domingo, 16 de agosto de 2015

Tavaredee - A terra de meus avós - 19

De casa de cultura a… taberna!


         No livro “50 Anos ao Serviço do Povo”, ao recordar as casas “onde se representavam peças que fizeram correr rios de lágrimas e provocaram indigestões de gargalhadas”, Mestre José Ribeiro escreve que, entre outras, havia a de Joaquim Águas, pai do velho capitão José Joaquim Alves Fernandes Águas, “prédio em que mais tarde esteve o Grupo Musical Tavaredense”.

         Bem sei que já no segundo caderno destas recordações me referi a esta casa, muito em especial quando nela tiveram a sua sede o Grupo Musical e de Instrução Tavaredense, nos anos de 1914 a 1930 e, depois, o Grémio Educativo e de Instrução Tavaredense, entre 1931 e 1935. É natural, portanto, que me repita nalgumas breves notas, mas considero necessário recordá-las para bem contar a história que se segue, considerando que a casa teve um papel importantíssimo no desenvolvimento cultural na nossa terra, durante mais de cinquenta anos, e que, por circunstâncias várias que procuraremos comentar no decorrer da história, acabou ingloriamente em ruínas, na segunda metade dos anos trinta do século passado, acabando por ter sido reconstruída e reconvertida em estabelecimento de mercearias e vinhos, para se não dizer “taberna” que, aliás, ainda conhecemos muito bem.

         Não o fazendo totalmente, ocupava uma boa parte do quarteirão que, actualmente, é limitado a sul, pela Rua A Voz da Justiça, a norte, pela Rua do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense, do nascente, pelo Largo D. Maria Amália de Carvalho, e do poente, pela Rua D. Francisco de Mendanha.

         “Duas casas, próximo do Largo do Forno. Pertenceram ao falecido Joaquim Alves Fernandes Águas, operário tanoeiro, que ao mesmo tempo empregava algumas vagas do seu labor no trato do amanho da sua quinta do Peso, não muito longe situada ao norte da povoação. Vivia ali com a sua prole, bastante extensa, filhos e filhas, que foram criados senão com uma educação almiscarada de salão, pelo menos educados regularmente, bem morigerados, decentes e eivados de espírito trabalhador”.

         Já sabemos quem foi este Joaquim Águas, que, pelos anos setenta do século dezanove, veio para a Figueira, onde começou por abrir uma oficina de tanoaria, a que se seguiu a fundação, com seus filhos, da casa Águas & Cª., que foi uma sociedade comercial de sucesso, especialmente no comércio e exportação de vinhos e seus derivados e nos transportes marítimos, de curto e longo curso.

         Ainda em Tavarede, o velho Águas, para quem o tradicional “Presépio” era o melhor dos seus divertimentos, resolveu instalar, numa daquelas casas, um pequeno teatrinho, onde ele e seus filhos representaram diversas peças, especialmente aquela sobre o  nascimento de Jesus, ficando registada a interessante notícia de que, nalgumas representações, os amadores se “travestiam”, ou seja, as mulheres representavam de homens e os homens de mulheres.

         Com a mudança para a Figueira da Foz da família Águas, a casa em que residiam julgo que terá passado a ser a morada do então pároco de Tavarede, o padre António Augusto da Silva Nobreza, pois que, em “Recordações de Tavarede” se escreve “na casa da Rua Direita onde habitava o falecido velho Águas, está hoje o digno pároco da freguesia, sr. Joaquim da Costa e Silva, um ornamento da vida eclesiástica, que bem concebe, perante a ciência do século, qual o seu lugar como padre e como cidadão”. Presumo, portanto, que durante alguns anos tenha sido a residência paroquial.

         Na casa ao lado, onde havia sido montado o pequeno e tosco teatro, instalou-se em 1895, o intitulado “Bijou Feminino”. Este teatro era animado pelo conhecido artista canteiro António da Silva Proa, enquanto que, certamente por influência de seu filho, João Nunes da Silva Proa, se organizou uma tuna que, em 1896, era dirigida por J. Teixeira Ferreira, “muito ilustrado professor nesta cidade”. Esta associação, “Bijou”, foi muito acarinhada pelo capitalista e fundador da Quinta do Robim, o sr. João António da Luz Robim Borges, e pelo reverendo Joaquim da Costa e Silva, que muito se interessou pelo teatro e pela organização da tuna, chegando a “andar de porta em porta pedindo aos sócios da Estudantina para saírem dela e irem para uma outra que ele quer organizar”.

