sábado, 20 de junho de 2015

Tavarede no Teatro - 2

         Em Janeiro de 1911, a Sociedade de Instrução Tavaredense, para comemoração do seu sétimo aniversário, levou a efeito um novo espectáculo. Recolhi esta notícia do jornal “A Voz da Justiça”, do dia 31 daquele mês e, embora não informe qual foi o programa apresentado, surpreendeu-me bastante na parte que vou transcrever:

“Foi um magnifico serão, fechando pela exibição d’um trabalho de José da Silva Ribeiro, a que nós damos bastante valor. É um pequeno drama e uma grande lição que oxalá aproveite aos que infelizmente preferem a frequencia na taberna e no jogo ao santuario da Escola. Pintando claramente as consequencias funestas dos que se deixam arrastar pelo vicio até à pratica dos mais horrorosos crimes, termina pela – Apoteóse à Instrução.
         Felicitamos José Ribeiro pelo exito merecido que obteve a sua produção literaria e desejamos que continue”.

         Muito frequentemente se encontram, nos diversos jornais figueirenses, ao longo dos anos, notícias dos seus correspondentes locais, chamando a atenção, e condenando mesmo, os nefastos efeitos da trilogia “taberna, jogo e alcool” que, não sendo exclusivo de Tavarede, proliferava com abundância na nossa terra. Claro que era proveitoso para os taberneiros, e havia bastantes, mas trazia graves prejuízos aos pobres trabalhadores, na sua maior parte cavadores, ainda sem qualquer nível de instrução, e que depois de árduos dias de trabalho com a enxada, procuravam, naqueles vícios, um pouco de esquecimento para a sua “negra” vida. Posso dizer que desde os primeiros números dos jornais publicados encontrei notícias destas. E, infelizmente, muitos anos depois ainda as continuei a encontrar.

         Como se verá lá mais para a frente, o teatro era, então, um meio ideal para denunciar e combater este mal. Ora, aquele retalho acima transcrito, leva-me a fazer dois comentários. Um deles é que, tendo feito dezasseis anos havia dois meses, terá sido este o primeiro trabalho de José Ribeiro como autor teatral. É, na verdade, extraordinário que, com dezasseis anos, tenha escrito uma pequena peça, para mais um drama, que mereceu tão elogiosas referências. O segundo, e sabendo nós como ao longo de toda a sua existência José Ribeiro sempre lutou em defesa dos trabalhadores e do povo da terra do limonete, leva-me a admitir que ele tenha situado a acção daquele pequeno drama, nas tabernas de Tavarede e na Escola, certamente referindo-se à escola nocturna da Sociedade de Instrução Tavaredense.

         Nada posso acrescentar sobre este assunto, mas julgo acertado incluir aqui esta breve referência, não só como simples curiosidade, mas como demonstração da precocidade talentosa do saudoso Mestre nestes trabalhos teatrais dedicados ao povo da terra do limonete, da qual tanto se orgulhava de ser filho.

         No ano seguinte, 1912, surgiu no palco tavaredense a primeira revista. Tinha o título de “Na Terra do Limonete” e foi seu autor João dos Santos, o proprietário da quinta dos Condados e do edifício do Terreiro, onde se encontrava instalada, desde o seu início, a Sociedade de Instrução Tavaredense, e que havia herdado de João José da Costa. Tal como este, também João dos Santos exerceu temporariamente as funções de ensaiador do grupo cénico. Foi autor da música o tavaredense Gentil da Silva Ribeiro, pai de José Ribeiro.

         Relativamente a esta revista, encontrei na imprensa figueirense os seguintes apontamentos. Em “A Voz da Justiça” de 9 de Abril, diz-se:

“Como dissémos, a Sociedade de Instrução realizou na sábado uma récita com a revista intitulada Na Terra do Limonete e a comédia Birras do Papá. Fazer uma revista de costumes de Tavarede, terra pequena, em que escasseia o assunto e há sobretudo o receio de melindrar as personalidades atingidas, não é tarefa muito fácil. Daremos, porém, em poucas palavras, a nossa humilde opinião: - os artistas compreenderam bem os seus papeis, imprimindo-lhes muita graça e naturalidade. A revista foi admiravelmente ensaiada por Vicente Ferreira. O cenário, obra de Jean Batout produz magnífico efeito. A música, composição de Gentil Ribeiro, tem números lindíssimos e boa execução e, já que falamos em música, não esqueceremos Eugénia Tondela e António Graça, que cantaram corretamente as canções que lhe foram destinadas. Houve aplausos em barda, especialmente na parte final (apoteose), em que D. Limonete estabelece o confronto entre o convívio deletério da taberna e a paz e a fraternidade que predomina no seio da Sociedade d’Instrução. No próximo sábado repete-se a revista”.

