sexta-feira, 15 de maio de 2015

A Terra de meus avós - 6

         É agora ocasião para falar noutra espécie de “ruídos”, bastante mais agradáveis ao ouvido do que o dos carros de bois e que, de instante a instante, se faziam ouvir por toda a aldeia. Tavarede, por aqueles tempos, tinha uma vida difícil, aliás, a vida em Tavarede sempre foi difícil, mas, sem dúvida, muito mais alegre do que agora. Talvez, sabe-se lá, essa alegria fosse provocada para esquecer as dificuldades quotidianas, mas o que era verdade é que se cantava muito, e bem, na minha pequena aldeia.

         As costureiras, e havia bastantes em Tavarede, não paravam de cantar enquanto pedalavam nas suas máquinas, fazendo correr velozmente a agulha sobre a fazenda; as donas de casa, enquanto varriam, limpavam ou preparavam o jantar e a ceia familiar; nos quintais e hortas vizinhas, amanhando as suas hortaliças e novidades ou cuidando das suas flores, sempre se cantava. Mas era, sobretudo, no ribeiro de Tavarede, perto da Igreja, que mais se cantava, enquanto lavavam as suas roupas nas pedras bem lisas pelo continuado uso.

         Eram, normalmente, cantigas do teatro em que, todas ou quase todas, tinham participado ou participavam, pois raras eram as mulheres da terra do limonete que, tal como os homens, não haviam participado no teatro.

         Não vou relembrar nomes das cantadeiras. Tenho, no entanto, bem presente uma cena que se repetia frequentemente nas manhãs de domingo. Quase em frente à minha casa, moravam meus tios Helena e José Medina. Ela havia sido uma das principais amadoras do nosso teatro, desempenhando a protagonista em muitas operetas levadas à cena. Ele foi um excelente amador musical, como executante, compositor e regente e era o ensaiador dos coros do teatro. Mais adiante recordarei mais alguma coisa de meu tio José. Pois naquelas manhãs, frente à porta da rua, aberta, sentava-se ele, com a estante adiante, e da sua flauta arrancava as mais bonitas canções. Junto à janela, enquanto que mecanicamente costurava, a tia Helena fazia ouvir a sua linda voz nas canções que ela tão bem cantava, acompanhada pelo marido. Discretamente, eram muitos os que, verdadeiramente encantados, paravam um pouco para escutarem e apreciarem.

* * *

         Já que falei nos cabreiros e na venda de leite, entendo oportuno dar uma volta pela aldeia para recordar as actividades desenvolvidas. Tavarede era uma terra essencialmente agrícola mas, naturalmente como todas as aldeias, tinha outras actividades. Aqui havia bem poucas.

         Estabelecimentos comerciais, mercearias e vinhos, haviam quatro. No Largo do Paço era a mercearia do sr. Jordão. Da parte da frente ficava o balcão e as prateleiras com os géneros e por trás ficava a taberna. Desta, e por uma porta do lado poente, subia-se até ao quintal, que está num plano bastante superior à rua. Era ali que jogavam à malha.

         Junto à casa existia um depósito em cimento que estava coberto por um estrado de madeira. Por aquela ocasião, havia sido organizado o agrupamento musical “Lúcia-Lima-Jazz”. Então a rapaziada, sempre imaginativa, arranjava umas imitações dos instrumentos, em cana, e fazíamos as nossas exibições musicais em cima daquele estrado, voltados para o largo. O vocalista era o Zé Marreta. Ali passávamos grandes bocados em ensaios e exibições, e a assistência por vezes aplaudia as nossas imitações musicais.

         A meio da rua Direita ficava o estabelecimento de Emilinha Cordeiro, que havia herdado de seu pai, Francisco Cordeiro. Do lado esquerdo da loja, e no patamar da escada que servia o primeiro andar, estava a cabine do telefone público. Era daqueles aparelhos em que se dava à manivela para chamar a telefonista. Entre os vários artigos, a Emilinha vendia farinha de alfarroba para alimentação do gado. Nós estávamos por ali muitas vezes e, quando o telefone tocava e era preciso ir chamar alguém, nós lá íamos em correria. De regresso já sabíamos. A Emilinha deixava-nos ir à tulha onde estava aquela farinha e escolhermos os bocadinhos maiores que, para nós, eram uma gulodice.