         A casa do teatrinho ficou vaga quando acabou a actividade do “Bijou Tavaredense”. Não devo estar errado se disser que o seu declínio se terá ficado a dever ao falecimento, em Maio de 1897, do seu principal protector, o sr. Robim Borges.

         Em Julho de 1914, uma notícia na “Gazeta da Figueira”, escreve: “O apreciado Grupo Musical Tavaredense acaba de mudar a sua sede para os prédios ultimamente comprados pelo seu dedicado sócio protector, sr. Manuel da Silva Jordão, dos Carritos, os quais ficam situados mesmo ao centro da povoação e são aproveitados para a instalação da aula de música e de um elegante teatrinho, que já anda a ser construído. A direcção do Grupo Musical está muito grata para com o seu consócio sr. Jordão, por esta gentileza que muito concorre para o engrandecimento da agremiação”.

         Já sabemos que estas casas eram as antigas casas da família Águas. O Grupo Musical, que se havia fundado em Agosto de 1911 e desenvolvia as suas actividades teatrais e musicais numa loja junto ao Largo do Paço, em condições muito deficientes, aceitou a oferta daquele seu benfeitor,
 que a havia feito “motivado pelos fins propostos pelos activos dirigentes da nova associação”, e que, além disso, colaborou financeiramente nas obras necessárias para a construção de uma boa sala de espectáculos.

         A inauguração teve lugar em Janeiro de 1915.

         A partir de então, a colectividade tomou grande incremento cultural, desdobrando a sua actividade pelo teatro, música, escola nocturna, ginástica, desporto e convívio e tal foi o desenvolvimento que, poucos anos decorridos, se viu na necessidade de fazer novas obras para boa acomodação de todas estas actividades.

         Também já lhes contei a compra da sede pelo Grupo Musical àquele seu sócio protector, em condições excepcionais. Todavia, os gastos feitos com as obras de transformação da casa foram muito elevados e, apesar das tais “condições excepcionais”, a verdade é que em 1928, mais de cinco anos depois da compra, ainda faltava pagar cerca de metade.

         Bem se esforçaram os grupistas para satisfazerem o pagamento que o sr. Jordão acabou por exigir, por carta de Junho de 1928, lhe fosse feito em Novembro desse ano. Fizeram espectáculos em diversas localidades, com o grupo dramático e com a tuna, na tentativa de obterem fundos, pelo menos para amortizarem a dívida, pois, na verdade, nunca entregaram mais qualquer importância, falhando inteiramente as condições acordadas. Até garraiadas no Coliseu Figueirense, mas tudo foi insuficiente.

         Ainda tentaram um empréstimo bancário com hipoteca do edifício, mas as negociações com a agência do Banco de Portugal na Figueira não se concretizaram. E assim, embora com bastante mágoa de todos, foram obrigados a pôr a casa em venda.

Apenas como curiosidade, recordo este facto muito interessante: Em 1915, o sr. Manuel da Silva Jordão foi nomeado sócio benemérito e foi-lhe descerrado o retrato, num ambiente de enorme entusiasmo. Em Maio de 1924, o sr. Jordão concorda em vender o edifício, concedendo-lhes as maiores facilidades para o pagamento; em Março de 1929, “o presidente da direcção deu conhecimento que já havia liquidado contas com o principal credor do Grupo, sr. Manuel da Silva Jordão, propondo que o mesmo sr. fosse suspenso de sócio até à realização da primeira Assembleia Geral, pela qual deverá ser demitido, para o que se tem em vista o que se encontra estatuído, pois não só difamou o Grupo como menosprezou a honorabilidade de todos os componentes da sua direcção e ainda que, em atenção à incorrecção manifestada, ou por outra, posta em prática pelo mesmo sr. Jordão, propôs também que lhe fosse retirado imediatamente, da nossa sala de espectáculos, a sua fotografia, que ali se achava exposta…”. Passou, assim, de desejado a indesejado, de benemérito e protector a difamador!...

Quais as razões concretas? Por querer receber o seu dinheiro? Concretamente não sei, mas estou inteiramente convencido que houve interferências e interesses estranhos.

A casa foi comprada por um tavaredense, António de Oliveira Lopes. Uma das condições contratuais, era a de que o Grupo continuaria ali instalado mediante o pagamento de uma renda. Note-se que o comprador, à data da operação, era um dos directores da colectividade.

