quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

O Teatro em Tavarede - A minha teoria


Diz a tradição que foi Gil Vicente o “pai” do Teatro em Portugal.

Nascido em 1465, julga-se que em Guimarães, teve a sua primeira representação, como autor e actor teatral, no ano de 1502, com o Auto do Vaqueiro, em saudação à Rainha D. Maria, mulher do Rei D. Manuel I, pelo nascimento do seu primeiro filho varão, aquele que mais tarde seria o Rei D. João III de Portugal.

“Não foi infrutífera a semente lançada por Gil Vicente, representando os seus autos e monólogos no Paço da Ribeira, ante a Corte de D. Manuel. O gosto pela arte teatral ficou, sabendo-se que, logo no reinado de D. João III, se inaugurou em Lisboa um teatro nas “Fangas da Farinha”, nome porque era conhecido, na época, o local onde hoje estão instalados os tribunais da Boa-Hora”.

Não é o fim destas notas historiar o Teatro em Portugal. Interessa-nos, isso sim, procurar desvendar um pouco o mistério, porque, realmente, é um verdadeiro mistério, do gosto que, desde os tempos antigos, sempre houve em Tavarede por tão nobre Arte.
Lemos há dias, numa publicação de 1955, uma interessante notícia sobre o teatro amador português em que o seu autor se propunha acompanhar a esforço de “determinados grupos de amadores que representam um luz muito viva a pretender atravessar o nevoeiro que, desde há um certo tempo, caíu sobre alguns dos poucos palcos da nossa terra...”

E, então, escolheu para iniciar os seus trabalhos o grupo “duma modesta aldeia beirã, Tavarede...”, usando, a justificar a sua opção, um título, quanto a nós, felicíssimo: TAVAREDE - ALDEIA ESCOLA DE TEATRO.

É claro que, à data da notícia, só existia em Tavarede um grupo dramático, o da Sociedade de Instrução Tavaredense. Mas, na nossa terra, o teatro, embora tenha tido a sua maior actividade, nível e expansão, com esta colectividade, é bem anterior à fundação da S.I.T., conforme adiante se verá.

Pode considerar-se um atrevimento da nossa parte escrevermos a “nossa” história sobre o Teatro em Tavarede, depois de tudo quanto fez, nos ensinou e deixou escrito, o nosso ilustre e saudoso conterrâneo, Mestre José da Silva Ribeiro.

Mas, como já referimos anteriormente, a história da nossa terra ficaria incompleta se aqui não incluíssemos e procurássemos descrever com algum aprofundamento, as duas grandes tradições tavaredenses: o Teatro e a Música.

Certamente que poucas ou nenhumas novidades iremos dar àqueles que se têm dedicado a estes temas. As nossas buscas incidiram, forçosamente, sobre as mesmas fontes. Haverá, até, algumas repetições, mas não tendo nós encontrado em parte alguma uma teoria, pelo menos, que nos levasse às origens do Teatro em Tavarede, atrevemo-nos nós a formular uma. A memória daquele grande Homem de Teatro certamente nos perdoará a nossa ousadia.

Já no primeiro volume destas notas, e a propósito da história da nossa terra, fizemos algumas referências a um magnífico trabalho publicado no último decénio do século passado no jornal “Gazeta da Figueira” e a que deu o título de “Recordações de Tavarede”, o ilustre jornalista figueirense Ernesto Fernandes Thomaz, em que nos legou uma bela visão sobre a vida na nossa terra na última metade do século XIX.

Por agora temo-nos limitado a expurgar alguns retalhos que nos interessam para dar continuidade à nossa história. Mas, no volume quarto, tencionamos transcrever, integralmente, este e outros trabalhos que temos reunido e que se encontram dispersos em várias publicações, pois entendemos que serão de muito interesse.

Logo no início escreve:
“... Ahi pelos anos de 1865, tendo voltado d’umas voltas pela América, no primeiro domingo que tinha adiante, depois da chegada, ouvi falar uns rapazes amigos em uns theatros em Tavarede. Desde creança, um lamechas por por divertimentos de tal genero, acompanhei até lá os amigos e sem mais demora... a caminho de Tavarede”.

