sexta-feira, 15 de maio de 2015

O Associativismo na Terra do Limonete - 128


...que o TEATRO VAI À RUA.
O ponto mais marcante dos actos festivos no terceiro trimestre, foi, com toda a certeza, o sarau realizado no dia 13 de Setembro, data em que se comemorava o 18º aniversário da morte de Mestre José da Silva Ribeiro. Nesse sarau, e depois de se ter prestado homenagem ao amador José Medina, pelos seus cinquenta anos ao serviço do nosso teatro, teve lugar a apresentação do livro do Centenário “100 Anos ao Serviço do Povo... e Caminhando”. Este livro foi publicado, numa edição de luxo, graças aos subsídios concedidos pela Secretaria de Estado da Cultura, Direcção Regional da Cultura do Centro, Fundação Calouste Gulbenkian e Celbi. A imprensa referiu-se ao evento, tendo nós escolhido estes dois apontamentos.

A Sociedade de Instrução Tavaredense (SIT) procedeu ao lançamento do livro que ilustra os 100 anos de existência desta colectividade. Intitulado “100 anos – ao serviço do povo… e caminhando”, a publicação, da autoria de Vítor Medina e coordenada por José Bernardes, foi apresentada na noite de segunda feira. Para o autor e presidente da direcção da SIT “é o complemento dos dois livros que o mestre José da Silva Ribeiro lançou.
Numa edição de luxo, foram impressos mil exemplares, que serão vendidos a 25 euros.
Presente na cerimónia, Duarte Silva garantiu que o município irá adquirir parte dos livros.
Falando sobre a SIT, o presidente da Câmara diz que “foi e é a jóia da coroa no concelho da Figueira no que se refere ao teatro” e lembrou que José Ribeiro “é uma referência nacional”. (Diário as Beiras – 15.Setembro.2004) 
A Sociedade de Instrução Tavaredense viveu aquele que foi considerado um dos pontos altos das comemorações do centenário, com o lançamento do livro “100 anos – Ao serviço do povo… e caminhando”, inspirado nos livros de José da Silva Ribeiro, evocado exactamente 18 anos depois da sua morte.
“Continuamos a respirar nestas quatro paredes, o enorme amor pelo teatro”. Foi assim, que o presidente da Sociedade de Instrução Tavaredense (SIT), evocando José da Silva Ribeiro, se dirigiu a todos os que quiseram partilhar daquele que foi considerado como o “ponto alto das comemorações do centenário”, uma cerimónia que chegou a estar prevista para o dia 27 de Março (Dia Mundial do Teatro) e “mais condizente com as actividades da colectividade”, mas que foi mudada para que o livro agora lançado, pudesse integrar fotos das comemorações do centenário.
Vítor Medina adiantou ainda que a figura do mestre José Ribeiro “há-de perdurar sempre, enquanto a colectividade existir” e que “grande parte do livro é um complemento”, aos livros lançados pelo mestre, aquando das bodas de ouro e diamante da colectividade.
Com recolha e texto de Vítor Medina, e coordenação do professor José Augusto Bernardes, o livro, à venda por 25 euros, está “dividido” em cinco partes, “marcos do passado”, “cem anos de teatro”, “o centenário” e “quadros históricos”, é “uma edição de luxo, com mil exemplares”, e apesar do presidente da direcção estar “consciente de que não os vamos vender todos”, garante que os apoios e patrocínios “cobrem metade”, e uma parte será guardada pela colectividade.
À cerimónia, que contou com a presença de diversas entidades da região, aliou-se o presidente da Câmara por considerar que a SIT “é a jóia da coroa da Figueira”. Sem querer “ofender e menosprezar” outras colectividades, Duarte Silva recordou que José da Silva Ribeiro “é uma referência nacional” e que a colectividade mantém a sua “tradição”, no domínio do teatro. (Diário de Coimbra – 15.Setembro.2004)

 Também não podemos deixar de aqui registar o concerto dado pelo Grupo Musical Sax Ensemble, de Coimbra, que foi realizado na Igreja Paroquial de Tavarede, o qual foi muito concorrido. E, ainda neste trimestre, teve lugar o II Encontro de Filarmónicas do Centenário, desta vez com a presença das Bandas de Quiaios, da Boa União Alhadense e de Arazede.

          O último trimestre de 2004 começou com a abertura da exposição “100 anos de vida e de teatro”, no Centro de Artes e Espectáculos, na Figueira da Foz, onde esteve patente ao público até ao dia 2 de Novembro. No ano do primeiro centenário, a SIT apresenta retalhos do seu espólio, de forma a mostrar momentos significativos da sua vida em prol do desenvolvimento cultural, assente na matriz do teatro. Os ecos deste trabalho saíram de Tavarede, estenderam-se para fora do concelho tendo mesmo chegado além-fronteiras. Repregos de cenários, maquetas, estudos de peças, mobiliário, adereços de cena, indumentária, fotografias, programas, publicações, prémios, compõem a mostra do labor daqueles que, ao longo de muitos anos, se vêm dedicando à causa da cultura e do teatro. Neste caminhar iniciado há muito tempo, construímos um passado e cimentámos o presente na senda do futuro, escreve-se no programa desta exposição.
A abertura da exposição teve a presença do Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz, da Vereadora do Pelouro da Cultura, muitas outras individualidades e grande número de sócios, amadores e colaboradores da Sociedade de Instrução Tavaredense.
A exposição recebeu a visita do Primeiro Ministro do Governo Português, Dr. Pedro Santana Lopes, da Ministra da Cultura, Drª Teresa Caeiro, da Delegada da Cultura da Região Centro, Drª Celeste Amaro, do Vice Governador Civil do Distrito de Coimbra, Engº Ricardo Alves, etc.
De acordo com o catálogo emitido para esta Exposição, estiveram expostos, nas quatro salas cedidas, 161 objectos, entre cenários, guarda-roupa e adereços.

         O dia de S. Martinho, o padroeiro da nossa freguesia, foi comemorado com um sarau, no pavilhão desportivo, no qual foram evocadas as primeiras operetas e fantasias com acção na nossa terra. Não podemos deixar de referir, que foi este sarau o embrião do qual viria a nascer, meses mais tarde, o Grupo Coral Cantigas de Tavarede. No final do serão, oferecida pela colectividades a todos os presentes, houve uma castanhada.
 Também em Novembro se realizou um encontro das colectividades da freguesia.     

E durante o mês de Dezembro, e até ao final das comemorações, teve lugar “A luz do Natal”, com recriações em ‘Luz negra’.
          E depois de uma festa de Natal, oferecida às crianças da freguesia, efectuou-se uma ‘Passagem do Ano do Centenário’.