Os esforços realizados acabaram num fracasso. Os encargos assumidos com as obras, que também não haviam sido completamente pagos, e, talvez os tais interesses estranhos, levaram a que o novo proprietário da casa, poucos meses após a compra, não vendo liquidadas as rendas já vencidas, meteu uma acção de despejo em Tribunal e o Grupo Musical foi obrigado a deixar aquelas instalações que tanto sacrifício haviam exigido!

Antes de avançar com a nossa história, entendo conveniente fazer um breve comentário que, talvez, explique em parte a situação acima referida.

No dia 12 de Agosto de 1928, domingo, havia partido de manhã uma excursão, em camioneta de aluguer, com tavaredenses e figueirenses que, sob a direcção do reverendo padre Manuel Vicente, foram em peregrinação a Fátima, afim de participarem nas cerimónias religiosas que ali se realizariam nessa noite e no dia seguinte.

Por volta das 5 horas da tarde e no lugar de Reguengo do Fetal, entre Batalha e Fátima, uma ultrapassagem mal feita por uma outra camioneta, fez com que o condutor da camioneta da peregrinação tavaredense perdesse a direcção e, resvalando para um declive, a camioneta desse uma volta sobre si antes de se imobilizar.

Com gravidade ficaram somente feridos dois peregrinos: Abílio Simões Baltazar, um dos proprietários da Quinta do Robim, que dado o seu estado crítico foi enviado para casa, onde faleceu pouco depois da chegada “no meio de horrorosos sofrimentos” e o padre Manuel Vicente, que sofreu uma forte comoção cerebral e apresentava contusões graves. Foi internado no hospital de Leiria e, apesar de todos os socorros prestados, ali faleceu poucos dias depois.

O padre Manuel Vicente era muito acarinhado e admirado pelo povo da freguesia. O seu trato afável havia conquistado a maioria dos tavaredenses e chegou a acompanhar, com relativa actividade, a vida associativa local. Só assim se compreende que, ao contrário do que se verificou em tantas outras paróquias, o padre Manuel Vicente tenha atravessado, com alguma facilidade, dois períodos bastante difíceis. Primeiro, em 1910, com a implantação da República e as fortes lutas contra os tradicionais privilégios da Igreja, e depois o 28 de Maio de 1926, que terminou com o regime republicano e do qual veio a resultar a sinistra ditadura salazarista.

Para sua substituição foi nomeado o reverendo padre José Martins da Cruz Dinis. Muito jovem, acabara de ser ordenado padre, bastante inteligente e declaradamente conservador, logo tentou a “reconversão” dos seus novos paroquianos, pois havia ficado muito surpreendido com a pouca participação religiosa da maioria da população local.

As colectividades eram um local propício à participação popular, pelas actividades que desenvolviam. E o novo pároco de imediato pensou na fundação de uma nova colectividade, intimamente ligada à religião.

Não vou especular o caso, mas, na verdade, ainda bem conhecemos os responsáveis do Grupo Musical daquela época. Os republicanos liberais, digamos assim, acabaram por levar o Grupo para as instalações do Paço, onde se mantiveram durante muitos anos. Os restantes, muito religiosos e conservadores, não os acompanharam.

Pouco tempo depois do despejo do Grupo Musical, o proprietário António Lopes vendeu o edifício à Diocese de Coimbra, pois a sociedade “Predial Económica”, em nome de quem foi feita a escritura, era propriedade, na totalidade, daquela Diocese.

Sabe-se que a compra foi feita devido à influência do padre Cruz Dinis. Sabe-se que um dos seus ideais era fundar uma colectividade de índole religiosa. Estará aqui a explicação para o “ultimato” feito pelo sr. Jordão ao Grupo Musical? Não avanço mais na especulação, mas sempre digo que, pelo que apurei, aquele senhor era católico praticante.

No ano de 1931 é fundado o Grémio Educativo e de Instrução Tavaredense. Foi seu presidente da Direcção o reverendo Cruz Dinis.

Aquela casa continuou, então, a sua acção cultural. As instalações, no dizer da imprensa figueirense, eram das melhores em aldeias do concelho. Aos amadores do teatro e da música que não haviam seguido com o Grupo Musical, outros se juntaram. Além de alguns espectáculos, muito em especial dirigidos às crianças, também a colectividade passou a dar aulas nocturnas, sob a direcção do padre Dinis que, anteriormente, dava as lições na sua residência.
relativo àquele
Não quero questionar a actividade religiosa, educacional e cultural daquele pároco. Ela foi grande, é fora de dúvidas. No entanto, e em minha opinião, depois de ter lido e relido tudo quanto há para ler, período, ele politizou em demasia a sua acção. Foram anos de duras e violentas lutas. Republicanos e conservadores, estes protegidos pela capa ditatorial do novo regime, defrontavam-se ferozmente, em especial nos órgãos jornalísticos que lhes davam cobertura.