Mais adiante e sobre este assunto, deixou-nos escrito:
“... O José do Ignácio, havia sido também, em outro tempo, uma parte obrigatória em todas as sociedades dramáticas que vegetavam em Tavarede como tortulhos. Um pouco mais idoso de que os seus companheiros e procurado com o caracteristico, desempenhava os papeis de centro. A primeira vez que o vimos assim encadernado, foi em um theatrinho da rua Direita, que haviam encaixado em uma casa conhecida pela designação de - casa do Ferreira”.

Sabe-se, assim, de fonte segura, que em Tavarede, nos princípios da segunda metade do século passado, havia diversas sociedades dramáticas, que davam regularmente os seus espectáculos. E como eram estas sociedades dramáticas?

“... A plateia, que para o aproveitamento de maior número de espectadores havia sido construida em fórma de palanque, era engendrada por umas taboas manhosamente pregadas n’uns cunhos de madeira e estes por sua vez da mesma fórma ligados a uns postes de pinheiro inclinados contra a parede.

O pano de bocca, qualquer colcha, de chita, de padrão em labyryntho vermelho. A illuminação fazia-se por meio das classicas vellas de cebo espetádas em palmatórias de pau...”.

Como se adivinha, sendo mais que toscas, estas salas não ofereciam quaisquer condições. Tudo se improvisava. Os camarins, por exemplo, eram o quintal e os telheiros, nas trazeiras da casa, onde os actores e as actrizes se vestiam e caracterizavam no meio dos mais variados utensílios agrícolas, e que, nas noites frias do inverno, procurariam aquecer-se um pouco junto dos animais recolhidos nos seus estábulos, enquanto aguardavam a sua hora de entrada em cena.

No entanto apresentava-se teatro. Comédia e drama. E o povo assistia. Pateava ou aplaudia. Lemos algures que, em determinado ano e pelo Natal, se representaram em Tavarede, em simultâneo, seis presépios!...

Sabendo nós quantas pessoas são precisas para pôr em cena o Presépio, embora, admitamos, fossem um pouco resumidos em relação aos Autos Pastoris que ainda vimos representados em Tavarede, no palco da Sociedade de Instrução Tavaredense, cedido para o efeito ao Grupo Musical, fácil é calcular que toda a população de Tavarede estaria ligada ao teatro. Como amadores, como músicos e como pessoal do palco, ainda havia gente para esgotar a lotação das pequeninas salas de espectáculo. Muitos iam da Figueira e dos arredores, como vimos.

Ora, tudo isto, porém, nos leva aos inícios da segunda metade do século passado. E antes?

Com muita surpresa nossa, ao folhearmos um caderno de recortes de jornais velhos e relacionados com o teatro, encontrámos a seguinte notícia:

D. Francisco de Almada e Mendonça, marido de D. Antónia Madalerna de Quadros e Sousa - 10ª. senhora de Tavarede

Recuando até ao ano de 1771, data em que a Câmara de Tavarede foi mudada para a Figueira, conjuntamente com as suas justiças, lembrar-nos-emos que era então senhor de Tavarede, Fernando Gomes de Quadros. Rezam as crónicas que este fidalgo foi um verdadeiro tirano para com o seu povo, vivendo, praticamente, como um senhor feudal. Pelos escritos que nos deixou o ilustre investigador e historiador Dr. Rocha Madahil, e de que já publicámos alguns no primeiro volume, sabe-se que o povo vivia aterrorizado com tal fidalgo.

Não permitia as menores liberdades aos tavaredenses de então. Inclusivamente, basta recordar que ele e os seus lacaios não tinham pejo em invadir a casa dos pobres residentes, se desconfiasse que tivessem feito um simples forno para cozer o seu pão ou assar um pedaço de carne.
Será bastante difícil acreditar que, vivendo nessas condições, o povo tivesse qualquer disposição, ou liberdade, para teatros. Parece-nos, portanto, lógico admitir que o Teatro em Tavarede terá surgido entre 1771, data em que os fidalgos perderam o seu poderio, e 1865, ano em que Ernesto Fernandes Thomaz cá veio assistir a uns teatros...