         A seguir à mercearia havia longa loja que estava dividida e que tinha uma passagem para o quintal. Do lado esquerdo alinhavam-se as pipas com o vinho, tinto e branco, para venda ao copo ou à medida. Do lado direito, e entre a mercearia e a cozinha, onde se preparavam os petiscos para a clientela, ficava a sala de jogo de cartas. Tinha uma mesa comprida e bancos corridos. Recordo-me muito bem de ali ver disputar acesas partidas. Normalmente jogavam o “garujo”, com a participação de seis jogadores. Quando eram quatro, uma das variantes do jogo, chamava-se “liques”; de oito, “ganipo” e de dez “zangarelho”. Dentro de cada equipa havia um mandante, a quem os outros, da forma mais discreta possível, passavam sinais do jogo que tinham. Ele, desta forma, sabia o jogo que a sua equipa tinha e mandava jogar as cartas que entendia. Eram jogos muito manhosos. Quando viam que tinham bom jogo, havia cantiga. Eram três cartas a cada um por jogo, ganhando, portanto, a equipa que fizesse duas vasas e marcava um risco (3 pontos). As cantigas eram de seis, nove e mais, algumas vezes para acabar a moca. O adversário podia desistir, só perdia um risco, aceitar ou cantar para mais. Já se sabe, duas partidas ganhas era pedida bebida paga pela equipa perdedora.         Havia vários jogadores que se auto-intitulavam “mestres”. Dos que conheci, talvez aquele que tinha mais fama fosse o Aniceto Mocho, um velho e carismático trabalhador rural.

No quintal do estabelecimento, havia no meio um engraçado pavilhão, coberto de verdura, com uma mesa e bancos, onde, especialmente nos dias de festa, se faziam grandes caldeiradas. Ao lado desse pavilhão, e a todo o comprimento até ao armazém, junto do ribeiro, estavam os tabuleiros para o tradicional jogo da malha.

         Um pouco mais abaixo ficava a “Loja do Povo”, estabelecimento de António Pedro Carvalho, alcunhado de “Lameira”, nome da terra da sua naturalidade. Seria o melhor montado, pois além de mercearias, tinha uma grande diversidade de outros produtos, sempre necessários na aldeia. Do lado poente, em loja dividida, ficava a taberna, com umas escadas que davam acesso para o quintal, onde, como nos outros, se jogava, petiscava e bebia.

         Junto ao rio Pereira, indo pelo caminho que parte do largo da Igreja para dar serventia ao quintal do Ferreira, ficava a loja de António Gato. De todas era a mais modesta e dedicava-se mais ao negócio de vinhos e petiscos, especialmente quando havia festas da Igreja, ocasiões em que tinha sempre farta concorrência de freguesia. Atravessava-se o pequeno ribeiro por uma tosca e velha ponte de madeira. Em frente à casa, e na outra margem, existiam umas enormes figueiras. Era ali que a rapaziada ia fazer pontaria com as suas fisgas. Tinham habitáculo naquelas grandes árvores as pequenitas “carriças”. Nós bem apontávamos mas os passaritos eram tão pequenos e irrequietos que nunca acertávamos.

         Mudando de ramo, no Largo do Forno estava situada a padaria de Eloi Domingues. Diariamente, e altas horas da noite, era o enorme forno aquecido a lenha. A massa, preparada à noite, estava leveda e pronta para cozer, bem cedo. Só havia dois tipos de pão: as tradicionais carcaças e o pão de segunda, os chamados casqueiros. Ainda o dia não havia rompido e já estava ao balcão a senhora Pureza a atender a clientela que vinha em busca do pão fresquinho. Com uns carros de verga com rodas de bicicleta, forrados com pano branco, impecavelmente limpo, iam o Olívio Domingues e um colega, fazer venda domiciliária, à Figueira e a Buarcos.