E em Setembro de 1935, o reverendo padre José Martins da Cruz Dinis foi transferido, a seu pedido, para a paróquia de S. Paulo de Frades, em Coimbra, depois de aqui ter permanecido 7 anos.

Com ele acabou o Grémio Educativo. Ele era a sua alma. Mas, a nossa casa, continuou de pé. A obra cultural lá realizada durante tantos anos acabara de vez. Mas a nossa história ainda não acaba aqui. Continuemos.

Sem actividade, naturalmente que o edifício se começou a degradar. O proprietário estava longe, em Coimbra, e a Diocese interessou-se mais em vender a casa do que em fazer obras.

No dia 22 de Outubro de 1938, o jornal “O Figueirense” publicou a seguinte local sob o título “Incoerências”:

“O último número do semanário da Figueira da Foz “O Dever”, publica um interessante e oportuno artigo anónimo, sobre “tabernas”, com que estamos inteiramente de acordo, dada a boa doutrina que defende.
Nele se classifica a taberna de enorme desgraça individual e social e “o maior foco de infecção social”, o que ninguém se atreverá a contestar.
O pior é que, noutro local do mesmo número, se considera acertada a resolução dum proprietário, vendendo, para instalação duma taberna, a casa que possuía em Tavarede – Figueira da Foz, outrora sede duma associação católica.
Afinal, é bico ou cabeça?
Sem comentários…
O que o prezado colega não sabe é que a propriedade em referência, era pertença dum alto dignitário eclesiástico e a sua resolução é tanto mais para deplorar quanto é certo que a venda do prédio foi feita sonegadamente, depois de prometido à Comissão Organizadora para instalação da Casa do Povo de Tavarede”.

 Como se vê tinha sido organizada uma comissão para instalar, na nossa terra, uma Casa do Povo, um dos organismos corporativos que o regime ditatorial espalhou com abundância pelo país, sob a tutela da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, argumentando casas de cultura e recreio populares mas, efectivamente, com o objectivo maior de fazer propaganda à sua ideologia política.

A casa onde esteve instalado o Grémio Educativo pertencia à Diocese de Coimbra. Ora, e com muita lógica, a referida Comissão Organizadora pensou que aquele edifício, já meio degradado, era uma boa solução para a instalação da Casa do Povo, fazendo, claro, as necessárias obras.

Poucos dias depois daquela notícia, em correspondência de Tavarede, “O Dever” escreve: “Segundo nos consta e é voz corrente, o Governo vai entregar à comissão organizadora da Casa do Povo de Tavarede, a quantia de trinta ou trinta e cinco contos para a construção da Casa do Povo de Tavarede, em local apropriado, pois que a casa que foi sede do Grémio não foi achada em condições, não só por se ter reconhecido pequena, mas por estar muito deteriorada.
…………………..
Afinal, temos de felicitar-nos por a casa do Grémio ter sido vendida, sem o que não teríamos um edifício novo para a Casa do Povo, e que foi apenas leviandade o barulho agressivo contra as pessoas julgadas com intervenção na sua venda”.

Começou, de imediato, tremenda polémica. A comissão organizadora, em carta dirigida àquele periódico procura rebater a notícia e escreve em determinado lugar: “…… Também não tem o menor fundamento que a chamada casa do Grémio, que a Comissão se propunha adquirir contraindo um empréstimo particular, fosse reprovada por ser pequena e estar deteriorada. Pelo contrário, foi e continua a ser considerada a que reúne as melhores condições de adaptação e ampliação (quando necessária) de todos os prédios existentes nesta povoação. Seria, além disso, ingenuidade supor que com 30 ou 35 contos (que se não sabe se virão) obteríamos um prédio novo, maior, e em melhores circunstâncias”. Termina a carta com a bem conhecida frase “A bem da Nação”.

Eu não queria alongar-me muito com algumas transcrições desta polémica. Ela foi longa. Mas, para que bem se fique a conhecer a história da casa em questão, terei de fazer mais algumas pequenas transcrições, das partes mais significativas e que me parecem de mais interesse.