         Os últimos eventos das comemorações tiveram inusitado brilho. A 5 de Janeiro de 2005, a SIT recebeu, na sua sala de espectáculos, a Orquestra Silver Strings, de S. Petersburgo, Rússia, que apresentou um concerto verdadeiramente extraordinário e inédito na nossa região. Uma casa completamente cheia, com uma assistência que se mostrou encantada com este serão.         
          No domingo seguinte, mais uma vez o pavilhão desportivo da colectividade foi pequeno, tantas foram as pessoas que já não conseguiram obter entrada. Teve ali lugar o ‘Almoço de Gala’, que teve uma animação invulgar que foi dada pelo Grupo de Cordas e Cantares de Coimbra.
         Sábado, dia 15 de Janeiro, o grupo cénico levou à cena, em primeira representação, a peça O leque de Lady Windermere, de Oscar Wilde, cujo sucesso foi enorme e que se repetiu diversas vezes, embora já fora do âmbito das comemorações. 


         Finalmente, e no domingo 16, encerraram-se as festividades. Depois de uma actuação pelo Coro de Câmara do Orfeão de Valadares, teve lugar a sessão solene, a qualfoi presidida pela secretária de Estado da Administração Pública, doutora Maria do Rosário Cardoso Águas, neta do saudoso alhadense Anselmo Cardoso Júnior, que foi um grande colaborador do nosso grupo dramático, autor de muitas músicas cantadas em diversas fantasias. Assistiu a esta sessão, a Filarmónica de Lares que, em homenagem à ilustre presidente, tocou a ‘Canção do Limonete’, composição musical de seu avô, cuja letra, da autoria de Mestre José da Silva Ribeiro, foi cantada, em coro, por toda a assistência presente.


         E foi em ambiente verdadeiramente festivo que, com este acto solene, se encerraram as comemorações do primeiro centenário da Sociedade de Instrução Tavaredemse.



sábado, 9 de maio de 2015

Tavarede - A Terra de meus Avós - 5

Tavarede – anos quarenta…
  







Nasci em Tavarede, numa pequena casa da rua Direita, um pouco abaixo do Largo do Paço, nos já distantes anos trinta do século passado. Aqui me criei e vivi a minha infância e a minha juventude, tempos felizes e despreocupados, até ao ano de 1958, quando, por motivos profissionais, abalei para Lisboa. Quando regressei, anos mais tarde, fixei a residência familiar na Figueira. Mas, e quase que diariamente, as nossas visitas a Tavarede sucediam-se. A família mais chegada continuava a aqui residir e, se eles desejavam a presença familiar, nós igualmente nos sentíamos aqui muito bem. Afinal de contas eramos filhos da terra…

Talvez por isso, não deixo de ter uma certa apreensão ao começar a recordar os meus tempos de infância. Mas, e isso quero desde já afirmar, não é por uma questão de saudosismo. É verdade que, uma vez por outra, não poderei deixar de sentir uma certa “saudade”, mas, no caso, será mais correcto falar em “sentimentalismo”.

         Desde sempre, e isso mesmo tenho observado nas minhas recolhas, os tavaredenses tiveram, e têm, fama de serem uns “sentimentalões”, especialmente em questões de bairrismo. Claro que eu não sou a excepção à regra. Mas, e disso estou bem convicto, esta viagem aos meus tempos de menino e moço vai saber-me muito bem.

         Para me não alongar em demasia, e porque o período escolhido é mais do que suficiente para os meus propósitos, vou viajar até à década dos anos quarenta do século passado, digamos, portanto, mais de sessenta anos atrás. Certamente que algumas das minhas lembranças me levarão fora daquele período, mas evitarei fazê-lo o mais possível.

         Começo por recordar, uma vez mais, que a terra do limonete era, naquele tempo, muito diferente daquilo que é nos nossos dias. Curiosamente, pode dizer-se que a aldeia mudou mais em vinte ou trinta anos, do que nos seus primeiros nove séculos de existência. Vista, por exemplo, da velha estrada de Mira, o casario de Tavarede apresentava uma forma de um triângulo quase perfeito, bem marcado nos seus vértices: Igreja, Paço e Terreiro. Bastará atentar na antiquidade daqueles três edifícios para confirmação do que referimos.

         Circunscrevendo a aldeia, e começando pelo lado nascente, tínhamos a quinta da Mentana, onde, nos princípios daqueles anos, ainda vivia o seu proprietário, João Gaspar de Lemos   Amorim, poeta que tão bem cantou a nossa    terra e a sua vida agrícola. Depois, contornando o burgo até ao Terreiro, tínhamos a quinta do Nabal, da parte de
cima do cemitério, o início das Azenhas, o Carriço e a encosta até ao Pezo, seguindo-se depois, para poente, a caminho do Paço, os terrenos do dr. Cruz, a quinta do Pezo e


a quinta de José Duarte. Do lado sul, havia a quinta do Paço, com a sua frondosa mata, na Várzea, e até ao Largo da Igreja, ficavam as verdejantes e viçosas hortas do Serrado e do Quintal do Ferreira, com todos os bocadinhos amorosamente amanhados.

         Fora destes limites, uma ou outra casa. Os lugares da Simôa, Nabal, Azenhas, Pezo, Senhor da Arieira e Várzea, ainda se encontravam perfeitamente destacados. Estes eram os mais próximos mas, como referi, ainda isolados do velho burgo.

         Naquele tempo a vida na aldeia era bastante calma e serena. Os maiores ruídos que se ouviam, era de manhã bem cedo e à noitinha, e eram feitos pelos carros de bois que atravessavam a povoação a caminho das fazendas, muitas vezes carregados de estrume e dos apetrechos e alfaias agrícolas. No regresso, traziam os produtos colhidos da terra fecunda e o pasto para alimento do gado. Muitos destes carros, também frequentemente iam de madrugada à estação do caminho de ferro, em busca de algum rendimento no carrego das encomendas vindas nos comboios e que se destinavam ao comércio e armazéns da cidade.

É inevitável a recordação da passagem dos carros de bois gandarezes que, da estrumeira da Várzea ou das areias de Buarcos, levavam o “adubo” tão necessário ao cultivo das suas terras areentas. Às vezes formavam uma enorme caravana que, vinda de Buarcos, atravessava pachorrentamente a aldeia, pela velha rua Direita, subindo depois, com esforço, pela estrada do Saltadouro a caminho da Cova da Serpe e lugares mais distantes.

         Quando passavam por Tavarede, corríamos todos à espreita para ver se caíam alguns pilados com os balanços dos carros, ao percorrerem a rua esburacada. Já conhecíamos os melhores sítios e mal víamos um pilado a correr no chão, logo saltávamos a apanhá-lo, apesar dos ralhos do dono. Depois de cozidos, eram uma bela merenda.

