Acabou o S. João de Tavarede
Começo por dizer que as festas ao S. João, em Tavarede,
acabaram no ano de
1927. Mas, o que muito poucos saberão é como , e porquê, o querido
santo casamenteiro, tão do gosto da gente da nossa terra, deixou de ser aqui
festejado. Pois é isso mesmo, o que pretendo fazer agora.
Não encontrei, pelo menos até ao momento, elementos
concretos que informem desde quando se realizavam as festas ao S. João, na
nossa terra. A primeira notícia que colhi, na imprensa figueirense, data de
Julho de 1874 e nela se escreve que “terminaram no domingo finalmente os
festejos aqui pelas proximidades da vila ao milagroso S. João. É a antiga vila
de Tavarede quem todos os anos, permita-se-nos a expressão, cobre a rectaguarda
neste famoso e nunca alterado sistema de festejar o Santo com mascarada,
cavalhada, corrida de prémios, etc. etc.”.
A Figueira festejava, como hoje, o seu santo, no
dia 24 de Junho. Seguia-se, no primeiro fim de semana de Julho, Buarcos e,
depois, Tavarede. Esta é a razão da expressão acima “cobrir a rectaguarda”.
Todos os anos eram estas terras, junto à sede do concelho, que festejavam o S.
João com maior pompa. Ainda durante o mês de Julho e, algumas vezes, em Agosto,
em Brenha e Quiaios haviam tais festas, o que prova a razão do povo quando diz
que “o S. João a todo o tempo tem vez”...
Voltando ao nosso S. João, as notícias recolhidas indicam
que a terra do limonete apresentava, nessas ocasiões, um interessante aspecto
festivo: “a comprida rua da terra, iluminada por vistosos balões venezianos
suspensos de arcadas vestidas de buxo”. As princípio, as festas decorriam
somente no largo da Igreja, onde, além das tradicionais barracas de “comes e
bebes”, “quermesse” e outras, habituais em festejos populares, se armava o
pavilhão, profusamente engalanado e iluminado. Era ali que “a gente dos campos,
a boa gente alegre e de consciência tranquila, se entregava aos prazeres da
dança, atroando os ares com as suas canções poéticas do santo popular”.
Como já referi, as festas ao S. João eram mistas, sempre
compostas por uma componente religiosa e outra pagã. A parte religiosa era
cumprida, exclusivamente, dentro da igreja. Ao longo da semana, tinham ali
lugar as novenas e os sermões, estes proferidos por orador religioso de
reconhecido talento e cujas prédicas culminavam na missa de domingo, em que a
presença de fiéis era sempre bastante numerosa.
Esta missa era o ponto alto das celebrações religiosas,
sempre a grande instrumental, pela filarmónica contratada e, algumas vezes,
pela tuna de Tavarede ou por um conjunto formado por alguns elementos seus, e
cantada por um grupo coral, frequentemente vindo de Coimbra para este fim.
A componente popular iniciava-se no sábado, depois das
cerimónias religiosas. Em primeiro lugar havia o concerto pela banda, no
pavilhão, durante o qual era lançado fogo de artíficio, do ar e preso. Acabado
o concerto, seguiam-se as danças e os descantes, que tinham a participação da
tuna local, quando se encontrava organizada, ou um grupo de músicos reunidos
para o efeito. Também as tunas de Caceira e Fontela algumas vezes aqui vieram
colaborar nos festejos.
É claro que, durante toda a semana, o costumado Zé Pereira
percorria os diversos lugares da freguesia, acompanhando os “mordomos” que
faziam o peditório. E o arraial só na madrugada de domingo, já ao romper do
dia, é que terminava a função.
No domingo, acabada a missa solene, último acto religioso
das festas, a comissão dos mordomos ia receber das mão dos senhor prior a
“bandeira”, pendão que abria o cortejo das cavalhadas e que, durante o ano,
ficava à guarda da Igreja.
