Em
Janeiro de 1911, a Sociedade de Instrução Tavaredense, para comemoração do seu
sétimo aniversário, levou a efeito um novo espectáculo. Recolhi esta notícia do
jornal “A Voz da Justiça”, do dia 31 daquele mês e, embora não informe qual foi
o programa apresentado, surpreendeu-me bastante na parte que vou transcrever:
“Foi um magnifico serão, fechando pela exibição d’um trabalho de José
da Silva Ribeiro, a que nós damos bastante valor. É um pequeno drama e uma
grande lição que oxalá aproveite aos que infelizmente preferem a frequencia na
taberna e no jogo ao santuario da Escola. Pintando claramente as consequencias
funestas dos que se deixam arrastar pelo vicio até à pratica dos mais
horrorosos crimes, termina pela – Apoteóse à Instrução.
Felicitamos
José Ribeiro pelo exito merecido que obteve a sua produção literaria e
desejamos que continue”.
Muito
frequentemente se encontram, nos diversos jornais figueirenses, ao longo dos
anos, notícias dos seus correspondentes locais, chamando a atenção, e
condenando mesmo, os nefastos efeitos da trilogia “taberna, jogo e alcool” que,
não sendo exclusivo de Tavarede, proliferava com abundância na nossa terra.
Claro que era proveitoso para os taberneiros, e havia bastantes, mas trazia
graves prejuízos aos pobres trabalhadores, na sua maior parte cavadores, ainda
sem qualquer nível de instrução, e que depois de árduos dias de trabalho com a
enxada, procuravam, naqueles vícios, um pouco de esquecimento para a sua
“negra” vida. Posso dizer que desde os primeiros números dos jornais publicados
encontrei notícias destas. E, infelizmente, muitos anos depois ainda as continuei
a encontrar.
Como se verá
lá mais para a frente, o teatro era, então, um meio ideal para denunciar e
combater este mal. Ora, aquele retalho acima transcrito, leva-me a fazer dois
comentários. Um deles é que, tendo feito dezasseis anos havia dois meses, terá
sido este o primeiro trabalho de José Ribeiro como autor teatral. É, na
verdade, extraordinário que, com dezasseis anos, tenha escrito uma pequena
peça, para mais um drama, que mereceu tão elogiosas referências. O segundo, e
sabendo nós como ao longo de toda a sua existência José Ribeiro sempre lutou em
defesa dos trabalhadores e do povo da terra do limonete, leva-me a admitir que
ele tenha situado a acção daquele pequeno drama, nas tabernas de Tavarede e na
Escola, certamente referindo-se à escola nocturna da Sociedade de Instrução
Tavaredense.
Nada posso
acrescentar sobre este assunto, mas julgo acertado incluir aqui esta breve
referência, não só como simples curiosidade, mas como demonstração da
precocidade talentosa do saudoso Mestre nestes trabalhos teatrais dedicados ao
povo da terra do limonete, da qual tanto se orgulhava de ser filho.
No ano
seguinte, 1912, surgiu no palco tavaredense a primeira revista. Tinha o título
de “Na Terra do Limonete” e foi seu autor João dos Santos, o proprietário da
quinta dos Condados e do edifício do Terreiro, onde se encontrava instalada,
desde o seu início, a Sociedade de Instrução Tavaredense, e que havia herdado
de João José da Costa. Tal como este, também João dos Santos exerceu
temporariamente as funções de ensaiador do grupo cénico. Foi autor da música o
tavaredense Gentil da Silva Ribeiro, pai de José Ribeiro.
Relativamente
a esta revista, encontrei na imprensa figueirense os seguintes apontamentos. Em
“A Voz da Justiça” de 9 de Abril, diz-se:
“Como dissémos, a Sociedade de Instrução realizou na sábado uma récita
com a revista intitulada Na Terra do Limonete e a comédia Birras do
Papá. Fazer uma revista de costumes de Tavarede, terra pequena, em que
escasseia o assunto e há sobretudo o receio de melindrar as personalidades
atingidas, não é tarefa muito fácil. Daremos, porém, em poucas palavras, a
nossa humilde opinião: - os artistas compreenderam bem os seus papeis,
imprimindo-lhes muita graça e naturalidade. A revista foi admiravelmente ensaiada
por Vicente Ferreira. O cenário, obra de Jean Batout produz magnífico efeito. A
música, composição de Gentil Ribeiro, tem números lindíssimos e boa execução e,
já que falamos em música, não esqueceremos Eugénia Tondela e António Graça, que
cantaram corretamente as canções que lhe foram destinadas. Houve aplausos em
barda, especialmente na parte final (apoteose), em que D. Limonete estabelece o
confronto entre o convívio deletério da taberna e a paz e a fraternidade que
predomina no seio da Sociedade d’Instrução. No próximo sábado repete-se a
revista”.
