Entretanto,
entram em casa para prepararem as coisas para a festa, pois os visitantes não
haviam de demorar muito mais. E chega o regedor com a filha. Ele vem insistindo
com Capitolina para que ela procure agradar a Tomás Castanho, bom partido para
ela sob todos os aspectos, e ela mostrava que já estava bastante inclinada para
o brasileiro. No dueto que cantaram nota-se isso perfeitamente.
(pai) Cá
pelos sítios
Não és
capaz
De
descobrir
Melhor
rapaz.
Ele não é
velho
E tem
dinheiro;
É um bom
partido
O
brasileiro.
(filha) Por
ele já sinto
No
coração
A
chama viva
Duma
paixão!
Quando se
juntaram os donos da casa e ao fazerem as apresentações, Capitolina beija Flor
de Chá nas faces, a qual fica muito admirada.
Eduardo
Leirosa diz-lhe que não estranhe. É costume do país! E explica-lhe: “Ora, ouve,
querida. Em Portugal há o beijo infantil, que é puro; o beijo maternal, que é
santo; o beijo conjugal, que é postiço e da moda; o beijo entre amigas, que
destila fel; o beijo furtivo entre namorados, que sabe a licor de rosas; e,
finalmente, o beijo entre amantes, que é o rastilho para uma descarga de...
dinamite!”.
Recordo a
canção do beijo que então cantavam.
Flor de Chá -
Um beijo dar, na China
toda,
É
uma excepção.
Só
noivo à noiva, ao fim da boda,
Lhe
beija a mão.
Leirosa -
Um beijo assim
não tem agrado,
Não
tem sabor
Como
o que furta o namorado
Ébrio
d’amor.
Flor de Chá -
Então o beijo
Em
Portugal,
Pelo
que vejo
Deve
ter sal...
Corar
o rosto
Que
o recebeu
Ter
tanto gosto
Que
eleve ao céu!
Capitolina -
Beijo d’encanto
Que d'alma vem.
É
beijo santo,
beijko de mãe
Um
dá loucura,
Outro
arrebata...
Se
muito dura
Quasi
que mata.
Flor de Chá -
Quando em terno devaneio
E
bem junto de quem se ama,
Qual
o modo, qual o meio,
D’acender
ardente chama?
Castanho -
Se ela não
é macambuzia,
Ele
todo aberto em sorrisos
De
beijos furta uma duzia
Ou quantos forem precisos.
Todos -
Um beijo em
carinha cheia
Vagaroso
e bem cantado,
Sabe a quem o saboreia
A
leite creme queimado...
Há
beijos muito apressados
E
beijos que não têem fim,
Mas
os mais saboreados
Cá
p’ra mim
São
assim!
Assim!
Quando ficam
sós, Capitolina e Castanho acabam por confessar o seu mútuo amor. E pouco
depois de entrar um grande rancho de raparigas e rapazes da aldeia que vêm
cumprimentar Flor de Chá, Castanho diz na presença de todos, dirigindo-se ao
pai de Capitolina: “Agora que estão feitas as apresentações, vou fazer um
pedido ao senhor regedor e a minha felicidade depende da resposta que me for
dada. Sr. José Badaleiro: amo a sua filha! Desde a minha primeira estada nesta
terra que senti por ela a maior simpatia e compreendi que seria feliz tendo-a
por esposa. Creio que não lhe sou indiferente. Peço-lhe, pois, a mão de sua
filha. Quer dar-ma?”.
Ora se
queria... Desejoso por isso estava ele.
Com o grupo
tinham vindo, também, as seis Emílias da aldeia. Aliás, na aldeia, “todos os
homens são Manueis e todas as mulheres são Emílias...”. Era a Emília
Castanheira, que já esteve para casar sete vezes e sempre ficou a assar
castanhas; a Emília Tomateira, que cultiva os maiores tomates da freguesia e
que guarda a semente da especialidade; a Emília Gaiteira, que toca gaita de
foles; e Emília Canastreira, que parece uma canastra velha; a Emília Pevideira,
que vende pevides; e muitas outras mais...
Um pouco
mais tarde vêm os cabos de ordens que, para descarga da consciência, resolveram
vir contar a partida magicada pelo Pinga-Amor, na qual tinham colaborado e de
que estavam arrependidos, pedindo que lhes perdoassem.
Logo foram
perdoados. Pois não foi graças à mentira, que Eduardo Leirosa encontrára a sua
felicidade com Flor de Chá? E estavam nisto quando aparece novamente o Gil
Chinguiço, com um ramo de limonete escondido, e que entra gritando: “Cá está a
Lúcia-Lima!”.
Todos ficam
muito admirados quando ele lhes mostra, triunfante, o ramo do limonete. E
perante o pasmo de todos, lê um papel que lhe tinha dado o senhor Cura:
“Lúcia-Lima, arbusto verbanáceo, de perfume agradável e intenso, vegetando bem
nos terrenos frescos. Foi importado do Malabar em 1502, pelo capitão-mór D.
Sancho Fagundes de Encerrabodes, que residiu em Tavarede há mais de três
séculos. Serve para dar cheiro aos baús de roupa e é muito usado para fazer
ramos nas burricadas de Buarcos. Há quem dele faça chá contra as prisões de
ventre”.
E, no meio
de grande alegria e risota, cantam a valsa do limonete:
Coro -
Das plantas que tem a
aldeia
Outra não
há de mais gala;
E em
noites de lua cheia
Tem um
cheiro que regala.
Quem fizer
um ramalhete
Para dar à
sua amada,
Se el’ não
tiver limonete
É coisa
desconsolada.
Uma Voz -
Das burricadas luzidas
Da festa
de S. João
Trazem as
moças garridas
Um grande
ramo na mão.
Coro -
O limonete caseiro
É talvez
neto da lima...
Quem
quizer sentir-lhe o cheiro
Basta
pôr-lhe a mão por cima.
Se uma
donzela travessa
Quer-se
com ele enfeitar
Com três
folhas na cabeça
Fica
bonita a matar.
Uma Voz -
Eu não sei de flor mais bela
De quantas
há no jardim.
Anda
sempre na lapela
De quem
suspira por mim.
Coro -
Veio das matas
frondosas
Da costa do Malabar
Para as
donzelas vaidosas
Cheeirarem
bem ao seu par.
E vem a
explicação, pelo Chinguiço, do tal anúncio. “Foi uma brincadeira do carnaval.
Ora eu lhes ponho tudo em pratos limpos. Conhecem belamente o Mamede do Casal
dos Piratas... O jarreta andou com a mania de casar... O sr. Cura então
combinou com o sr. Mateus Caleira uma partida ao melro e mandaram pôr o tal
anúncio a ver se ele caía na arriosca. Coisas de entrudo, está bem de ver...”.
Tudo acaba
em bem. O regedor ainda quiz prender o Pinga-Amor e os outros darem-lhe uma
“casaca de pau”, mas todos perdoam quando Flor de Chá lhes pede, pois havia
sido dessa mentira que lhe tinha vindo a felicidade. E a festa continua na eira
da quinta, onde todos cearam e dançaram toda a noite:
“Galharda festa
Hoje
a que há
Em
homenagem
A
Flor de Chá.
A
mocidade
Que
jamais cansa
Entra
de gosto
Nesta
folgança.
Também
aos noivos
Em
galardão
Se
rende preito
Do
coração.
Feliz
consórcio
Grata
aliança!
Vá
mocidade,
Começo
à dança.
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