         Também manhã cedo, algumas carroças puxadas a burricos, atravessavam a aldeia a caminho da Figueira, levando enormes carradas de hortaliças e flores ao mercado, de que eram os principais fornecedores. Muitas mulheres, que tinham menos produção, transportavam, em cestas que levavam à cabeça, as couves e as novidades apanhadas na véspera, pela fresquinha. Tinham fama as couves de Tavarede. “Não surgem no mercado da Figueira – nem haverá por essa bola do mundo – hortaliças e novidades mais apaladadas e gostosas. Que aquilo é campo bendito – que Deus fadou para regalo e gozo dos eleitos”, escrevia-se no boletim do Turismo, em 1945.

         E quanto a flores, lembro um dito do saudoso professor Doutor Joaquim de Carvalho, que dizia “as mulheres de Tavarede, com o seu bom gosto, têm uma arte especial para construírem um ramo de flores”.

         Também pelas manhãs e ao entardecer, a aldeia era sacudida da sua modorra, com a passagem dos dois rebanhos de cabras que então cá existiam. No Paço, albergava-se o rebanho do sr. Marcelino, proprietário e talhante na Figueira, e que tinha como cabreiro ao seu serviço, o Diogo, da Chã. Um pouco adiante da fonte, no caminho da Várzea, vivia Joaquim Lopes, mais conhecido por Joaquim Tarouco, que igualmente tinha um rebanho de cabras que, com o filho, Evaristo, levava a apascentar aos valados ou pousios dos arredores. Na Figueira, no Bairro Novo, eram bem conhecidos os pregões do Joaquim Tarouco, quando ali ia vender leite.

         As noites eram silenciosas. E no verão, nas quentes noites estivais, era grande a concorrência de pessoas à fonte, onde gozavam de uma fresquidão muito agradável, depois de se refrescarem com a água pura e cristalina que, sem cessar, caía dos seus canos em leve murmúrio. Outros iam até ao Largo da Igreja, onde se sentavam no velho muro, respirando gostosamente a fresca brisa, olorosamente perfumada a limonete, enquanto, tantas vezes, ouviam deliciados os doces trinados dos rouxinóis e dos pintassilgos, que ainda abundavam por ali, nos salgueirais do ribeiro.

         Ao recordar isto, vem à minha memória a “caça” que os rapazes faziam aos pirilampos, que voejavam à nossa volta num constante pisca-pisca. Apanhávamos quantos podíamos. Chegados a casa, metíamo-los num copo, voltado com a boca para baixo, acompanhados de um pequeno punhado de pedras de sal. De manhã, era certo. Lá estava a pequena moeda que, trabalhando o sal, os pirilampos haviam produzido durante a noite. Que ingenuidade a nossa!


* * *

O Associativismo na Terra do Limonete - 127

O que eles e elas disseram:
“Considero que o teatro é a forma de arte que mais nos interpela e nos confronta com os nossos valores. Quero deixar aqui a palavra “memória”, evocativa de todas as pessoas que tanto nos deram e nos enriqueceram ao longo de cem anos, com dedicação e esforço”. Ana Pires
“Abordar a história da SIT é recordar Mestre José Ribeiro autor do Hino do Limonete e Anselmo Cardoso, meu pai, que o musicou”. Carlos Cardoso
“Esta casa vive de muito trabalho, dedicação à cultura e ao teatro. A presença do secretário de Estado da Cultura é o mais forte incentivo para continuar”. José Paz
“Sublinho o apoio de Rosário Águas e de Teresa Machado, sempre disponíveis para nos ajudar. O que nos une nesta casa é o palco das emoções para além da razão”. Ana Maria Caetano
“Falei aqui há 50 anos com Cristina Torres e Lontro Mariano. Hoje, na comemoração do centenário, quero expressar a minha satisfação por estar aqui a agradecer o trabalho realizado ao longo de cem anos. Esta casa foi uma escola de educação, instrução, cultura, convívio, teatro, onde os conceitos de liberdade, solidariedade e cidadania estiveram sempre presentes. A obra iniciada há cem anos terá continuadores em vós”. Maria Teresa Coimbra
“Tavarede não era o que é, se esta casa não existisse. Por isso, Tavarede não entrou na onda da descaracterização, mantendo a sua identidade própria. A SIT e José Ribeiro foram, ao longo de cem anos, o emblema cultural da Figueira da Foz. O futuro há-de ser sempre o que quisermos fazer, se não quisermos atraiçoar a memória do passado”. José Bernardes
“A grande referência desta colectividade é o teatro, uma das vertentes de cultura, que nos leva a todos, a estar gratos à SIT. Que estas comemorações dêem frutos e sementes que germinem na mente e no coração dos mais jovens”. Daniel Santos
“É bom sentir uma casa viva, cheia, com cem anos de história e sempre apostada em construir um caminho de futuro”. Ricardo Alves, representante do Governo Civil
“Lembro-me o que há mais de 50 anos ouvi de José Ribeiro: A SIT estará sempre presente se a Câmara Municipal necessitar da nossa presença. Esta casa é uma escola. Bem hajam pelo trabalho desenvolvido”. Muñoz de Oliveira

Nas semanas seguintes, outros espectáculos se realizaram, nomeadamente com a repetição da Marcha do Centenário e com colaborações diversas, entre as quais um sarau pelo Coral David de Sousa, da Figueira. E no dia 17 de Fevereiro, foi evocada a memória da amadora Violinda Medina e Silva, que, nesse dia, festejaria também o seu centenário, se ainda fosse viva.
E o primeiro trimestre terminou no Dia Mundial do Teatro. Nesse dia, a Sociedade foi homenageada pelo Lions Clube da Figueira, que ofereceu uma placa comemorativa, a qual se encontra colocada no átrio da entrada principal da associação. Aproveitando a data, também foi prestada homenagem à memória do saudoso amador e encenador João de Oliveira Júnior, sendo o seu retrato descerrado. O serão terminou com a representação da peça Sopinha de Mel, pelo Clube de Teatro Drª. Cristina Torres.



O segundo trimestre teve, no seu início, o reviver de uma velha tradição, havia muito caída no esquecimento. A ‘Festa da Pinhata’, que teve a colaboração da orquestra ‘Melodias de Sempre’, de Brenha, decorreu durante um dos costumados almoços mensais, tendo obtido enorme sucesso.
E depois de diversos saraus, dos quais podemos destacar os concertos com o Padre Borga e o do Grupo de Instrumentos de Sopro de Coimbra, efectuou-se o I Encontro de Filarmónicas do Centenário, em que estiveram presentes as Bandas Gualdim Pais, de Tomar, de Santana e dos Carvalhais de Lavos, que actuaram no pavilhão desportivo, que se encontrava repleto de assistentes.
Em Junho, houve novamente ‘Teatro de Rua’. Desta vez foram apresentados, em diversos locais da aldeia, alguns quadros do espectáculo ‘Marcha do Centenário’.