No outro
jornal então publicado, a “Gazeta da Figueira”, escrevia-se na sua edição de 17
do mesmo mês:
“O elegante theatro da Sociedade d’Instrução
nos dois ultimos sabbados regorgitou de pessoas da familia dos seus associados.
A Superior sobressaia pela formosura das nossas gentis conterraneas
vestidas luxuosamente, dando assim uma nota sympathica à festa familiar da
benemerita agremiação.
Representou-se a revista de costumes
tavaredenses – Na Terra do Limonete – que foi habilmente desempenhada,
tendo por isso o agrado de todos que applaudiram com enthusiasmo os amadores,
especialisando Eugenia Tondella, inteligente rapariga que tem conquistado no
palco innumeras sympathias; Antonio Graça e Vicente Ferreira, ensaiador e quem
interpretou o papel de D. Limonete, - arrancando à plateia bastantes
palmas na apotheose – excellente propaganda para instruir os filhos do povo,
porque se combate os vicios que os fazem viver criminosamente nas trevas da
ignorancia e se lhes aponta o caminho do bem: - a escola e a associação.
A musica de Gentil Ribeiro é bonita e o
scenario do nosso amigo Jean Batut é de magnifico effeito, trabalho que prova
mais uma vez a sua habilidade de pintor.
Ao sr. João dos Santos, auctor da
revista, endereçamos os nossos applausos, desejando ardentemente que continue,
com o mesmo enthusiasmo, na espinhosa mas humanitaria missão de instruir os
filhos de Tavarede”.
Ainda sobre
esta revista mais um pequeno apontamento que encontrei em “A Voz da Justiça”,
do dia 23 de Abril:
“Com a repetição da revista – Na
Terra do limonete – terminou no sábado a série de serões teatrais com que a
Sociedade d’Instrução Tavaredense nos deliciou nos ultimos mezes.
A sala estava repléta de espétadores
que ali foram manifestar a sua gratidão aos briosos rapazes que tão
proveitosamente souberam empregar as horas que lhes restavam do seu labor
quotidiano.
Surpreendeu-nos o que D. Limonete
lobrigou no firmamento atravez d’um vidro fumado: além d’uma enorme multidão de
ratos e musicos, em volta do sol, viu tambem o Vicente Ferreira a dançar o vira
com a lua e o compadre Alegria a chorar como uma Madaléna arrependida”.
Para
abertura da época teatral de 1913, encontrámos, também em “A Voz da Justiça”,
de 4 de Abril, a notícia de mais uma récita promovida pela Sociedade de
Instrução Tavaredense, representando-se – Uma
situação complicada (certamente uma comédia) e uma paródia de revista, intitulada “Dona Várzea”. Desta, não encontrei qualquer outra notícia.
É pena que
se não encontrem os textos destas duas revistas de João dos Santos, pois
presumo a sua autoria de ambas, mas foram elas, e disso não há qualquer dúvida,
as primeiras escritas sobre os usos e os costumes do povo tavaredense. Da
última, encontra-se arquivada na biblioteca da colectividade, a partitura
musical.
Como se faz
referência nas notícias transcritas, foi ensaiador Vicente Ferreira, também ele
intérprete.
É pouco,
como se vê, mesmo muito pouco, o que se sabe sobre estes trabalhos. Mas, e
ainda antes de passar à seguinte peça sobre o tema tratado, e a partir da qual
já existem os textos e muito mais notícias, vou, uma vez mais, socorrer-me do
livro “50 Anos ao Serviço do Povo”:
“O primeiro programa impresso que existe no
arquivo, é o da revista local em 2 actos e 6 quadros Na Terra do Limonete,
representada no dia 6 de Abril de 1912. Foi escrita por João dos Santos e
musicada por Gentil da Silva Ribeiro, que desde os primeiros anos da Sociedade,
logo após a saída de João Proa, tomou a direcção da orquestra e ensinou música,
mantendo-se naquelas funções, dedicada e desinteressadamente, até ao seu
falecimento, em 25 de Julho de 1918. Por este prospecto sabemos que o grupo
cénico era então constituído por: Eugénia Tondela, Felismina de Oliveira,
Clementina de Oliveira, Belmira Rodrigues, Aurora de Oliveira, Guilhermina
Santos, Virgínia de Oliveira, Vicente Ferreira, António Broeiro, Jaime Broeiro,
José da Silva Ribeiro, António Graça, José Fernandes Serra, António Duarte
Silva, João Figueiredo, José Gomes da Apolónia, João Graça e António Grilo.
Faltam, porém, aqui os nomes de alguns elementos do coro, que não figuram no
programa”.
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