Com muita surpresa nossa, ao folhearmos um velho caderno de recortes de jornais relacionados com o teatro, encontrámos a seguinte notícia:
“ A 13 de Maio de 1798 foi inaugurado o Teatro de S. João na cidade do Porto. Prestou este serviço à cidade o seu antigo corregedor Francisco de Almada e Mendonça”.

Este Francisco de Almada e Mendonça era “moço fidalgo do conselho de D. Maria I, senhor da Villa de Ponte da Barca, 1º. alcaide-mór de Marialva, commendador da ordem de Christo, desembargador do Paço, intendente geral das obras publicas das trez provincias do norte, superintendente do tabaco e saboaria do Porto, intendente da marinha da mesma cidade, corregedor perpétuo da sua comarca, juiz geral das coutadas do reino e havia nascido a 30(?) de Fevereiro de 1757, e fallecido em 1804”.

Deixou obra importantíssima na cidade do Porto, que o perpétuou dando o nome de Rua do Almada a umas das, actualmente, mais importantes ruas da cidade.

Mas... e o que tem, ou pode ter, tudo isto com o teatro em Tavarede?

Apenas isto: este poderoso fidalgo tinha casado, a 26 de Dezembro de 1791, com D. Antónia Magdalena de Quadros e Souza, 10ª. senhora de Tavarede.

Recordemos, parcialmente, o que, no Dicionário Portugal Antigo e Moderno, Pinho Leal escreve sobre Tavarede:
“... Tinha aqui o seu solar, o benemérito D. Francisco de Almada e Mendonça que, quando aqui residia. era a providência dos povos destes sítios. As senhoras da sua família deram muitos ornamentos para a igreja matriz, alguns dos quaes ainda existem, assim como a sua casa e quinta, hoje dos condes de Tavarede...”
Relacionando tudo isto, ocorreu-nos uma ideia:

Tendo sido um grande protector do teatro na cidade do Porto, aonde até mandou construir o Teatro de S. João, hoje Teatro Nacional de S. João, em edifício já reconstruído, pois o original foi destruído por um violento incêndio ocorrido na noite de 11 para 12 de Abril de 1918, não terá sido este ilustre fidalgo que, durante as suas longas estadias em Tavarede, tenha incutido no espírito dos tavaredenses o gosto pelo Teatro?

Ele, e a sua família, foram grandes amigos e beneméritos do pobre povo de Tavarede. Acreditamos que, tendo-os ajudado materialmente, terão, igualmente, promovido a sua cultura. E o teatro era, à época, um dos principais veículos culturais.

Aliás, os seus descendentes terão continuado a sua obra. Lembremo-nos que foi o seu bisneto, o terceiro conde de Tavarede, quem mandou construir no seu palácio um teatro. Deu-lhe o nome de outro dos seus avós: o Duque de Saldanha. Nos últimos dois decénios do século XIX e princípios do corrente, ali se representaram bastantes dramas e comédias. Por ali passaram grandes amadoras e amadores tavaredenses, dos quais basta recordar o nome ilustre de Almeida Cruz.

Será esta a realidade quanto ao aparecimento do teatro em Tavarede? Conforme dissemos é esta a nossa teoria. Errada ou verdadeira, a certeza que há é que também a chamada “Casa de Tavarede” teve um importante papel no desenvolvimento do teatro e da música na nossa terra.

Não foram somente tiranos ou déspotas, os fidalgos de Tavarede. Também, e até em grande maioria, foram figuras ilustres e honradas, amigas da nossa terra, donde alguns eram naturais. E esta ainda não deu qualquer prova de gratidão para com eles.Perpétuou, e com toda a justiça, outros nomes ilustres. Falta recordar para sempre o nome dos fidalgos de Tavarede numa qualquer rua, viela, praça, beco ou simples travessa.

