Diz a tradição que foi Gil Vicente o “pai” do Teatro em Portugal.
Nascido em 1465, julga-se que em Guimarães, teve a sua primeira representação, como autor e actor teatral, no ano de 1502, com o Auto do Vaqueiro, em saudação à Rainha D. Maria, mulher do Rei D. Manuel I, pelo nascimento do seu primeiro filho varão, aquele que mais tarde seria o Rei D. João III de Portugal.
“Não foi infrutífera a semente lançada por Gil Vicente, representando os seus autos e monólogos no Paço da Ribeira, ante a Corte de D. Manuel. O gosto pela arte teatral ficou, sabendo-se que, logo no reinado de D. João III, se inaugurou em Lisboa um teatro nas “Fangas da Farinha”, nome porque era conhecido, na época, o local onde hoje estão instalados os tribunais da Boa-Hora”.
Não é o fim destas notas historiar o Teatro em Portugal. Interessa-nos, isso sim, procurar desvendar um pouco o mistério, porque, realmente, é um verdadeiro mistério, do gosto que, desde os tempos antigos, sempre houve em Tavarede por tão nobre Arte.
Lemos há dias, numa publicação de 1955, uma interessante notícia sobre o teatro amador português em que o seu autor se propunha acompanhar a esforço de “determinados grupos de amadores que representam um luz muito viva a pretender atravessar o nevoeiro que, desde há um certo tempo, caíu sobre alguns dos poucos palcos da nossa terra...”
E, então, escolheu para iniciar os seus trabalhos o grupo “duma modesta aldeia beirã, Tavarede...”, usando, a justificar a sua opção, um título, quanto a nós, felicíssimo: TAVAREDE - ALDEIA ESCOLA DE TEATRO.
É claro que, à data da notícia, só existia em Tavarede um grupo dramático, o da Sociedade de Instrução Tavaredense. Mas, na nossa terra, o teatro, embora tenha tido a sua maior actividade, nível e expansão, com esta colectividade, é bem anterior à fundação da S.I.T., conforme adiante se verá.
Pode considerar-se um atrevimento da nossa parte escrevermos a “nossa” história sobre o Teatro em Tavarede, depois de tudo quanto fez, nos ensinou e deixou escrito, o nosso ilustre e saudoso conterrâneo, Mestre José da Silva Ribeiro.
Mas, como já referimos anteriormente, a história da nossa terra ficaria incompleta se aqui não incluíssemos e procurássemos descrever com algum aprofundamento, as duas grandes tradições tavaredenses: o Teatro e a Música.
Certamente que poucas ou nenhumas novidades iremos dar àqueles que se têm dedicado a estes temas. As nossas buscas incidiram, forçosamente, sobre as mesmas fontes. Haverá, até, algumas repetições, mas não tendo nós encontrado em parte alguma uma teoria, pelo menos, que nos levasse às origens do Teatro em Tavarede, atrevemo-nos nós a formular uma. A memória daquele grande Homem de Teatro certamente nos perdoará a nossa ousadia.
Já no primeiro volume destas notas, e a propósito da história da nossa terra, fizemos algumas referências a um magnífico trabalho publicado no último decénio do século passado no jornal “Gazeta da Figueira” e a que deu o título de “Recordações de Tavarede”, o ilustre jornalista figueirense Ernesto Fernandes Thomaz, em que nos legou uma bela visão sobre a vida na nossa terra na última metade do século XIX.
Por agora temo-nos limitado a expurgar alguns retalhos que nos interessam para dar continuidade à nossa história. Mas, no volume quarto, tencionamos transcrever, integralmente, este e outros trabalhos que temos reunido e que se encontram dispersos em várias publicações, pois entendemos que serão de muito interesse.
Logo no início escreve:
“... Ahi pelos anos de 1865, tendo voltado d’umas voltas pela América, no primeiro domingo que tinha adiante, depois da chegada, ouvi falar uns rapazes amigos em uns theatros em Tavarede. Desde creança, um lamechas por por divertimentos de tal genero, acompanhei até lá os amigos e sem mais demora... a caminho de Tavarede”.
Mais adiante e sobre este assunto, deixou-nos escrito:
“... O José do Ignácio, havia sido também, em outro tempo, uma parte obrigatória em todas as sociedades dramáticas que vegetavam em Tavarede como tortulhos. Um pouco mais idoso de que os seus companheiros e procurado com o caracteristico, desempenhava os papeis de centro. A primeira vez que o vimos assim encadernado, foi em um theatrinho da rua Direita, que haviam encaixado em uma casa conhecida pela designação de - casa do Ferreira”.