ANTES DE SAIR PARA A RUA...
Porque o Teatro é um divertimento, tem uma função cultural e educativa e porque o espectáculo se dirige ao público, assim estes meios e fins conduzem-nos à escolha de determinado processo de comunicação que é o contacto directo com as pessoas e com os lugares onde se desenrolam as acções.
Vamos assim  adoptar um  processo bem diferente do que é usado habitualmente, nestes cem anos em que se faz teatro, porque os intérpretes vão mais do que nunca tomar consciência das respectivas personagens, dos sentimentos que lhes vai na alma, das ideias que as determinam, da época em que vivem, dos ambientes em que se movem.
Os quadros que vamos representar, são de fundo histórico caracteristicamente local – bem da terra do limonete, constituída sobre factos e com figuras da história de Tavarede, com as tradições locais, os costumes locais e o ambiente local.
Ficará este trabalho como testemunho da nossa dedicação à terra humilde onde nascemos, temos vivido e de que muito gostamos, como hino ao trabalho e também como afirmação da simpatia que votamos e da solidariedade que nos liga a todos os homens e mulheres da nossa aldeia.
José Ribeiro, dizia que estes quadros eram dos tais feitos apenas para serem vistos sobre as tábuas do palco.
Fomos  pôr a água ao lume para fazer este chá nas ruas da  terra do limonete.
Mais uma vez contamos com a ajuda do mestre...
Como José Ribeiro escreveu:
"É tempo de bater as três pancadas.
Pano acima..."
E nós continuamos:
...que o TEATRO VAI À RUA

sábado, 2 de maio de 2015

Tavarede - A terra de meus avós - 4

A evocação, de António Broeiro


A segunda descrição, de António da Silva Broeiro (sobrinho), é bastante mais recente e muito diferente. Data de 1938. Antecedo-a de um pequeno comentário sobre os tão falados “Broeiros”, pois também eles merecem uma recordação nestas minhas histórias e esta é uma oportunidade muito aproveitável para esse efeito.

         Ainda hoje, apesar de já ter decorrido mais de meio século sobre a data do seu falecimento, os Broeiros, de Tavarede, são recordados pelos mais idosos como dois dos maiores amadores dramáticos que passaram pelo palco da Sociedade de Instrução Tavaredense. Referimo-nos, é claro, aos irmãos António e Jaime da Silva Broeiro.
         Como reconhecimento e preito de gratidão pela sua actividade teatral, aquela colectividade tem os seus retratos expostos no salão nobre da sua sede.
         Pode dizer-se que, desde sempre, os tavaredenses tiveram uma origem bastante humilde. Os Broeiros não foram excepção. Seus pais, Henrique Broeiro e Emília Silva viviam modestamente, com os seus 4 filhos, aqueles dois mais outros dois mais novos, Manuel e José, numa pequena casa sita na Rua do Outeiro.
         Sobre o mais velho, António, escreveu mestre José Ribeiro no livro “50 Anos ao Serviço do Povo”:
         “Escrevemos estas notas (referia-se à escola nocturna na S.I.T.) e vemos surgir diante de nós a figura de António da Silva Broeiro. Estamos a ouvi-lo naquela sessão solene em que, pouco tempo antes de morrer, a todos surpreendeu e comoveu com a sua espontânea e impressionante confissão. Apresentava-se como produto da Sociedade de Instrução Tavaredense. “Eu sou, dizia ele, o que a Sociedade de Instrução Tavaredense de mim fez. Devo-lhe tudo. Comecei lá em baixo, na escola da noite, onde me ensinaram a ler, escrever e contar. Só à noite podia ir à escola: teria ficado analfabeto se não fosse a escola nocturna. Depois trouxeram-me para o teatro (e recordava o nome de João dos Santos), ensinaram-me a compreender o que lia, ensinaram-me a falar, a conversar, a ouvir. Aqui fui instruído e educado. Recebi lições, aprendi coisas, tive ensinamentos, fixei exemplos que me serviram pela vida fora. A acção da Sociedade de Instrução Tavaredense exemplifico-a em mim próprio”.
         “António Broeiro viera da mais humilde condição, vivia na extrema pobreza quando o mandaram à escola da noite, porque de dia aprendia o ofício de sapateiro; trabalhou, fez-se homem, conquistou estima, consideração e bem estar. Quando a morte o surpreendeu, aos 59 anos, em Março de 1945, era um dos primeiros elementos do grupo cénico e, comerciante muito estimado, dirigia o seu bem montado estabelecimento de sapataria na Figueira da Foz”.
         Seu irmão Jaime, casado com Ana Rôla, viveu na então chamada Rua de Cima. Teve três filhos, António, Joaquim e Celeste. Também ele foi um profissional de sapataria. Faleceu em Lisboa, a 19 de Agosto de 1945, ficando o seu corpo sepultado no cemitério do Alto de S. João. Tinha 58 anos de idade. Como se vê estes dois irmãos faleceram ainda bastante novos e, curiosamente, no mesmo ano, com poucos meses de permeio. 
         O filho mais velho deste último, António da Silva Broeiro, do mesmo nome que seu tio, nasceu em Tavarede em 1909. Bastante novo, começou a trabalhar como tipógrafo, na Tipografia Popular, na Figueira da Foz, tendo sido um dos fundadores do jornal “Domingo”, que teve existência curta. Chegou a secretário do jornal “Gazeta da Figueira, que era composto e impresso naquela tipografia.
         Procurou outro destino. Tendo concorrido à função pública, foi admitido como funcionário administrativo na Colónia Penal António Macieira, em Sintra, onde passou a residir com sua esposa, Laura Cândida Mendes da Silva Broeiro. Tiveram um filho.
         O seu espírito jornalístico levou-o a colaborar activamente no Jornal de Sintra, do seu conterrâneo e amigo António Medina Júnior, tendo sido, em determinada ocasião, nomeado chefe da redacção deste periódico. Escreveu para outros jornais, tendo-se ainda dedicado à poesia e ao teatro.
         Vitimado por doença, faleceu em Lisboa, no Hospital de S. José, em Dezembro de 1943. Contava somente 34 anos de idade. Talvez tenha sido o desgosto por esta morte tão prematura que, pouco mais de um ano depois, terá motivado o falecimento de seu tio e de seu pai.
         É dele o artigo a seguir, publicado no Jornal de Sintra, em 20 de Julho de 1938, e em que recorda a sua terra. Ao recordá-lo, nada mais fazemos do que prestar uma singela homenagem à memória destes saudosos tavaredenses.