Não é justo que a ilustre Casa de Tavarede seja somente recordada, e enquanto conseguirem resistir, pelas tristes ruínas do seu palácio. Quando estas ruírem totalmente, desaparecerá para sempre, nas gentes desta nossa terra, a memória daqueles que foram os senhores de Tavarede.

E terminemos este capítulo com uma frase do dr. Rocha Madahil e que bem simboliza a realidade: “mas a Figueira deve tudo o que é à velha torre de Tavarede”.

(Ao dar uma volta aos meus apontamentos mais antigos encontrei esta nota, e algumas outras, que julgo ter interesse. Aliás, este 'teoria' foi depois publicada no segundo livro de Tavarede - A Terra de meus Avós)

Joaquim Rodrigues

Nasceu no ano de 1902, filho de José Rodrigues e de Ana de Jesus, natural de Sernache dos Alhos, Condeixa, e faleceu em Tavarede a 12 de Novembro de 1994.

Vulgarmente, foi conhecido por “Joaquim do Padre”, pois havia sido o padre Manuel Vicente, seu padrinho, quem o trouxera para o seu serviço, ainda muito novo.

Em 1931 foi nomeado Guarda Campestre pela Câmara Municipal da Figueira, sob proposta da Comissão Administrativa Paroquial de Tavarede e, no ano seguinte, foi eleito membro da Junta de Freguesia, tendo, também, exercido funções de regedor.

Herdeiro do padre Vicente, descobriu, anos mais tarde, numa arca velha que se encontrava na adega de sua casa, diversos livros de registos de baptismos, casamentos e óbitos da paróquia, que estavam desaparecidos e que teve o cuidado de entregar ao professor Vítor Guerra, o qual se encarregou da sua conservação.

Casado com Estrela Melo Brandão Saraiva, tiveram a seguinte descendência: Armando, Sílvia, Maria e Ernesto.

Sua mãe, Ana de Jesus, morreu em sua casa, em Fevereiro de 1953, com a idade de 103 anos.
Caderno: Tavaredenses com História

António Francisco da Silva

Faleceu na Figueira da Foz, onde residia há bastantes anos, no dia 23 de Fevereiro de 1950. Era filho de Joaquim Francisco da Silva e de Ana da Costa, naturais da vizinha freguesia de Brenha, onde ele também nasceu.

Casou com Augusta Cruz, de Tavarede, para onde veio residir. Teve dois filhos: Adriano Augusto e José Francisco.

Exerceu actividade profissional de serralheiro, na Companhia dos Caminhos de Ferro da Beira Alta, como montador de pontes do Serviço de Via e Obras.

Militou no Partido Republicano Evolucionista, sendo um dos responsáveis pela secção deste partido em Tavarede. Foi eleito, por diversas vezes, para a Junta de Paróquia, onde desempenhou os cargos de secretário, tesoureiro e presidente, assim como também foi nomeado regedor.

No campo associativo, fez parte da Sociedade de Instrução até ao ano de 1914. Por divergências, pediu a demissão e ingressou no Grupo Musical, no qual, como dirigente, teve importante desempenho, especialmente na compra e reconstrução da sede, em 1924.

Abandonou a actividade associativa quando esta colectividade foi forçada a vender a sua sede (1931) e acabou com a secção dramática.
Caderno: Tavaredenses com História

Abílio Simões Baltazar

Foi um dos três compradores da quinta do Robim, vendida, em 1914, pelos herdeiros de João António da Luz Robim Borges. Era natural de Almalaguês.

No dia 12 de Agosto de 1928, integrado numa excursão com pessoas de Tavarede e da Figueira da Foz, que se deslocavam a Fátima para participarem nas cerimónias religiosas que ali se efectuavam, foi uma das vítimas do acidente de viação ocorrido em Reguengo do Fetal, já próximo do seu destino.

Ainda foi conduzido ao Hospital de Leiria, mas, devido à gravidade dos ferimentos, foi transportado, horas depois, para a sua residência, na Vila Robim, onde faleceu instantes após a sua chegada. “O extinto, que sofreu dolorosamente em poucas horas, era um carácter probo, cheio de dignidade e dotado de excelente coração”. Contava 78 anos de idade e era casado com Maria José Pedro.