Sabe-se, assim, de fonte segura, que em Tavarede, nos princípios da segunda metade do século passado, havia diversas sociedades dramáticas, que davam regularmente os seus espectáculos. E como eram estas sociedades dramáticas?
“... A plateia, que para o aproveitamento de maior número de espectadores havia sido construida em fórma de palanque, era engendrada por umas taboas manhosamente pregadas n’uns cunhos de madeira e estes por sua vez da mesma fórma ligados a uns postes de pinheiro inclinados contra a parede.
O pano de bocca, qualquer colcha, de chita, de padrão em labyryntho vermelho. A illuminação fazia-se por meio das classicas vellas de cebo espetádas em palmatórias de pau...”.
Como se adivinha, sendo mais que toscas, estas salas não ofereciam quaisquer condições. Tudo se improvisava. Os camarins, por exemplo, eram o quintal e os telheiros, nas trazeiras da casa, onde os actores e as actrizes se vestiam e caracterizavam no meio dos mais variados utensílios agrícolas, e que, nas noites frias do inverno, procurariam aquecer-se um pouco junto dos animais recolhidos nos seus estábulos, enquanto aguardavam a sua hora de entrada em cena.
No entanto apresentava-se teatro. Comédia e drama. E o povo assistia. Pateava ou aplaudia. Lemos algures que, em determinado ano e pelo Natal, se representaram em Tavarede, em simultâneo, seis presépios!...
Sabendo nós quantas pessoas são precisas para pôr em cena o Presépio, embora, admitamos, fossem um pouco resumidos em relação aos Autos Pastoris que ainda vimos representados em Tavarede, no palco da Sociedade de Instrução Tavaredense, cedido para o efeito ao Grupo Musical, fácil é calcular que toda a população de Tavarede estaria ligada ao teatro. Como amadores, como músicos e como pessoal do palco, ainda havia gente para esgotar a lotação das pequeninas salas de espectáculo. Muitos iam da Figueira e dos arredores, como vimos.
Ora, tudo isto, porém, nos leva aos inícios da segunda metade do século passado. E antes?
Com muita surpresa nossa, ao folhearmos um caderno de recortes de jornais velhos e relacionados com o teatro, encontrámos a seguinte notícia:
D. Francisco de Almada e Mendonça, marido de D. Antónia Madalerna de Quadros e Sousa - 10ª. senhora de Tavarede
Recuando até ao ano de 1771, data em que a Câmara de Tavarede foi mudada para a Figueira, conjuntamente com as suas justiças, lembrar-nos-emos que era então senhor de Tavarede, Fernando Gomes de Quadros. Rezam as crónicas que este fidalgo foi um verdadeiro tirano para com o seu povo, vivendo, praticamente, como um senhor feudal. Pelos escritos que nos deixou o ilustre investigador e historiador Dr. Rocha Madahil, e de que já publicámos alguns no primeiro volume, sabe-se que o povo vivia aterrorizado com tal fidalgo.
Não permitia as menores liberdades aos tavaredenses de então. Inclusivamente, basta recordar que ele e os seus lacaios não tinham pejo em invadir a casa dos pobres residentes, se desconfiasse que tivessem feito um simples forno para cozer o seu pão ou assar um pedaço de carne.
Será bastante difícil acreditar que, vivendo nessas condições, o povo tivesse qualquer disposição, ou liberdade, para teatros. Parece-nos, portanto, lógico admitir que o Teatro em Tavarede terá surgido entre 1771, data em que os fidalgos perderam o seu poderio, e 1865, ano em que Ernesto Fernandes Thomaz cá veio assistir a uns teatros...
Não permitia as menores liberdades aos tavaredenses de então. Inclusivamente, basta recordar que ele e os seus lacaios não tinham pejo em invadir a casa dos pobres residentes, se desconfiasse que tivessem feito um simples forno para cozer o seu pão ou assar um pedaço de carne.
Será bastante difícil acreditar que, vivendo nessas condições, o povo tivesse qualquer disposição, ou liberdade, para teatros. Parece-nos, portanto, lógico admitir que o Teatro em Tavarede terá surgido entre 1771, data em que os fidalgos perderam o seu poderio, e 1865, ano em que Ernesto Fernandes Thomaz cá veio assistir a uns teatros...
Com muita surpresa nossa, ao folhearmos um velho caderno de recortes de jornais relacionados com o teatro, encontrámos a seguinte notícia:
“ A 13 de Maio de 1798 foi inaugurado o Teatro de S. João na cidade do Porto. Prestou este serviço à cidade o seu antigo corregedor Francisco de Almada e Mendonça”.