Saudades - Quando se ronda pela casa dos trinta, falar da nossa terra, forçoso é que se evoque.
         Ainda que não queiramos.
         O nosso coração, o nosso sentimento, há-de por força trazer a lume as recordações que estão algemadas à nossa vida...
         A saudade aviventa, dá forma a essas recordações, que já se desfaziam na bruma do tempo, e surgem, enriquecidas pela nossa imaginação, as imagens dos nossos tempos de criança...
         O nosso primeiro amor! Como ele anda ligado à saudade da nossa terra!?
         Quem é que, ao lembrar os tempos ditosos da mocidade, não tem a ela ligado, por laços indeléveis, a lembrança do primeiro amor!? Quem!?
         E eu lembro a minha aldeia! A aldeia onde nasci, onde me criei, onde corri, despreocupado e feliz, pelos outeiros e pelos serrados; pela várzea e pela colina; ora caçando rãs nos valeiros, ora subindo aos choupos à caça de ninhos de pardal!...
         ... e as manhãs doiradas do sábado de aleluia em que os sinos repicavam festivos, e eu e os cachopitos da minha idade, esbaforidos, corríamos à igreja com uma caneca de água colhida no rio para que o senhor vigário Manuel Vicente no-la benzesse para as nossas mães borrifarem as casas para que o espírito maldito do bruxedo lá não entrasse...
         ... e nas manhãs radiosas de domingo de Páscoa, eu ia, de fato novo à marinheira, de colar engomado muito branco e laçarote pendente do pescoço, até à igreja, ouvir missa e beijar o menino Jesus que estava deitado numas palhinhas...
         ... mas meia hora depois, quando eu estivesse farto de andar na brincadeira, com o fato enxovalhado e porco, eu dava um doce a quem fosse capaz de olhar para mim sem sentir vontade de me bater... Era uma dó! Um fato tão bonito...
         Como eu brinquei! Como eu fui feliz...
         Era uma criança e a vida não me preocupava.
         Mas agora outras cadeias me prendem! Outros amores me preocupam!...
         Mas a saudade da minha aldeia, de Tavarede, essa subsiste, e tão intensa, que daqui, eu vejo, com os olhos da alma, a casa onde nasci, e onde minha mãe me aconchegou, me deu os primeiros beijos, e os primeiros açoites...
         E bem merecidos eles foram, pelo visto, porque, homem feito já, eu não os esqueço, para me servirem de estímulo em acções presentes...

Lúcia-Lima! Tavarede, que fica a dois quilómetros e meio da Figueira, dos puxados, aconchega-se na várzea ubérrima, entre encostas verdejantes e floridas.
         Quem vai da Figueira pela estrada, depara, sem esforço, com o antigo palácio dos Condes de Tavarede, pitoresca construção solarenga, com os seus pináculos ornamentados, as gárgulas e as janelas ogivais, em pedra magnificamente rendilhada.
         Já esqueceu ao povo o déspota que em remotos tempos ali viveu intra-muros.
         Agora, a apalaçada construção, morre, desprezada, com a sua arquitectura a esboroar-se com o rodar do tempo.
         Mas Tavarede tem uma coisa mais pitoresca ainda que o seu histórico palácio: a Lúcia-Lima.
         Em noites de verão, os banhistas que se afastam do bulício da cidade, são, quando se aproximam da ridente aldeia, deslumbrados por um perfume intensíssimo que se desprende desta planta.
         O limonete, como lhe chamam, na sua linguagem chã, os tavaredenses, é a graça da terra..
         Quando vêm, pelo S. João, as cavalhadas de Brenha ou Buarcos, as moças enfeitadas com ramilhetes de limonete no peito gracioso, têm encanto, têm frescura...
         O ar rescende! E o aroma da Lúcia-Lima no ar embalsamado, faz crer a quem o respira que aquela planta ali se cria com fértil prodigalidade...
         E é verdade! Com tanta fartura, tanta, que até já alcunharam a minha linda aldeia de terra do limonete!