A propósito da compra daquela quinta, que estava montada com todo o equipamento necessário à exploração agrícola e pecuária, constou que, depois da aquisição e divisão dos terrenos, procederam ao levantamento de toda a instalação de rega, que, sendo a tubagem em chumbo, foi vendida, apurando, só nesta venda, um valor superior ao dispendido com a compra da quinta.
Caderno: Tavaredenses com História

Sociedade de Instrução Tavaredense - 78


Em 1995 foram as crianças da nossa terra que tiveram grande participação no nosso teatro, como intervenientes e como assistentes. Pela primeira vez, no nosso palco, houve ‘Teatro de Fantoches’, tendo sido apresentadas algumas pequenas peças, recordando-se, nessa ocasião, a figura carismática e bondosa do ‘Catitinha’, que foi um característico da Figueira nas décadas de 40 e 50. E, em complemento, foram representadas duas peças de teatro infantil, com encenação do amador José Medina.

E em Abril houve um espectáculo extraordinário. Foi feita a representação do ‘Auto da Serração da Velha’ (tragédia em camisa pelo motivo do vestido se encontrar na barrela, dizia o programa), ‘escrita pelo grande dramaturgo Marrada Bruto’. Era o prosseguimento de uma tradição tavaredense bem antiga. E, claro, o êxito foi enorme.


Teatro de Fantoches - ‘O Catitinha’

Nos meses do Verão, e aproveitando as férias escolares, o amador José Medina resolveu retomar a encenação de teatro infantil. Entre outras pequenas peças, ensaiou e representou a fantasia ‘Raminho de Limonete’, da autoria do saudoso amador José Fernandes dos Santos.

A propósito destes espectáculos, um velho admirador e amigo do nosso teatro escreveu no jornal ‘O Figueirense’ uma crónica que achamos interessante. “Haverá uns doze anos, numa leira de terra a escassas centenas de metros da Fonte de Tavarede, um sr. de seu nome José Lopes Medina, ajudava na apanha das batatas que sua mãe ali mandara “semear”. Falou-se de teatro e de José Ribeiro, como era natural, (já então José Medina era um actor-amador consagrado) e ouvi-lhe afirmar, num tom algo profético, que ainda um dia havia de ser ele a ensaiar uma peça de teatro.

Os anos foram passando, José Ribeiro deixou-nos (fisicamente, já se vê), a SIT (Sociedade de Instrução Tavaredense) continuou a proporcionar-nos bons espectáculos teatrais (sob a direcção da drª Ana Maria Bernardes) e chegou este verão com um modesto cartaz a anunciar que ia haver teatro infantil na SIT. Ao passar os olhos pelo referido cartaz noto que o “Raminho de Limonete” e o “Cavador”, haviam sido meus alunos no 5º ano de escolaridade no ano lectivo que há pouco findou. Porém, a maior surpresa vinha mais à frente: “Direcção de cena: José Lopes Medina”! Cumpria-se a profecia!



Cenas de ‘O Raminho de Limonete’

Se outros motivos não houvessem, bastariam estes dois para despertar a minha curiosidade pelo espectáculo. Abençoada curiosidade, que me levou a assistir a um espectáculo maravilhoso, óptimo len itivo para ultrapassar tanta coisa de negativo com que o dia-a-dia nos vai envolvendo. Quando em 1954 se festejaram as “Bodas de Ouro” da SIT, José Ribeiro publicou um livro onde se pode ler: “A actividade da Sociedade de Instrução Tavaredense tem sido conduzida por este pensamento: aproveitar do teatro a sua função recreativa, mas utilizando-o também como instrumento e meio de cultura… Procurou-se sempre que o grupo cénico exercesse influência no gosto do público, sem deixar que o mau gosto do público influisse na actuação do grupo cénico. Há uma linha de coerência, de dignidade artística, de brio moral e mental que se não deixou quebrar”.