“ A 13 de Maio de 1798 foi inaugurado o Teatro de S. João na cidade do Porto. Prestou este serviço à cidade o seu antigo corregedor Francisco de Almada e Mendonça”.
Este Francisco de Almada e Mendonça era “moço fidalgo do conselho de D. Maria I, senhor da Villa de Ponte da Barca, 1º. alcaide-mór de Marialva, commendador da ordem de Christo, desembargador do Paço, intendente geral das obras publicas das trez provincias do norte, superintendente do tabaco e saboaria do Porto, intendente da marinha da mesma cidade, corregedor perpétuo da sua comarca, juiz geral das coutadas do reino e havia nascido a 30(?) de Fevereiro de 1757, e fallecido em 1804”.
Deixou obra importantíssima na cidade do Porto, que o perpétuou dando o nome de Rua do Almada a umas das, actualmente, mais importantes ruas da cidade.
Mas... e o que tem, ou pode ter, tudo isto com o teatro em Tavarede?
Apenas isto: este poderoso fidalgo tinha casado, a 26 de Dezembro de 1791, com D. Antónia Magdalena de Quadros e Souza, 10ª. senhora de Tavarede.
Recordemos, parcialmente, o que, no Dicionário Portugal Antigo e Moderno, Pinho Leal escreve sobre Tavarede:
“... Tinha aqui o seu solar, o benemérito D. Francisco de Almada e Mendonça que, quando aqui residia. era a providência dos povos destes sítios. As senhoras da sua família deram muitos ornamentos para a igreja matriz, alguns dos quaes ainda existem, assim como a sua casa e quinta, hoje dos condes de Tavarede...”
Relacionando tudo isto, ocorreu-nos uma ideia:
“... Tinha aqui o seu solar, o benemérito D. Francisco de Almada e Mendonça que, quando aqui residia. era a providência dos povos destes sítios. As senhoras da sua família deram muitos ornamentos para a igreja matriz, alguns dos quaes ainda existem, assim como a sua casa e quinta, hoje dos condes de Tavarede...”
Relacionando tudo isto, ocorreu-nos uma ideia:
Tendo sido um grande protector do teatro na cidade do Porto, aonde até mandou construir o Teatro de S. João, hoje Teatro Nacional de S. João, em edifício já reconstruído, pois o original foi destruído por um violento incêndio ocorrido na noite de 11 para 12 de Abril de 1918, não terá sido este ilustre fidalgo que, durante as suas longas estadias em Tavarede, tenha incutido no espírito dos tavaredenses o gosto pelo Teatro?
Ele, e a sua família, foram grandes amigos e beneméritos do pobre povo de Tavarede. Acreditamos que, tendo-os ajudado materialmente, terão, igualmente, promovido a sua cultura. E o teatro era, à época, um dos principais veículos culturais.
Aliás, os seus descendentes terão continuado a sua obra. Lembremo-nos que foi o seu bisneto, o terceiro conde de Tavarede, quem mandou construir no seu palácio um teatro. Deu-lhe o nome de outro dos seus avós: o Duque de Saldanha. Nos últimos dois decénios do século XIX e princípios do corrente, ali se representaram bastantes dramas e comédias. Por ali passaram grandes amadoras e amadores tavaredenses, dos quais basta recordar o nome ilustre de Almeida Cruz.
Será esta a realidade quanto ao aparecimento do teatro em Tavarede? Conforme dissemos é esta a nossa teoria. Errada ou verdadeira, a certeza que há é que também a chamada “Casa de Tavarede” teve um importante papel no desenvolvimento do teatro e da música na nossa terra.
Não foram somente tiranos ou déspotas, os fidalgos de Tavarede. Também, e até em grande maioria, foram figuras ilustres e honradas, amigas da nossa terra, donde alguns eram naturais. E esta ainda não deu qualquer prova de gratidão para com eles.Perpétuou, e com toda a justiça, outros nomes ilustres. Falta recordar para sempre o nome dos fidalgos de Tavarede numa qualquer rua, viela, praça, beco ou simples travessa.
Não é justo que a ilustre Casa de Tavarede seja somente recordada, e enquanto conseguirem resistir, pelas tristes ruínas do seu palácio. Quando estas ruírem totalmente, desaparecerá para sempre, nas gentes desta nossa terra, a memória daqueles que foram os senhores de Tavarede.
E terminemos este capítulo com uma frase do dr. Rocha Madahil e que bem simboliza a realidade: “mas a Figueira deve tudo o que é à velha torre de Tavarede”.
(Ao dar uma volta aos meus apontamentos mais antigos encontrei esta nota, e algumas outras, que julgo ter interesse. Aliás, este 'teoria' foi depois publicada no segundo livro de Tavarede - A Terra de meus Avós)
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