         Na véspera dos dias de festa, Natal, Ano Bom e Páscoa, entre outros, muitas eram as mulheres que, em enormes pingadeiras, levavam ou galo ou coelho, com batatinhas, para assar no forno, que se mantinha quente muito tempo para além da cozedura do pão. Era sempre com a melhor vontade que acediam ao pedido que lhes faziam e os pitéus, assados desta maneira, tinham sempre um paladar extraordinário. No Inverno, também era frequente aparecerem as pingadeiras para assar as peras francesas que o vento deitava ao cheio e que, de outra forma, se não podiam comer, tão rijas eram.

         No caminho da fonte, antes da entrada para o Serrado, estava localizada a forja de Assalino Cardoso. De manhã à noite, lá se ouvia o martelar vigoroso no ferro aquecido ao rubro na forja bem ateada pelo enorme fole que ele manipulava com a mão esquerda, enquanto que com a direita, aquecia o ferro, fixo a uma enorme tenaz. Todos os utensílios agrícolas ali fazia ou reparava convenientemente.

          Havia mais duas forjas na nossa terra. No Terreiro, era a de Manuel Lindote e no Largo do Forno, a de Isolino Proa. Mas como ambos trabalhavam, como ferreiros, nas oficinas do caminho de ferro,  só à noite e aos domingos estas forjas laboravam.

         Ao princípio da rua Direita, no Largo do Paço, defronte à mercearia, ficava a barbearia dos irmãos Joaquim e Manuel Medina. Era profissão herdada do pai, embora este tivesse como profissão principal a de serralheiro, que exercia nas oficinas da Figueira. O Joaquim, conhecido pela alcunha do “Jaringa”, era muito brincalhão,
fazendo mil e uma partidas aos clientes enquanto os servia. O Manuel, mais tarde, acabou por emigrar para os Estados Unidos da América, onde constituiu família. Voltou aqui há uns anos, com um filho e com a intenção de regresso definitivo mas, especialmente seu filho, não se adaptaram e optaram por regressar à América. Entretanto, também o Joaquim mudou o seu estabelecimento para a rua Direita, junto ao Largo do Forno, onde trabalhou até ao seu falecimento, continuando o negócio seu filho.

         Também numa pequena loja em frente à mercearia de Emilinha Cordeiro, existia uma outra barbearia, mas que só funcionava aos domingos, pois o seu proprietário, Faím, tinha estabelecimento na Figueira, onde trabalhava durante a semana.

         Meu pai havia aprendido o ofício de sapateiro, na Figueira, antes de cumprir o serviço militar. Empregou-se, depois, nas oficinas do caminho de ferro mas, por meados dos anos quarenta, resolveu-se a abrir uma sapataria em Tavarede, para obra nova e consertos. Para pessoal, convidou seu primo João Medina, oficial de sapateiro na Figueira, José Soares, que seguia a profissão de seu pai na Vila Robim, e Eduardo Mota, para aprendiz. Abriu o estabelecimento na loja da casa onde viveram meus avós e que, por partilhas depois da morte de minha avó, calhara a minha tia Violinda. A velha adega transformou-se em oficina, embora não tenha ali permanecido muito tempo, pois mudou-se para o réz-do-chão da casa da senhora Guia, quase defronte.

         A sapataria passou a ser um dos pontos de encontro da aldeia, principalmente para alguns mais idosos. Entre estes, recordo o encontro diário de dois dos velhos mais castiços e simpáticos, mas, igualmente, dos mais “casmurros”, que conheci: meu avô António e o velho João da Simôa. Ambos tinham sido fundadores do Grupo Musical. Meu avô, embora também músico, destacou-se no teatro, onde, segundo notas encontradas, foi um bom amador. João Jorge da Silva, o João da Simôa, foi um excelente músico, tendo sido um dos iniciadores e regente da tuna daquela colectividade e da orquestra que abrilhantava os espectáculos teatrais, além de ministrar o ensino da música, durante muitos anos.

