Pois,
pudera! A água de Tavarede tinha fama universal e muitas propriedades urinéticas...
“Puro
engano, esclarece o presidente. A água que a Figueira nos chupa por um canudo,
é para ela um verdadeiro canudo. Tem mais cal que os fornos da Salmanha”. E era
bem verdade. A água ia para a Figueira, desde o Praso, lá ao cimo do Vale de S.
Paio, da nascente do Olho de Perdiz, pela grande conduta que ia dar aos
depósitos do Pinhal, aonde era tratada com cal antes de distribuída. “Agora a
água da nossa fonte, isso é outra loiça! É especial. Fina, pura, saborosa,
aveludada. É um regalo! Para desenvolver as teorias dos intestinos não há
melhor...”.
A Fonte e o
cortejo das Bilhas, entram e cantam:
Mato
a sede a toda a gente
E
às avesinhas do céu;
À
minha água transparente
Ninguém
fez cara de réu.
Todo
o dia ao lusco-fusco
Oiço
as alegres cantigas
E
os segredos que os rapazes
Cochicham
às raparigas.
Airosas,
catitas,
De
barro encarnado,
À
fonte nos levam
Com
todo o cuidado;
E
ás vezes trazemos
Raminho
entrouxado,
A
moça que chega
C’o
seu namorado,
Comigo
à cabeça
Conversa
um bocado
E
apanha à sucapa
Seu
beijo furtado.
O
jornalista, claro, provou e gostou. A fonte e as bilhas, também aproveitaram
para fazer as suas reclamações, especialmente contra a miudagem, pois “é
pedrada que ferve e cada palavrão que nem almocreves!”.
Que fossem
descansadas, respondeu o governador. Para lá destacaria a polícia e mandaria um
engenheiro “para reparar os estragos e desentupir os canos”.
E o primeiro
quadro acaba quando Delfim Pirolito se resolve a mandar uma grande reportagem
para o seu jornal, pois reconhece que tal revolução se impunha e que o povo fez
muito bem libertando-se e proclamando a sua independência, acompanhando, no
entanto, o governador a uma visita à terra para apreciar os seus progressos,
com o que enriquecerá as notícias.
Chegam os
dois, governador e jornalista, ao largo da Igreja, no momento em que um grupo
de populares, que ali se encontra, vai contando a cantoria de um cuco. Contaram
até doze e disseram, em voz alta; “é meio dia!”.
O Pirolito
ficou admiradíssimo. Então o relógio da aldeia era um cuco, um passaroco
verdadeiro? Era verdade. Tinham conseguido arranjar uma comissão de subscrição,
em cada povoação da república, para aquisição de um relógio para a torre da
igreja, mas tudo tinha ficado em águas de bacalhau, pois o apuro final não
dava, sequer, para mandar cantar um cego!
O
governador, homem engenhoso, lembrou-se de mandar apanhar um cuco e de o
ensinarem a cantar de hora a hora. Só cantava desde o sol nascer até às 11 da
noite, mas era o que bastava, pois a gente da terra “deita-se sempre entre as
10 e as 11”. Causou uma certa confusão ao jornalista o facto do pássaro cantar
sempre com duas notas iguais – cu – cu -, o que estaria certo para as horas
pares. E para as outras?
“Muito
simples, informa o governador. 5 horas, por exemplo, canta duas vezes cu – cu e
mais um cu para fazer a conta”.
Engenhoso,
prático e simples. E, sobretudo, económico. Só era pena não tocar as trindades,
mas o cuco não conseguia tocar o sino e, por pouco dinheiro, “ninguém quer
manobrar o badalo...”. Como resolver, então, a falta? “Olhe, o povo salta da
cama mal luz o buraco. Com o sol a pino, toca a ir à trincadeira e à hora dos
morcegos, que é o lusco-fusco, ovelhas ao curral”.
Ao olhar
para o ribeiro, que corria ali ao lado, o jornalista questiona se o mesmo tinha
água todo o verão e se era navegável. Que não. Isso não era, pois nele só
navegam as lavadeiras, que era o clube da má-língua lá da terra. “Esfrangalham
uma reputação como quem depena um frango”. Nem a propósito. Eis que chegam as
lavadeiras para a sua tarefa e, ao pedido do jornalista para mostrarem as suas
habilidades, cantam:
“A
roupa que nós lavamos
É
de vária freguesia.
O
sabão não chega a meio
Para
tanta porcaria.
Lavamos
muita fraldinha
De
pintinhas salpicada.
À
força d’ensaboadela
Fica
sempre obra asseada...
As
águas desta ribeira
Conhecem
muito segredo
Das
meninas que namoram
Escondidas
no arvoredo.
De
noivas e de casadas
Toda
a roupa aqui vem ter.
Por
isso sabemos coisas
Que
não se devem dizer.
As
nódoas que traz a roupa
Nos
fartamos de esfregar.
Estas
pedras se falassem
Tinham
muito que contar”
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