E tinham
muito trabalho. “Então agora, com a revolução cá na terra, tem sido um lavar de
ceroulas nunca visto...”.
O personagem
seguinte era o grande cacique, o maior trunfo eleitoral da terra. Mas as
coisas, como passaram a estar com a nova república, não lhe estavam a correr
nada bem... Chamam-lhe o “Beiçudo”. Ao ser questionado se queria dizer alguma
coisa para a imprensa, queixa-se que a gente da aldeia eram todos uns ingratos
e canta:
Cá
destas terras
Sou
o mandão.
Autoridades
Tenho
na mão.
Livro
rapazes
C’um
safanão.
Ninguém
me excede
Na
votação.
Tudo
isto à custa
Do
carrascão
Fazendo
sempre
Um
figurão.
Mas
não percebo
Mandando
em tudo
Como
nas urnas
Levo
cascudo.
Acho
este caso
Muito
bicudo.
Parece
mesmo
Parte
d’entrudo.
Por
isso eu ando
Tristonho
e mudo,
E
já me chamam
Grande
Beiçudo!
Depois de
ele sair, o jornalista pergunta a razão de chamarem à terra a pátria da
Lúcia-Lima, “se diziam que esta planta tinha vindo da China?”.
Não. A
Lúcia-Lima é de cá e muito de cá. Vegeta galhardamente por estes sítios e toda
a gente lhe chama limonete... O resto era história. A história de “dois brasileiros,
ricos como porcos, que vieram a Tavarede de aeroplano, em busca da Lúcia-Lima,
supondo ser uma mulher. E, em virtude duma tramóia que o mariola dum tal
Pinga-Amor lhes armou, foram parar à China. Dali regressaram a Tavarede, mas o
que trouxeram não foi a Lúcia-Lima, foi uma chinesinha, por sinal bem linda,
que canta na perfeição as cantigas do seu país e a quem toda a gente chama a
Cotovia...”.
Entra
Cotovia que, a pedido do governador, canta para o visitante a canção que tem o
seu nome e que já conhecemos.
Gostou
imenso o jornalista e, quando entrou o presidente da República e o Comandante
das Tropas, que vinham saber como havia corrido a visita, começaram a ouvir, lá
ao longe, um coro, que se foi aproximando: “é a malta dos cavadores e o rancho
das ceifeiras, que vão pegar no trabalho depois do jantar...”.
(coro) Desde
manhã ao sol posto
Arado
ou foice na mão
Seja
inverno ou seja Agosto
Ceifamos
a loira espiga
Ou
pomos à terra o grão.
(cavadores) Vamos todos sem cansaço
Na
terra dura
Cavar,
cavar.
A
força do nosso braço
Trás
a fartura
Do
nosso lar.
(ceifeiras) Somos as ledas ceifeiras
Que
vão as messes trigueiras
Segar,
ceifar,
Sempre
ligeiras,
Sempre
a cantar,
A
cantar.
(coro) Cavar, ceifar,
Ceifar,
cavar,
Sem
descansar.
E prepara-se
a apoteose final, em louvor do trabalho, enquanto o jornalista, encantado com o
que vê e ouve, diz “grande coisa é o trabalho! Dá alegria, dá saúde, dá vida!”
Ao que responde o presidente: “O trabalho consola, o trabalho dignifica quando
é honesto e orientado para bom fim. Veja esta gente. Após horas de labutação e
canseira, ainda canta e sente-se feliz”.
Com
entusiasmo continua: “A sua alegria é sincera. Gente admirável, os
trabalhadores das nossas aldeias! Ainda brilha no céu a estrela de alva, saltam
eles da cama, lestos e bem dispostos como quem vai para uma festa. E de enxada
ao ombro, uma broa no bornal, um trauteio de cantiga na boca, tão contentes
como pardais em Julho, lá vão para a faina de cada dia, a revolver a terra
maternal, donde há de saír a mantença de todos, a abastança, a conservação da
vida. São eles, os tisnados e rudes cavadores, de riso claro e bom, alma lavada
e braço forte, o amparo, o sustentáculo duma Pátria Livre!”.
E é no meio
de imensa animação e alegria que cai o pano sobre a apoteose ao “Trabalho”.
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