sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Sociedade de Instrução Tavaredense - 69

Ainda em 1982, foi representada a peça ‘O Fim do Caminho’. E para o aniversário a comemorar em Janeiro de 1983, foi posta em cena a revista fantasia ‘Manta de Retalhos’. Foi a última, de uma longa lista, que Mestre José Ribeiro escreveu contando ao povo da sua terra a história, os usos e os costumes dos nossos antepassados.







‘O Fim do Caminho’





‘Afinal a Organização das Jornadas Culturais de Teatro Amador, não teria por certo dificuldades em presenças de colectividades, se por ventura as mesmas quisessem apresentar uma peça que já tivesse sido vista e revista! E dizemos isto apenas por concordarmos em absoluto com comentários ouvidos e que praticamente transcrevemos. Mas, falando de outro assunto, assistimos ontem à representação da peça “O Fim do Caminho”, num original de Allan Langdon Martin e levada à cena pela Sociedade de Instrução Tavaredense. E então, partindo do princípio de que o Teatro é a imagem e não realidade, o Teatro não se faz com homens! Faz-se isso sim com personagens; e os personagens de Teatro ou são transfiguração da sua (Teatro) verdade ou então são bonecos sem significado. Essa transfiguração é orientada precisamente através da interpretação que o encenador (quem foi?) faz do texto e do estilo que vai seguir. E foi isso que aconteceu: Dentro do estilo realista o encenador não transformou a acção dramática numa cópia da realidade (e muito bem) aproximou-se o mais possível da realidade histórica referente à época em que a acção decorreu, muito bem acompanhado por um belo guarda-roupa. Quanto à distribuição, ele não nos pareceu de todo correcta, tão somente pelo facto de um interveniente nos parecer o que poderemos considerar de “monocordo” e o personagem de Jeremiah Wayne, sem qualquer descortesia para quem o interpretou, mesmo com o rigor da caracterização que tentaram dar-lhe, estaria talvez um pouco deslocado na idade. Salvo as espreitadelas pela cortina e aquelas falhas que todos nós sabemos existirem antes dos actores entrarem, a representação não nos merece grandes reparos, mas sim um bravo. Gostámos de assistir a um nivelamento mais ou menos correcto dos actores, mas é claro que João Medina, foi ele mesmo, quer no velho Dr., quer no Centro Dramático. A todos, gratos pela representação’. Retirámos esta nota do jornal figueirense ‘Mar Alto’, a propósito da participação do nosso grupo nas Jornadas de Teatro Amador de 1983.

O 80º. aniversário da Sociedade de Instrução Tavaredense foi festejado nos dias 14 e 15 de Janeiro de 1984. Mestre José Ribeiro ainda teve forças para montar um espectáculo extraordinário. Mais uma vez apresentou Gil Vicente. E fê-lo como só ele era capaz de o fazer. ‘Há muito que, em Tavarede, o Teatro anda associado a todas as manifestações das suas gentes. Não será exagerado afirmar-se, até, que a vida em Tavarede gira em torno do seu Teatro. E, se alguém tiver dúvidas a tal respeito, apenas terá de ali se deslocar numa dessas ocasiões para constatar.




‘Na Feira de Gil Vicente’
Auto da Barca do Inferno





Agora, na comemoração do 80º aniversário da Sociedade de Instrução Tavaredense, o fenómeno repetiu-se: o momento mais alto das comemorações teve lugar no seu magnífico teatro onde foi levada à cena a peça “Na Feira de Gil Vicente”, com adaptação desse “homem grande de Teatro” que é José Ribeiro. Gil Vicente foi, assim, o “convidado” de honra de Tavarede, Gil Vicente que poderemos quase considerar familiar ali (quem não se lembra da inesquecível “melhor Maria Parda” que foi, sem dúvida, a saudosa Violinda Medina?). Desta vez foram levadas à cena: “No Lar de Uma Família Judaica” (prólogo), “Auto da Barca do Inferno”, “O Pote da Mofina Mendes”, “Gil Vicente vem à Feira” e “Auto da Feira”. Mas não será ousado apresentar, em Tavarede, peças de tal nível cultural?

É certo que a pergunta teria perfeito cabimento em relação à maioria dos centros portugueses. Mas a Tavarede não. É que ali há como que uma “representação colectiva” em que os que não sobem ao palco “representam” na plateia. Poder-se-á afirmar (passe o plágio) que quem não representa já representou e é esse facto que cria o tal ambiente em que se “respira teatro” e torna quase familiar a presença dos grandes vultos da cultura teatral. O teatro passou a fazer parte da vida desta gente, razão pela qual Gil Vicente é compreendido.

E sobre o espectáculo? Julgamos ter dito o suficiente. Adiantaremos, no entanto, que vimos em palco quatro gerações. E que, se aquele Diabo (João de Oliveira) foi o melhor que já vimos, “o sapateiro” (José Luiz Nascimento) e “o parvo” (João Medina Júnior), foram apenas duas excepcionais actuações num conjunto que surpreendia pela segurança com que todos dominavam a complicada linguagem de Gil Vicente, um autor que efectivamente, não está ao alcance de muitos grupos. Que nos perdoe o leitor a escassez de nota de reportagem aqui contidas. Mas a verdade é que, para poder ter uma ideia exacta do que foi o espectáculo, só terá uma forma: deslocar-se lá na próxima representação (21 do corrente às 21,45) só assim poderá ficar com uma ideia de conjunto, desde a peça aos actores, da orquestra (dirigida por José Custódio Ramos) ao guarda-roupa (Anahory), dos cenários... a tudo. Vá, que não se arrepende”.


‘Na Feira de Gil Vicente’


Na sessão solene desse aniversário, foi orador oficial o Dr. José Manuel Leite, grande amigo da nossa Colectividade. Permitam-nos que aqui recordemos algumas das suas palavras a propósito do espectáculo da noite anterior. ‘… Venho-vos hoje falar de um génio! Esse génio era o dono da “Feira” que vimos ontem representar neste teatro – Gil Vicente – “Feira” essa que foi montada por esse outro homem genial que nos acostumou a pedir-lhe e a exigir-lhe cada vez mais. Um é Gil Vicente, o outro é José Ribeiro. Pouco me importa neste momento perder-me em considerações de juízo de valor entre os dois. O que me importa é dizer o que os dois fizeram, nas suas respectivas épocas, contextos sociais, políticos e económicos e as condições de trabalho de cada um. O que me interessa salientar nesta hora, é que sem o segundo – José Ribeiro – nós aqui em Tavarede não conhecíamos o primeiro – Gil Vicente.

O que tem que ser salientado é que Gil Vicente renascentista, acarinhado e protegido pela corte portuguesa nos alvores do Séc. XVI, chegou ontem (como já o havia feito em ocasiões anteriores) a este palco, e a estas gentes. E isto devemos a Mestre José Ribeiro. Bem haja!”. Mais adiante afirmou: “Não é do Mestre José Ribeiro que venho hoje aqui falar. É do outro génio, é do seu colega Mestre Gil. E se tenho o arrojo de o fazer, é para suprir a falta das suas tão belas introduções a que em anos passados nos habituou antes de levantar o pano. Penso ser importante que todos façamos um esforço de caminharmos para trás no tempo – só 500 anos! Vamos deixar por uns momentos as preocupações do custo de vida, a ameaça dos mísseis nucleares, da “cultura” televisiva dos folhetins brasileiros. Ainda que não saiamos do país, vamos até à corte de D. João III, no alvor do séc. XVI…”.

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