         No outro jornal então publicado, a “Gazeta da Figueira”, escrevia-se na sua edição de 17 do mesmo mês:

         “O elegante theatro da Sociedade d’Instrução nos dois ultimos sabbados regorgitou de pessoas da familia dos seus associados. A Superior sobressaia pela formosura das nossas gentis conterraneas vestidas luxuosamente, dando assim uma nota sympathica à festa familiar da benemerita agremiação.
         Representou-se a revista de costumes tavaredenses – Na Terra do Limonete – que foi habilmente desempenhada, tendo por isso o agrado de todos que applaudiram com enthusiasmo os amadores, especialisando Eugenia Tondella, inteligente rapariga que tem conquistado no palco innumeras sympathias; Antonio Graça e Vicente Ferreira, ensaiador e quem interpretou o papel de D. Limonete, - arrancando à plateia bastantes palmas na apotheose – excellente propaganda para instruir os filhos do povo, porque se combate os vicios que os fazem viver criminosamente nas trevas da ignorancia e se lhes aponta o caminho do bem: - a escola e a associação.
         A musica de Gentil Ribeiro é bonita e o scenario do nosso amigo Jean Batut é de magnifico effeito, trabalho que prova mais uma vez a sua habilidade de pintor.
         Ao sr. João dos Santos, auctor da revista, endereçamos os nossos applausos, desejando ardentemente que continue, com o mesmo enthusiasmo, na espinhosa mas humanitaria missão de instruir os filhos de Tavarede”.

         Ainda sobre esta revista mais um pequeno apontamento que encontrei em “A Voz da Justiça”, do dia 23 de Abril:

         “Com a repetição da revista – Na Terra do limonete – terminou no sábado a série de serões teatrais com que a Sociedade d’Instrução Tavaredense nos deliciou nos ultimos mezes.
         A sala estava repléta de espétadores que ali foram manifestar a sua gratidão aos briosos rapazes que tão proveitosamente souberam empregar as horas que lhes restavam do seu labor quotidiano.
         Surpreendeu-nos o que D. Limonete lobrigou no firmamento atravez d’um vidro fumado: além d’uma enorme multidão de ratos e musicos, em volta do sol, viu tambem o Vicente Ferreira a dançar o vira com a lua e o compadre Alegria a chorar como uma Madaléna arrependida”.

         Para abertura da época teatral de 1913, encontrámos, também em “A Voz da Justiça”, de 4 de Abril, a notícia de mais uma récita promovida pela Sociedade de Instrução Tavaredense, representando-se – Uma situação complicada (certamente uma comédia) e uma paródia de revista, intitulada “Dona Várzea”. Desta, não encontrei qualquer outra notícia.

         É pena que se não encontrem os textos destas duas revistas de João dos Santos, pois presumo a sua autoria de ambas, mas foram elas, e disso não há qualquer dúvida, as primeiras escritas sobre os usos e os costumes do povo tavaredense. Da última, encontra-se arquivada na biblioteca da colectividade, a partitura musical.

         Como se faz referência nas notícias transcritas, foi ensaiador Vicente Ferreira, também ele intérprete.

         É pouco, como se vê, mesmo muito pouco, o que se sabe sobre estes trabalhos. Mas, e ainda antes de passar à seguinte peça sobre o tema tratado, e a partir da qual já existem os textos e muito mais notícias, vou, uma vez mais, socorrer-me do livro “50 Anos ao Serviço do Povo”:

         “O primeiro programa impresso que existe no arquivo, é o da revista local em 2 actos e 6 quadros Na Terra do Limonete, representada no dia 6 de Abril de 1912. Foi escrita por João dos Santos e musicada por Gentil da Silva Ribeiro, que desde os primeiros anos da Sociedade, logo após a saída de João Proa, tomou a direcção da orquestra e ensinou música, mantendo-se naquelas funções, dedicada e desinteressadamente, até ao seu falecimento, em 25 de Julho de 1918. Por este prospecto sabemos que o grupo cénico era então constituído por: Eugénia Tondela, Felismina de Oliveira, Clementina de Oliveira, Belmira Rodrigues, Aurora de Oliveira, Guilhermina Santos, Virgínia de Oliveira, Vicente Ferreira, António Broeiro, Jaime Broeiro, José da Silva Ribeiro, António Graça, José Fernandes Serra, António Duarte Silva, João Figueiredo, José Gomes da Apolónia, João Graça e António Grilo. Faltam, porém, aqui os nomes de alguns elementos do coro, que não figuram no programa”.



Sem comentários:

Enviar um comentário