Organizava-se, então, o cortejo. Nas semanas anteriores,
Tavarede recebia a visita das cavalhadas da Figueira e de Buarcos. Competia,
agora, fazer a retribuição. Recordo a notícia de um destes cortejos:
“Era digna de ver-se aquela pitoresca
caravana, que apresentava os mais extravagantes contrastes. Vinha ali de
tudo. A sobrecasaca urbana
e o chapéu fino dos padrinhos, os trajos domingueiros das frescas moçoilas de
Tavarede, os vestidos de fantasia dos mascarados e a sordidez plebeia dos
aldeões. E na frente de tudo aquilo a gaita de foles e o clássico zambumbas”.
O cortejo ia, em primeiro lugar, junto da Igreja
de S. Julião, onde era aguardado pela filarmónica. Ali chegado, dava as
tradicionais três voltas à igreja, enquanto a banda entoava alegre marcha. Os
barulhentos foguetes subiam ao céu estralejando e os sinos repicavam
alegremente no alto das torres. Seguiam, depois, a dar as costumadas voltas à
Reboleira e à Ribeira (Praças Nova e Velha), seguindo, após isso, para Buarcos,
onde subiam até à capela da Senhora da Encarnação.
Aqui chegados, faziam uma pausa para descanso e recuperação
de forças, muito em especial dos animais, que já deviam ir bem cansados.
Certamente que se petiscava e beberricava alguma coisa e, pouco depois, era o
regresso a Tavarede, pelo caminho do Alto do Forno.
À entrada de Tavarede, no Largo do Paço, já se encontrava à
espera a filarmónica que, depois, seguia à frente do cortejo, atravessando a
aldeia, até ao Largo da Igreja, ao mesmo tempo que mais foguetes subiam ao ar e
os sinos também se faziam ouvir alegremente. Chegados, iam depositar a
“bandeira” na Igreja, e destroçavam a seguir. Era chegado o momento de
recomeçar o programa: concerto, descantes e danças, que acabavam cerca da
meia-noite.
Refiro que, enquanto as cavalhadas faziam a sua volta,
tinham lugar as provas desportivas, como corridas pedestres, de sacos, pés
atados, rosquilhas, etc. Alguns anos acontecia que estas provas só se
realizavam na tarde da segunda-feira seguinte.
Era assim, com mais ou menos brilho, que se festejava
o S. João na terra do limonete, muito dependendo dos mordomos e do dinheiro que
conseguiam obter nos peditórios.
Naturalmente que havia, de vez em quando, alterações no
programa, como, por exemplo, o próprio local das festas profanas. Pelo número
de participantes e forasteiros, talvez por questões de rivalidades, e adiante
se verá um destes casos, no final do século dezanove já se armavam mais dois
pavilhões. Além do Largo da Igreja, começaram a utilizar o Largo do Forno e o
Largo do Paço. Era conforme a vontade dos festeiros. Claro que, precisamente
por isso, há notícias de algumas histórias curiosas. Talvez que a mais
interessante terá sido a do ano em que, por rivalidades internas, os mordomos
não se entenderam, pelo que foram organizadas duas festas. Aconteceu no ano de
1892. Primeiro, um grupo dos festeiros, “com caloroso entusiasmo, pegando na
bandeira grande, realizou bonitos festejos no domingo último”, e, depois,
“amanhã, se Deus quizer, um grupo adversário, empunhando a bandeira pequena, diz
que não ficará atrás em lamparinas, foguetes e outras mirabolâncias de
embasbacar”. Ou, então, uma outra, ocorrida no ano de 1889, em que o padre
António Augusto da Silva Nobreza se recusou a entregar as bandeiras aos
mordomos da festa e para que a cavalhada não deixasse de se efectuar com
bandeiras, resolveram ir à missa com novas bandeiras, escondidas, que “seriam
levantadas ao alto no momento em que o padre dava a benção final. Assim, ele não
podia deixar de abençoar as novas bandeiras e a festa seria feita com bandeiras
devidamente benzidas”…
E antes de contar a história das últimas festas
sanjoaninas, no ano de 1927, ainda vou narrar um outro episódio aqui ocorrido
no ano de 1907. A
sua curiosidade deve-se ao facto de ser passada entre dois festeiros, ambos
irmãos e ambos taberneiros. Com certeza que a historieta será desconhecida da
maioria dos meus conterrâneos.
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