Teatro de amadores Os furiosos do teatro, foram sempre, em Tavarede, dos mais ferrenhos...
         Grata lembrança tenho eu na minha mente, a respeito de espectáculos de amadores...
         Mas sem ser do meu tempo, já em mil oitocentos e setenta e tal se representavam em Tavarede, as mais difíceis peças no Teatro do Palácio.
         A sala de espectáculos de então, é agora uma estrebaria...
         O entusiasmo era de tal ordem já nesse tempo, que a autoridade teve que mandar encerrar a sala de espectáculos por causa das desordens que os despiques provocavam...
         A sala encerrou-se mas os amadores redobraram de capricho...
         ... e foi então que, em 1904, se fundou a actual Sociedade de Instrução Tavaredense.
         Os seus fundadores foram: Manuel Rodrigues Tondela, Augusto Biscaia, Manuel Fernandes Júnior, César da Silva Cascão, João Miguens Fadigas, João d’Oliveira, José Cardoso, António Jorge da Silva, António Luiz Motta, Joaquim Saraiva, Fradique Baptista Loureiro, António Gomes d’Apolónia, Manuel dos Santos Vargas e Francisco Cordeiro.
         A nova associação propunha-se manter uma escola nocturna que tem funcionado ininterruptamente até aos nossos dias. Para a sua manutenção, angariação de fundos se impunha.
         E foi então que se criou um grupo de amadores que, num teatro que era pertença da referida associação, dava espectáculos cujo produto se destinava á subsistência da referida escola, fornecendo material escolar aos alunos, etc.
         A instrução aos alunos, nos quais se contavam alguns já homens, era ministrada gratuitamente por amigos dedicados da associação, dos quais é justo destacar Manuel Tondela, já falecido, pai da esposa do distinto artista figueirense e nosso prezado amigo sr. António Piedade.
         Actualmente as aulas nocturnas da Sociedade de Instrução têm uma frequência superior a 80 alunos.
         O Grupo Dramático da Sociedade de Instrução Tavaredense, melhorou consideravelmente desde que o brilhante jornalista e orador José Ribeiro foi nomeado ensaiador.
         Espírito culto, conhecedor profundo da arte teatral, ele guindou o grupo de amadores de Tavarede a uma altura que, muito poucos, talvez mesmo nenhum grupo de amadores da província, tenham atingido.
         Falam a esse respeito, e melhor do que nós, a quem podem acoimar de suspeito, os críticos das cidades onde se tem exibido, como Figueira da Foz, Porto, Coimbra, Tomar, Viseu, Leiria, etc.
         Críticos exigentes não lhe regatearam louvores.
         O Primeiro de Janeiro, O Século, o Diário de Notícias, o Diário de Coimbra, etc. destacaram valores dentro do grupo; e os nomes de Violinda Medina, Emília Monteiro, Maria Teresa, João Cascão, Jaime Broeiro, António da Silva Broeiro, Manuel Nogueira, António Graça, António Santos, etc. surgem aureolados de fama.
         O Grupo Dramático da Sociedade de Instrução Tavaredense conta no seu activo com enorme quantidade de espectáculos de beneficência a favor do Asilo S. João do Porto, Ninho dos Pequeninos, Asilo da Infância Desvalida, Diabéticos Pobres, Maternidade, Associação de Socorros Mútuos dos Artistas e Grémio dos Empregados no Comércio e Indústria, de Coimbra, Misericórdia e Jardim Escola João de Deus, da Figueira da Foz, Santa Casa da Misericórdia e Sopa dos Pobres, de Tomar, e Jardim Escola das Alhadas.
         O Grupo Dramático da Sociedade de Instrução Tavaredense teve já um convite para representar em Lisboa, em récita de gala, convite que não pôde ser aceite por imperiosos motivos.
         Peças representadas pelo Grupo Dramático da Sociedade de Instrução Tavaredense:
         O Sonho do Cavador, com 32 representações; A Cigarra e a Formiga, com 12 representações; Em busca da Lúcia-Lima, com 8 representações; Grão-Ducado de Tavarede; Evocação; Noite de Agoiro; Má Sina; A Espadelada (infantil), com 14 representações; Frei Tomaz; Os fidalgos da Casa Mourisca; As três gerações; As pupilas do Sr. Reitor; A canção do Berço; A Morgadinha dos Canaviais; Justiça de Sua Magestade; A Morgadinha de Val-flor; O Grande Industrial; Entre Giestas; Génio Alegre, etc.
         O trabalho dessa gente, gente humilde, que trabalha de dia e à noite se instrui no teatro, sofre comparação com o trabalho de artistas...
         E os críticos não se cansam!
         E o grupo segue, na sua carreira triunfal.
         Actualmente ensaia a Recompensa, oferta gentilíssima ao grupo do grande dramaturgo Dr. Ramada Curto. Esta oferta foi um triunfo para o grupo, porque a gentileza do Dr. Ramada Curto, distinguindo o grupo de Tavarede para a interpretação da sua famosa peça, fala mais, e mais alto, do que toda a crítica portuguesa...

Mais outro grupo! Mas quando era mais acesa a rivalidade entre os amadores tavaredenses, outro grupo se fundou: o Grupo Musical de Instrução Tavaredense.
         Foram seus fundadores, António Medina, José Medina, Ricardo Simões Nunes, respectivamente pai e tios do director deste jornal, Joaquim Severino dos Reis, Manuel Vigário, José Maria da Silva, José Migueis Fadigas, João Jorge da Silva, A. Medina Júnior, etc.
         Lembro-me, de que, quando ainda era um garotelho, fugia de casa para ir assistir aos espectáculos.
         António Medina Júnior, António Medina, José Medina, Emília Pedrosa Medina, Violinda Medina e Silva, Manuel Nogueira, etc., representavam então no novo grupo, num despique tão renhido com os de lá de cima, que só a eles se deve sem dúvida a magnífica plêiade actual de amadores que se esforçaram, à porfia, por fazer melhor uns que outros. E o resultado, pode dizer-se que foi maravilhoso...
         Dele saíram amadores que se podem classificar de grandes, em qualquer parte.
         A Sociedade de Instrução Tavaredense mantém actualmente, em casa própria, um grupo de amadores teatral e uma escola onde recebem instrução para cima de oitenta alunos.
         O Grupo Musical Tavaredense, instalado no Palácio dos Condes de Tavarede, mantém uma aula de música que é frequentada por mais de 40 alunos, não contando com a sua afamada e bem organizada Tuna - a popular Tuna de Tavarede.
         Qualquer das associações tavaredenses marcaram já o seu lugar exuberantemente, a pontos de Alguém - com A grande - afirmar, solenemente, que Tavarede, em educação músico-teatral, caminhava na vanguarda de todas as terras suas semelhantes de Portugal!

Pic-Nics Entre os componentes dos dois grupos tavaredenses cada vez são mais estreitas e afáveis as relações.
         E assim, todos os anos se juntam, num passeio de franca confraternização, que pode ser para a Serra da Boa Viagem, ou para o pinhal do Sr. Dr. Cruz, na Borlateira. Para lá foi o deste ano, e lá tirámos os pitorescos motivos fotográficos que publicamos.
         As panelas fumegam, e refervem, e os pitéus, feitos ali, num alegre convívio e à sombra amiga dos pinheiros amigos, parece que têm outro sabor, o sabor da liberdade com que são comidos...


       
Depois há baile. Alegre baile, em que se bate, com mestria, o vira e o estalado.
         E é vê-los, os pares, novos e velhos numa porfia, rodopiando e lançando ao ar embalsamado pela seiva dos pinheiros, as cantigas que dizem da alegria dos seus corações sempre moços...
         São assim, alegres, os pic-nics da minha terra...
         ... E eu relembro-os, porque tenho saudades, saudades dos tempos em que, descuidoso, enlaçava a cintura das raparigas, airosas, risonhas, cheirando a limonete...
         ... e dançava, alegre, o vira e o malhão...

Água fresquinha - Na várzea, mesmo na várzea, em pitoresca fonte, limpa, encantadora, brota a linfa cristalina... A água de Tavarede, famosa já pela sua pureza, leve e macia, de temperatura agradabilíssima tanto no verão como no inverno, caudal uniforme, é uma das preciosidades da aldeia.
         A fonte tem poesia! À tardinha, ao morrer do sol no poente afogueado, as raparigas vão, airosas, de bilha à cabeça, colher a água pela fresca...
         Em noites de luar, quando o ar está perfumado de limonete a frescura da fonte e os seus assentos de pedra convidam o banhista a um agradável repouso...
         E a linfa murmura, murmura sempre, correndo das duas bicas da fonte, e no ar, rescendendo a limonete, a sua canção, canção que não se extingue, é doce inspiração para corações de namorados que adregam de refrescar suas bocas na água múrmura e cristalina da Fonte de Tavarede...