José Medina, para além de ter conseguido uma boa actuação sob o ponto de vista artístico, teve o bom senso de escolher texto simples, de fácil e agradável compreensão e com “sumo educativo”, na medida certa, que, ao que julgo, se enquadram nos “estatutos” da SIT acima transcritos. Aliás, o “Raminho de Limonete”, da autoria de José Santos, cheira muito ao limonete de José Ribeiro: o diálogo entre a Cidade e a Aldeia, o Cavador, a Cigarra e a Formiga, etc., lembram-nos o tavaredense que durante várias décadas, através do teatro (o regime salazarento não o deixou voar noutras direcções) foi enaltecendo a sua “Dulcineia”, fazendo a apologia da vida simples e honrada ao mesmo tempo que promovia culturalmente os seus conterrâneos.


‘O Raminho de Limonete’

A idade dos actores vai dos 5 anos (Carlos Duarte) aos 20 (Pedro Maia). Este último é já um actor experimentado no palco da SIT. Parece que no próximo dia 16 de Setembro os pequenos-actores vão voltar ao glorioso palco de Tavarede. Seria bom que este espectáculo contasse com a presença de pais e professores, especialmente dos 3 ciclos do ensino básico, com vista à sua repetição para os alunos das nossas escolas. Trazer à SIT os alunos das Escolas da Figueira e das localidades onde não existem casas de espectáculos e levar o espectáculo aos palcos das restantes aldeias, penso que seria uma meta a atingir. Não quero terminar sem deixar aqui expressos os meus parabéns e agradecimentos a todos os que contribuiram para pôr de pé este espectáculo, e, muito especialmente, aos pequenos actores e ao sr. José Medina”.

Sociedade de Instrução Tavaredense - 77

No dia 18 de Novembro de 1994 comemorou-se o centenário do nascimento de Mestre José da Silva Ribeiro. A colectividade e o seu grupo cénico de forma alguma poderiam deixar de assinalar a efeméride. E fizeram-no com enorme brilho, segundo os comentários publicados em diversa imprensa.

“… Com a lotação esgotada, a SIT assistiu, na noite do dia 18, ao regresso, às tábuas do seu palco, de Mestre José Ribeiro, sempre presente mercê de uma feliz encenação, que transportou para o palco objectos do Mestre, como a sua secretária, a sua cadeira, o seu candeeiro… o seu lugar de trabalho. Depois, bastaria um pouco de imaginação. E essa não faltou aos que conceberam esta representação, estas “Palavras de Uma Vida”, baseada em textos retirados do diário do homenageado, de passagens de algumas cartas, de peças que o Mestre levou à cena. Depois de tudo o que vivemos no dia 18 … Tavarede cantou os parabéns a José da Silva Ribeiro”.

Centenário do nascimento de José da Silva Ribeiro ‘Palavras de uma Vida’

O relatório da Direcção desse ano, refere, a propósito desta homenagem: “… gostaria de referir que se o êxito obtido com este espectáculo nos envaidece, também nos leva a sentir uma maior responsabilidade… … sabendo-se, pela experiência, que a defesa da tradição não significa, necessariamente, repetição, tudo faz supôr que a SIT esteja a escrever não só mais uma página na sua longa e rica história, como também tenha aberto o capítulo dedicado ao futuro. Mas o futuro não se mostrou nada fácil. E só com grande esforço e dedicação se tem conseguido manter em actividade a tradição tavaredense de fazer Teatro”.

“Antes do espectáculo houve uma sessão solene, a que presidiu o presidente da Câmara Municipal, e durante a qual vários oradores se referiram à vida e obra de Mestre José da Silva Ribeiro. Em nome da Sociedade de Instrução Tavaredense usou da palavra a presidente da Direcção drª Ilda Simões, que falou da herança nobre e rica legada por José da Silva Ribeiro e da responsabilidade de lhe dar o devido sentido, especialmente por falta de apoios financeiros, terminando com uma saudação especial ao homenageado. Este tom teria sequência na poética e tocante mensagem de Isaura Carvalho e prolongado na intervenção da drª Ana Maria Caetano que a rotulou como de gratidão e que desenvolveu com o comovido sentido autobiográfico devido a um pai espiritual.

