domingo, 26 de julho de 2015

Tavarede no Teatro - 7

         Entretanto, entram em casa para prepararem as coisas para a festa, pois os visitantes não haviam de demorar muito mais. E chega o regedor com a filha. Ele vem insistindo com Capitolina para que ela procure agradar a Tomás Castanho, bom partido para ela sob todos os aspectos, e ela mostrava que já estava bastante inclinada para o brasileiro. No dueto que cantaram nota-se isso perfeitamente.

                    (pai)   Cá pelos sítios
                               Não és capaz
                               De descobrir
                               Melhor rapaz.
                               Ele não é velho
                               E tem dinheiro;
                               É um bom partido
                               O brasileiro.

               (filha)           Por ele já sinto
                                    No coração
                                    A chama viva
                                    Duma paixão!

         Quando se juntaram os donos da casa e ao fazerem as apresentações, Capitolina beija Flor de Chá nas faces, a qual fica muito admirada.

         Eduardo Leirosa diz-lhe que não estranhe. É costume do país! E explica-lhe: “Ora, ouve, querida. Em Portugal há o beijo infantil, que é puro; o beijo maternal, que é santo; o beijo conjugal, que é postiço e da moda; o beijo entre amigas, que destila fel; o beijo furtivo entre namorados, que sabe a licor de rosas; e, finalmente, o beijo entre amantes, que é o rastilho para uma descarga de... dinamite!”.

         Recordo a canção do beijo que então cantavam.

Flor de Chá -   
  Um beijo dar, na China toda,
 É uma excepção.
 Só noivo à noiva, ao fim da boda,
 Lhe beija a mão.

Leirosa -      
 Um beijo assim não tem agrado,
 Não tem sabor
 Como o que furta o namorado
 Ébrio d’amor.

Flor de Chá -     
 Então o beijo
 Em Portugal,
 Pelo que vejo
 Deve ter sal...
 Corar o rosto
 Que o recebeu
 Ter tanto gosto
 Que eleve ao céu!

Capitolina
  Beijo d’encanto
Que d'alma vem.
  É beijo santo,
beijko de mãe
 Um dá loucura,
 Outro arrebata...
 Se muito dura
 Quasi que mata.

Flor de Chá
 Quando em terno devaneio
 E bem junto de quem se ama,
 Qual o modo, qual o meio,
 D’acender ardente chama?

Castanho -  
 Se ela não é macambuzia,
 Ele todo aberto em sorrisos
 De beijos furta uma duzia
Ou quantos forem precisos.

Todos -           
  Um beijo em carinha cheia
  Vagaroso e bem cantado,
   Sabe a quem o saboreia
  A leite creme queimado...
  Há beijos muito apressados
E beijos que não têem fim,
  Mas os mais saboreados
  Cá p’ra mim
  São assim!
  Assim!

         Quando ficam sós, Capitolina e Castanho acabam por confessar o seu mútuo amor. E pouco depois de entrar um grande rancho de raparigas e rapazes da aldeia que vêm cumprimentar Flor de Chá, Castanho diz na presença de todos, dirigindo-se ao pai de Capitolina: “Agora que estão feitas as apresentações, vou fazer um pedido ao senhor regedor e a minha felicidade depende da resposta que me for dada. Sr. José Badaleiro: amo a sua filha! Desde a minha primeira estada nesta terra que senti por ela a maior simpatia e compreendi que seria feliz tendo-a por esposa. Creio que não lhe sou indiferente. Peço-lhe, pois, a mão de sua filha. Quer dar-ma?”.

         Ora se queria... Desejoso por isso estava ele.

         Com o grupo tinham vindo, também, as seis Emílias da aldeia. Aliás, na aldeia, “todos os homens são Manueis e todas as mulheres são Emílias...”. Era a Emília Castanheira, que já esteve para casar sete vezes e sempre ficou a assar castanhas; a Emília Tomateira, que cultiva os maiores tomates da freguesia e que guarda a semente da especialidade; a Emília Gaiteira, que toca gaita de foles; e Emília Canastreira, que parece uma canastra velha; a Emília Pevideira, que vende pevides; e muitas outras mais...

         Um pouco mais tarde vêm os cabos de ordens que, para descarga da consciência, resolveram vir contar a partida magicada pelo Pinga-Amor, na qual tinham colaborado e de que estavam arrependidos, pedindo que lhes perdoassem.

         Logo foram perdoados. Pois não foi graças à mentira, que Eduardo Leirosa encontrára a sua felicidade com Flor de Chá? E estavam nisto quando aparece novamente o Gil Chinguiço, com um ramo de limonete escondido, e que entra gritando: “Cá está a Lúcia-Lima!”.

         Todos ficam muito admirados quando ele lhes mostra, triunfante, o ramo do limonete. E perante o pasmo de todos, lê um papel que lhe tinha dado o senhor Cura: “Lúcia-Lima, arbusto verbanáceo, de perfume agradável e intenso, vegetando bem nos terrenos frescos. Foi importado do Malabar em 1502, pelo capitão-mór D. Sancho Fagundes de Encerrabodes, que residiu em Tavarede há mais de três séculos. Serve para dar cheiro aos baús de roupa e é muito usado para fazer ramos nas burricadas de Buarcos. Há quem dele faça chá contra as prisões de ventre”.

         E, no meio de grande alegria e risota, cantam a valsa do limonete:

Coro -    
  Das plantas que tem a aldeia
  Outra não há de mais gala;
  E em noites de lua cheia
  Tem um cheiro que regala.

   Quem fizer um ramalhete
   Para dar à sua amada,
   Se el’ não tiver limonete
  É coisa desconsolada.

Uma Voz -   
  Das burricadas luzidas
   Da festa de S. João
 Trazem as moças garridas
  Um grande ramo na mão.

Coro -    
  O limonete caseiro
  É talvez neto da lima...
    Quem quizer sentir-lhe o cheiro
    Basta pôr-lhe a mão por cima.

    Se uma donzela travessa
    Quer-se com ele enfeitar
    Com três folhas na cabeça
    Fica bonita a matar.

Uma Voz -       
  Eu não sei de flor mais bela
  De quantas há no jardim.
  Anda sempre na lapela
  De quem suspira por mim.

Coro -    
  Veio das matas frondosas
  Da costa do Malabar
  Para as donzelas vaidosas
   Cheeirarem bem ao seu par.

         E vem a explicação, pelo Chinguiço, do tal anúncio. “Foi uma brincadeira do carnaval. Ora eu lhes ponho tudo em pratos limpos. Conhecem belamente o Mamede do Casal dos Piratas... O jarreta andou com a mania de casar... O sr. Cura então combinou com o sr. Mateus Caleira uma partida ao melro e mandaram pôr o tal anúncio a ver se ele caía na arriosca. Coisas de entrudo, está bem de ver...”.

         Tudo acaba em bem. O regedor ainda quiz prender o Pinga-Amor e os outros darem-lhe uma “casaca de pau”, mas todos perdoam quando Flor de Chá lhes pede, pois havia sido dessa mentira que lhe tinha vindo a felicidade. E a festa continua na eira da quinta, onde todos cearam e dançaram toda a noite:

                          “Galharda festa
                            Hoje a que há
                            Em homenagem
                            A Flor de Chá.

                            A mocidade
                            Que jamais cansa
                             Entra de gosto
                             Nesta folgança.

                             Também aos noivos
                              Em galardão
                               Se rende preito
                               Do coração.

                               Feliz consórcio
                               Grata aliança!
                              Vá mocidade,
                              Começo à dança.



                         
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