Paisagem!  Passeio magnífico, cheio de beleza, é o que se efectua indo para a Serra da Boa Viagem, passando por Tavarede e Brenha.
         A várzea vicejante cortada por frescos canaviais, os ribeiros cantando no leito pedregoso, os vinhedos e os campos de trigo, cortados por extensas fileiras de esguios choupos, dão à paisagem tavaredense o aspecto das várzeas minhotas...
         ... e lá mais para cima, nos Canos, onde a água, a chapinar na roda das azenhas as faz mover, no rodar bendito que alimenta a mó que há-de transformar o trigo em farinha branca de neve, os salgueiros, delicados, a guardar as hortas, tornam a paisagem diáfana, com a sua folhagem tão mimosa...
         ... e as velas brancas dos moinhos a rodarem sem parança, no cimo dos montes, e lá dentro a mó rom-rom-rom, sempre, sempre sem descanso, dão ao bucólico panorama, movimento, vida...
         ... e dão o pão e a fartura aos lares dos aldeões...

         ... dos aldeões da minha terra!               


O Associativismo na Terra do Limonete - 126

         O espectáculo de gala, concebido e ensaiado pelas amadoras Ilda Manuela Simões e Ana Maria Caetano, evocou o passado teatral da colectividade. A comemorar os cem anos (1904-2004), de intensas e prodigiosas actividades teatrais, recordam-se os seus fundadores e todos os obreiros do teatro da terra do limonete.
Enaltece-se na efeméride o inesquecível José da Silva Ribeiro, que desapareceu fisicamente há 16 anos, mas vive na memória de todos quantos ainda se regem pelos ensinamentos, subsistindo a sua escola no trabalho artístico dos actores da Sociedade de Instrução Tavaredense.
Diríamos que a arte e o sonho são uma constante neste grupo de jovens e menos jovens que aliam a sua arte à solidariedade, sendo eles próprios a seiva renovadora desta colectividade que se movimenta para o povo e dele terá, sempre, o seu carinho e aplausos merecidos. 
É sobretudo poesia, através da qual nos é dado conhecer as raízes do povo de Tavarede, a sua simplicidade, o seu trabalho, sua espontaneidade e alegria.
Também os trajes complementam o quadro, e a música que gentes simples cantavam, ao compasso da enxada, cavando a terra.
No trabalho duro, mas honrado. Mas regista, também, ao longo da sua apresentação alguns confrontos interpretativos do melhor que os actores sabem assumir nos textos que lhes cabem, transmitindo à plateia o que o autor pretende em razão e emoção.
Provou-se nesta Marcha do Centenário não serem necessários os quadros estéticos das cenografias para contagiar as plateias, já que neste espectáculo se revitaliza a cor e a graciosidade, os tons (e o cheiro) da terra, face a uma plateia que ri, e se emociona até às lágrimas, batendo palmas sem fim numa apoteose inesquecível.
Porque se entende, e é necessário  entender para sentir a arte e o sonho de um espectáculo riquíssimo de amor às tradições de uma terra que nos ensina a reviver a nobre cultura de gentes que são nossas, porque iguais nas alegrias e tristezas da vida, que caminha sempre para o nada.
E neste constante marchar de cada um, saibamos marchar também com as nossas palmas, marcando presença e gratidão no sonho e por forma a vencer os nossos dramas.
E de tudo isto, Fernando Romeiro, o anfitrião, nos deu conta, na boca da cena, que foram 15, num ritmo profissionalizado, envolvente, vigoroso e expressivo, convidando a plateia ao espectáculo da Marcha do Centenário, de cena em cena, para rir e pensar, pois então.
O chá da terra do limonete, génio alegre, as árvores morrem de pé, brasão de Tavarede, pote florido nos jardins de Tavarede, os velhos, Maria Parda, na fonte de Tavarede, laranjas de Tavarede, a forja, a mãe do Processo de Jesus, a conspiradora, foguetes na terra do limonete e, por último, o centenário da SIT, em apoteose e com o Coro de Champanhe, a encerrar de forma magnífica pela qualidade dos sons e da movimentação em palco, com o público rendido e feliz de uma noite e uma marcha que nos obriga a voltar à Sociedade de Instrução Tavaredense.
Apoios à produção vieram da Câmara Municipal da Figueira da Foz, Junta de Freguesia de Tavarede, Escola Profissional da Figueira da Foz e Rancho do Saltadouro”.

Na manhã seguinte, depois da tradicional arruada pela tuna de Tavarede, que percorreu as principais ruas da aldeia, realizou-se uma romagem ao cemitério local, tendo sido depostas flores nalgumas campas, representativas de todos quantos participaram, em vida, na fundação da colectividade e no grupo dramático. Perante a sepultura do fundador e primeiro sócio número um, após se ter escutado o hino da associação, um representante da comissão organizadora das festas do centenário leu a seguinte mensagem: Aqui estamos, perante a vossa presença espiritual para, em nome das muitas gerações de tavaredenses que, desde o dia 15 de Janeiro de 1904, têm vivido a Sociedade de Instrução Tavaredense por vós fundada naquele abençoado dia, vos prestar contas e apresentar agradecimentos.São passados cem anos. E ao comemorarmos tão feliz acontecimento, sentimos orgulho em vos testemunhar que, até hoje, a vossa e nossa Colectividade tem cumprido, com todo o rigor, os ideais por vós estabelecidos, ao serviço da educação e da instrução do povo tavaredense. E não só! Grande parte do nosso país conhece o glorioso nome da Sociedade de Instrução Tavaredense e tem admirado e aplaudido o grupo cénico por vós iniciado há cem anos. Muitas, mesmo muitas, são as instituições de assistência, desde Vila Real de Trás-os-Montes a Sintra que, ao longo de todos estes anos, receberam valioso apoio financeiro, de que tanto careciam para a sua obra, e que o nosso cénico lhes concedeu em largas dezenas de espectáculos em benefício dos seus cofres.
Se, na verdade, alguma coisa existe no Além, para onde partistes há tantos anos, estamos certos de que vos sentireis satisfeitos e orgulhosos dos vossos descendentes. Nós, acreditai, sentimo-nos conscientes de que sempre cumprimos e dignificámos a obra por vós iniciada. E esperamos, sinceramente, que os nossos descendentes também o irão fazer.
E se é com a consciência do dever cumprido que hoje aqui nos reunimos para vos prestar contas, também queremos expressar à memória de todos vós, o sincero agradecimento das gentes da terra do limonete. Obrigado, pela obra que iniciaram e nos legaram. Obrigado, pelo caminho que nos deixaram aberto. Graças a vós, podemos afirmar que os tavaredenses, humildes como sempre, alcançaram um nível de instrução e educação pouco vulgares em pequenas aldeias como a nossa.
Aceitai a singela lembrança das nossas flores. E tenhais a certeza de que, para todo o sempre, a vossa memória estará presente dentro e fora das paredes daquela casa, que tão devotada e filantropicamente erguestes com a esperança de um futuro melhor para todos os vossos conterrâneos…