Centenário do nascimento de José da Silva Ribeiro - Aspecto da sessão solene

A emoção cedeu lugar à razão quando foi lida mensagem do “Grande Oriente Lusitano” de saudação a José da Silva Ribeiro, na qual se destacava o papel na intransigente defesa dos valores da maçonaria e de como os soube pôr em prática na imprensa, na educação, na filantropia e no teatro… … O Dr. Deolindo Pessoa, homem de teatro que tem espalhado os conhecimentos adquiridos no TEUC por diversos agrupamentos nomeadamente o CITEC (Montemor-o-Velho) ou por terras de Lamego onde exerceu medicina, prestou homenagem ao saber e perseverança de José da Silva Ribeiro (sem esconder que as diferenças estéticas eram suplantadas pelo amor ao teatro) e pediu à Câmara Municipal que institucionalizasse o organismo coordenador das actividades teatrais do concelho, solicitado em 1986 aquando do 1º Encontro Regional de Teatro de Amadores organizado pelo Lions Clube da Figueira da Foz.

Na sua intervenção o presidente da Câmara Municipal, no que devia ter sido o encerramento da sessão solene, centrou a sua filosófica intervenção em torno da coerência e verticalidade da vida de José Ribeiro e da “probidade e profunda qualidade da sua pluridisciplinar e multifacetada obra” aspectos que em sua opinião cumpre analisar num sentido prospectivo e “não numa redutora perspectiva exclusivamente revivalista e panegírica”.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Até Deus querer, senhor Administrador!


Senhor Administrador!!! Era o meu cumprimento diário. Durante tantos anos...

Há muito que estou habituado a sair de casa, por volta das 9 horas da manhã, ir beber o cafézito (a indispensável bica) à Santa Maria e, logo a seguir, visita à Casa Salgueiro. Cumprimentava o primo Zé Cordeiro, a Lita e a Sílvia. Era o costumado "Bom dia, senhor Administrador! Então de que se queixa?". Ele encolhia os ombros e eu completava "De nada, graças a Deus!".

Quando, por qualquer motivo eu não aparecia por lá da parte da manhã, ficavam em cuidados e telefonavam a saber se havia algum problema... Já era um hábito velho.

Pois o senhor Administrador, o meu primo Zé Cordeiro, partiu agora para a tal viagem para a qual todos nós temos bilhete reservado. É curioso: era o mais velho de três irmãos e foi o último a partir. Tinha 88 anos, completados no passado mês de Setembro.

Era um homem extraordinário. Bom e educado, estava sempre receptivo para com todos, amigos ou simples conhecidos. A Sociedade de Instrução Tavaredense era uma das suas paixões. Aliás, o Zé Cordeiro vivia para a Família, para a sua loja e para a colectividade. Foi um grande colaborador de mestre José Ribeiro. '... Em Tavarede, naquele tempo, ainda não havia automóveis e, então, lá ia o Zé Cordeiro levar a Violinda, na vespa, a sua casa na Rua da Fonte. Já os amadores tinham regressado a suas casas depois do ensaio, e só eu e José Ribeiro e a Violinda, à minha espera para a ir levar... Algumas vezes aconteceu com uma outra amadora, por sinal muito boa a representar, a Inês, que vivia no Casal da Robala, ser acompanhada a casa, a pé, por José Ribeiro. Eu ia à Figueira levar a Violinda e depois regressava pelo caminho do Casal da Robala, ao encontro do Mestre. para o trazer de volta para sua casa. Vezes sem conta isso aconteceu...". Este retalho faz parte do depoimento que escreveu para o livro do Centenário da SIT. É suficiente para mostrar a sua dedicação àquela casa.

Chegou, agora, a sua hora. Deixa imensas saudades. Que descanse em paz, é o que sinceramente deseja este velho primo, companheiro e amigo.
A fotografia acima terá sido a última que tirou. Foi no seu estabelecimento, na Casa Salgueiro.