correndo bem, com mais passe por alto, menos passe por baixo, até que, entusiasmado ou espicaçado pela assistência, resolveu investir com tal violência, contra um dos improvisados toureiros, que este teve de ser levado de imediato ao hospital da Figueira, onde lhe foi diagnosticada fractura de uma clavícula!

         De vez em quando fazíamos pequenas cegadas. Algumas vezes, e sem autorização, conseguíamos mascarar-nos com fatos do guarda-roupa do teatro. Uma noite conseguimos as fardas de soldados da peça “Justiça de Sua Majestade” e fomos, Saltadouro acima, fazer uma cegada a Brenha, ao Taborda. Com pífaros e instrumentos de cana, fizemos sucesso e muito barulho. É que até levámos o bombo grande da

colectividade. Levámos… é uma  maneira de dizer. Quem o levou e o trouxe às costas, foi o “Tó Parreco”, a quem conseguimos confiar o encargo…

         O badalo também era uma das partidas mais desejadas pela rapaziada. Normalmente a porta de entrada das casas tinham um fecho e aí era pendurada, com um grosso cordel, uma pesada pedra. Um outro cordel era preso a este fio e esticado até à esquina mais próxima, onde, escondidos, puxavam a pedra que batia com força na porta. Alguns, e com toda a razão, digamos, afinavam com esta brincadeira. Às tantas da noite fazerem uma barulhada daquelas à porta, precisamente quando estavam a descansar…








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