À tarde, na sala de espectáculos, teve lugar a sessão solene comemorativa da efeméride. Presidiu à mesma o secretário de Estado da Cultura, tendo marcado presença altas individualidades autárquicas da Figueira e de Tavarede, além do representante do Governo Civil de Coimbra. Também as congéneres concelhias se fizeram representar e os seus estandartes, encostados às paredes da plateia, davam vistoso aspecto à sessão.
E no domingo, dia 18, pela tardinha, a sessão solene comemorativa do centenário da Sociedade de Instrução Tavaredens

A cuidada sala de espectáculos daquela casa, onde pareciam ainda pairar os aplausos e as emoções da noite anterior, voltou a encher. Encheu a sala, encheu o palco, onde não faltavam lindas flores (pode entender-se o duplo sentido), e enriqueceu a história desta meritória associação. Esta sessão comemorativa teve razões de sobra para se tornar inesquecível. O público aderiu quase como se fosse a um espectáculo fortemente publicitado; na plateia e na galeria, os tavaredenses estiveram bem acompanhados por amigos e admiradores da sua sociedade; as colectividades congéneres fizeram-se representar em força e, algumas delas, ornamentaram as coxias laterais com os seus estandartes; as autoridades oficiais estiveram presentes: do Governo à Junta de Freguesia, com a Câmara Municipal da Figueira da Foz multipresente – Presidentes da Assembleia e do Executivo, Vereadores com e sem pelouro – e a reforçar o reconhecimento do mérito e do crédito da Sociedade, para além das presenças, várias mensagens de felicitações de gente ilustre: do Presidente da República ao actual Presidente da Câmara Municipal de Lisboa – como se sabe recente ex-presidente da CMFF – entre outras, que foram lidas pela presidente cessante a abrir a sessão que veio a ser dirigida por Sua Excelência o Secretário de Estado da Cultura.
Antes da oratória propriamente dita – os discursos da praxe – e logo após a leitura da correspondência, foram ainda distinguidos consócios ligados à sociedade há 50 anos, foi apresentado um novo estandarte da SIT e destruído o cunho da medalha comemorativa do centenário na presença do autor, o conhecido Francisco Simões, e foram referidos os nomes da equipa de dirigentes recentemente eleitos, liderada por Vítor Medina, tendo a presidente cessante, Rosa Paz, feito uma breve intervenção em que manifestou a sua confiança nos novos dirigentes e aproveitado para agradecer a colaboração da equipa exclusivamente feminina que com ela trabalhou e aos que a apoiaram ao longo dos seus mandatos.
A seguir muitos foram os oradores que teceram justos elogios à continuada acção cultural desenvolvida pela colectividade, essencialmente com o teatro amador de qualidade e que há muitos anos extravasou o concelho, com actuações também além fronteiras.
De entre os vários amigos da SIT, e para além daqueles (as) que são bem mais do que isso, usaram da palavra o Dr. Bernardes, um bem conceituado entendido na arte de Talma e conhecedor da carreira do grupo, e a Drª Teresa Coimbra, desde longa data muito ligada afectivamente aos tavaredenses que, com alguma emoção, se referiu ao inesquecível “sr. Zé Ribeiro” e aos seus conselhos.
O vasto conjunto de intervenções, que não destoaram, tiveram a terminar as palavras do Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz que foram precedidas pela intervenção do Secretário de Estado da Cultura que informou do apoio da sua secretaria quanto aos custos da edição do Livro do Centenário da SIT e que encerrou a sessão. Às entidades presentes, os tavarenses fizeram questão de oferecer exemplares da artística medalha que mantém para a posteridade a efeméride em comemoração. Enfim! Tavarede está, e vai continuar, em tempo de centenário....

... Numa sala repleta, a SIT atingiu um dos pontos altos das comemorações do seu centenário, com a realização da sessão solene, que contou com a presença de representantes de diversos organismos, com particular destaque para o meio associativo, e na qual foram homenageados Joaquim Cardoso Ferreira e José Manuel Barbosa por completarem 50 anos de associados. Seguidamente Francisco Marques Simões e João Mendes inutilizaram o cunho da Medalha do Centenário e foi apresentado o novo estandarte da colectividade. A Tuna de Tavarede, que abrilhantou a sessão, executou o hino da colectividade, da autoria de João da Silva Cascão.
Na altura das intervenções, Rosa Paz, a presidente cessante, defendeu que “o passado é glorioso, mas o presente em nada desprestigia os nossos antepassados”. Quanto ao presidente da Junta José Paz, focou a necessidade de “trazer os jovens – que são o futuro – para as colectividades”, uma vez que, defendeu, “é nestas casas que se cultiva a solidariedade, os valores e a cidadania”, que são, disse, “o avesso do individualismo de que a sociedade enferma”.
Por seu lado, Martins de Oliveira, vereador das colectividades quis render “homenagens sinceras a tão nobre colectividade que tem honrado a arte de Talma”, enquanto que a vereadora da cultura, Teresa Machado, focou o espectáculo alusivo ao centenário, considerando-o como “a memória daqueles que já partiram e o incentivo para que nunca se apague a chama da cultura na SIT”.
O presidente da Assembleia Municipal Daniel Santos, defendeu que os fundadores da colectividade e os seus continuadores “prestam um grande serviço à cultura, a Tavarede e à Figueira da Foz”, enquanto que o presidente do município, considerou este dia, “particularmente gratificante para os que se dedicam à cultura”. Duarte Silva recordou que o concelho “é rico na sua identificação cultural que continua a defender, apesar da massificação, com a participação das colectividades”. Referindo-se à aniversariante, sublinhou que a autarquia se orgulha e agradece “tudo aquilo que esta colectividade tem feito pelo concelho”.
A sessão foi encerrada por José Amaral Lopes, secretário de Estado da Cultura, que considerou ser “uma honra, estar presente numa colectividade que já fez pela cultura do país, mais do que eu poderei fazer”.

Focando o facto de a SIT ser “uma colectividade carregada de memória e que tem procurado construir uma sociedade mais justa, onde a cultura e os valores são os meios mais adequados para nos enriquecermos em confronto de ideias com os outros”, aquele elemento do Governo considerou também que a sua presença se ficou a dever ao “reconhecimento que esta instituição deve merecer de todos os portugueses”. Amaral Lopes anunciou ainda que o Ministério da Cultura vai suportar a edição do Livro do Centenário.