         Logicamente, tinham excelentes recordações dos tempos passados. Ainda não eram decorridos muitos anos sobre o fim do período áureo do Grupo Musical e, quando estavam bem dispostos, contavam, com verdadeira saudade, muitas histórias vividas naquela colectividade, à qual haviam dado tanto da sua vida. Outras vezes, as relações eram momentaneamente azedadas. É que, além de teimosos, ambos eram uns refinadíssimos mentirosos. Meu avô, então, usava e abusava dessa “virtude”. Em qualquer outro local hei-de recordar algumas das suas habituais “petas”. Contavam e recontavam essas facécias vezes sem conta, mas aí daquele que os desmentisse ou, sequer, se risse de troça! Enfim, não era por causa dessas “virtudes” que deixavam de ser estimados e considerados.

         O negócio de sapataria não era mau de todo. Rendia pouco, é verdade, mas sempre ajudava ao magro orçamento caseiro. Um dia, António Lameira também resolveu abrir uma nova sapataria e acabou por convidar meu pai para tomar conta dela, mediante uma renda. Durou pouco tempo, pois entretanto havíamos mudado de residência para o Terreiro e no quintal meu pai fez uma pequena dependência e ali instalou a sua loja, poupando o dinheiro da renda.

         Havia outros sapateiros que trabalhavam em suas casas, tendo muita clientela. Um deles havia que se distinguiu pela perfeição dos seus trabalhos. Foi o Fernando Santos, por alcunha o Fernando Xanato. Nunca foi um grande amador teatral, mas a sua boa vontade e dedicação foram inexcedíveis, no que resultava haver sempre um pequeno papel para ele, ainda que simples figurante. O seu rendimento familiar dependia exclusivamente do seu trabalho, pelo que trabalhava imenso. Muitas vezes, para acabar um conserto, chegava atrasado ao ensaio. Ao princípio perguntavam-lhe o motivo do atraso, e lá vinha a resposta “estive a acabar um xanato…”. Foi assim que pegou a alcunha, mas era uma excelente pessoa no seu trato simples.

         Recordo, além dele, mais dois sapateiros em Tavarede. Na rua Direita, mais ou menos ao meio, José Maria Severino dos Reis, mais conhecido por José Maria Terreiro. Casado com Felismina Ribeiro, teve três filhos, todos anormais. Os dois rapazes tornaram-se duas figuras características da terra, deixando muita pena quando morreram: o José e o António Reis, conhecidos pela alcunha de “Parrecos”. Nunca fizeram mal a ninguém e, especialmente o José, até eram muito prestáveis, fazendo os pequenos recados que lhes pediam. E José Vigário, no Terreiro, era o outro sapateiro que exercia a actividade em Tavarede.

         Além das muitas costureiras que haviam em Tavarede, também aqui tinha o seu “atelier” de alfaiataria mestre Diamantino Rocha. Primeiramente, esteve instalado na loja de uma casa na rua Direita, vizinha daquela onde eu morava. Tinha umas quatro a cinco costureiras e aprendizas. Depois mudou para o largo do Terreiro. Mestre Diamantino Alfaiate, como era mais conhecido, tocava concertina e era ele que abrilhantava todas as festas populares ou romarias aqui levadas a efeito. No largo do Terreiro, por ocasião dos santos populares, não faltavam as festas, com a tradicional fogueira. A orquestra era constituida por residentes naquele largo: a concertina de Diamantino Alfaiate, a viola e o pífaro, de Manuel Lindote e o bandolim de meu Pai, Pedro. Intitulavam-se como “Orquestra da Malveira”!  

Claro que muitos tavaredenses, que exerciam as suas profissões na cidade, também trabalhavam em suas casas. Pedreiros, carpinteiros, marceneiros, electricistas e outros, não desperdiçavam os seus tempos vagos, além de ainda arranjarem tempo para amanharem o seu quintal e uma ou outra leira de terra. Parece, por exemplo, que ainda estou a ver o canteiro António Marques Lontro, na loja da sua casa, também na rua Direita, a abrir as letras nas placas de mármore para o cemitério… Nesta loja, também funcionava, naquele tempo, a Sociedade Protectora de Gado Suíno, vulgarmente conhecida por “Compromisso dos Porcos”.

         Seria imperdoável não relembrar as figuras da Ti Marquitas do Pires, Clementina Simôa e Adelaide Pires, as três principais “comerciantes” de tremoços, freiras e pevides, que tinham os seus “estabelecimentos” à porta de suas residências, respectivamente no Terreiro, no Paço e rua Direita, frente ao Largo do Forno.

         Uma última recordação sobre este tema. Quase todos os tavaredenses amanhavam um bocadinho de terra e também quase todos fabricavam o seu vinhito. É que, ladeando as suas terras de cultura, plantavam videiras, fazendo corrimões. A produção era pequena e o vinho de fraca qualidade, mas era com gosto e carinho que o faziam. Havia, no entanto, uma meia dúzia que produziam vinho a sério. Com melhor conhecimento, recordo meu avô. Na Matiôa tinha ele uma vinha muito boa, pelo terreno e pela localização. Era cuidada como devia ser. Não lhe faltava com os tratamentos e só era vindimada quando a uva estava bem madura. A produção dessa vinha era tratada em separado, pois que igualmente tinha vinha e corrimões na fazenda da Chã, na Sinceira.

         Aquele vinho da Matiôa chegou a ter muita fama. Na altura própria, pelo S. Martinho, pregava uma enorme ramada de loureiro na porta da sua loja, que era transformada em adega, onde vendia o vinho a retalho e ao copo. A clientela, mais da Figueira e Buarcos, normalmente não faltava e enquanto durasse o vinho era sempre casa cheia. Muitos clientes também preferiam a deliciosa e refrescante água-pé, que ele fabricava com as uvas dos corrimões, que misturava à repisa do vinho e a que juntava uns tantos cântaros de água pura. Quando abria o pipo da água-pé, recordo que a dava a provar aos amigos por um coco, onde ela espirrava fresquinha.

         Outros haviam que procediam de igual modo e, por ocasião do vinho novo, era a nossa terra muito frequentada por grandes grupos que, acompanhando-se dos mais diversos petiscos, aqui faziam grandes patuscadas.

         E acabo esta parte com uma breve recordação. O ti César Cascão tinha em sua casa, frente ao largo do Forno, um alambique onde queimava o bagaço das uvas para fabricar aguardente. A rapaziada gostava de ir ver, além que, quando era tempo deste trabalho, fazia frio e sabia bem estar ali ao quentinho da caldeira do alambique. A aguardente caía em fino fio para uma garrafa e estava sempre a ser pesada, para ver a graduação. A partir de determinado grau deixava de ser aproveitada. De vez em quando íamos ao caminho do Peso, para roubar figos numas grandes figueiras de José Serra, e que levávamos para o alambique. Sabia muito bem comer os figos e beber uma golada daquela espécie de aguardente, praticamente água quente, que nos dava. Mesmo fraquíssima,  não se podia abusar.


A UM CERTO VINHO DE TAVAREDE

         “Entre os mimos que este abençoado torrão de Tavarede produz e manda ao mercado da Figueira, há que especializar um vinhinho palhete a quem os apreciadores rendem as suas homenagens.
         Cardoso Martha, figueirense ilustrado que vive na capital há já longos anos, é um velho amigo e frequentador da terra do limonete e conhecedor do seu precioso nectar.
         Sabendo isso, um seu amigo tavaredense, presenteou-o há tempos com um piposito desse palhete, que o inspirou para o seguinte soneto, a que deu o título “A um certo vinho de Tavarede”:

Encho o meu copo, à luz do claro dia
de um néctar precioso - o vinho amigo,
puro, sem confecções, como o bebia
o bíblico Noé, no tempo antigo.

Depois, em contra-luz, me delicia
sua cor de rubi; e enquanto sigo
na toalha o reflexo, a fantasia
me diz mais que diria quanto eu digo...

Das cepas do torrão de Tavarede,
ó vinho, sê benvindo à minha sêde,
tu, que de muitos és exemplo e espelho

Gole a gole, dou co’a língua um estalinho
e razão a quem disse que o bom vinho
tráz alegria ao moço e sangue ao velho. (Notícias da Figueira)


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