O que estava em causa era se o Bispo de Coimbra, conhecedor dos desejos da Comissão Organizadora da Casa do Povo tinha ou não tinha prometido vender-lhes a casa. “O Dever” dizia que não e alegava:

“……… Mas porque não comprou? Desde que sugerimos a fundação da Casa do Povo de Tavarede – fomos nós da ideia – até à venda da casa do Grémio, decorreram muitos meses.
Desde que a Junta de Freguesia e muitas outras pessoas tiveram conhecimento da existência dum segundo pretendente, até ao encerramento do contrato de venda, decorreu tempo mais que suficiente para se prevenir. A sociedade proprietária teria muito prazer em vender o seu prédio para instalação da Casa do Povo, desde que alguém aparecesse com dinheiro e disposto a fechar contrato real e imediatamente”.

Mais à frente, acrescenta: “Isto mostra bem que o nosso correspondente teve razão em achar acertada a venda a um comprador certo, para se evitarem maiores prejuízos, visto que a Casa do Povo, em organização, ainda hoje não é comprador, pois hesita no caminho a seguir; e, portanto, que foi leviandade grosseira o barulho agressivo contra as pessoas julgadas com intervenção na sua venda. Os 35 contos do Estado, com alguns contos de compra e adaptação com que a Comissão se propunha adquirir e casa do Grémio contraindo um empréstimo particular, dariam mais de 60 contos com o que, é absolutamente certo, se construiria uma casa melhor do que a do Grémio, tanto mais que seria possível obter terreno de graça e outras ajudas”.

O debate jornalístico tornou-se inevitável. Por seu lado, a Comissão Organizadora tentava, com todos os elementos de que dispunha, argumentar que tinha razão, pois que o Bispo de Coimbra havia-lhes prometido todo o apoio e esse apoio, entendiam eles, incluía a cedência da casa.

Os meses de Novembro e Dezembro de 1938 foram férteis em comunicados de defesa, de ataque e, até, de questões que, na verdade, nada tinham com o problema, pois alguns foram meros ataques pessoais. Como recordação fica o nome dos dois principais intervenientes nesta longa polémica: em “O Dever”, que defendia a venda a um particular, o padre Alfredo de Melo Abrantes Couto, prior de Buarcos e encarregado temporariamente da paróquia de Tavarede, e em “O Figueirense”, em nome da Comissão Organizadora, esteve Belarmino Pedro.

Conheci relativamente bem os dois. Posso adiantar que, durante os poucos anos que o padre Abrantes Couto foi responsável pela paróquia de Tavarede, não teve vida nada fácil. Queixava-se, bastante, que o parco rendimento que aqui tirava, nem de longe nem de perto compensava o seu trabalho. Belarmino Pedro, que posteriormente integrou a redacção do jornal “A Voz da Figueira”, foi interveniente em várias polémicas com pessoas ou sobre assuntos da nossa terra, algumas, igualmente, bastante violentas.

Nesta história, se calhar, todos teriam razão. Ou talvez não. A verdade é que, com promessas ou sem promessas, a casa teve outro destino. Também, e como se sabe, a fundação do tal organismo corporativo, a Casa do Povo de Tavarede, prevista pela interessadíssima comissão, que tão brava e heroicamente lutou pela sua fundação, não passou de uma “vã quimera”, ou de um sonho que se esfumou.

Pelos vistos, o apoio que esperava do Estado e que estimaram em 30 ou 35 contos, que era bastante dinheiro para a época, nunca terá sido prometido e muito menos disponibilizado. Como aparte, indico que o prédio havia sido adquirido a António Lopes por 24 contos e foi vendido a António Pedro Carvalho por 10.

O que verdadeiramente interessava era contar a história daquela velha casa. Talvez tenha abusado nas transcrições, mas posso dizer que só transcrevi uma pequeníssima parte, mas o que não foi transcrito, além de nada mais adiantar, tornaria demasiado enfadonha a história. Preferi, e entendo que com acerto, ficar por aqui.

E vou concluir com um facto bastante irónico. O novo proprietário da casa, que a reconstruíu e onde montou um estabelecimento de mercearias e vinhos, onde não faltava uma grande taberna e um retiro, no quintal, para os petiscos e para jogos diversos, conhecedor de toda a polémica que a sua compra desencadeou e sabendo qual era a finalidade para que queriam as antigas instalações associativas, resolveu, talvez sarcasticamente, dar um nome ao seu novo estabelecimento. Chamou-lhe, e mandou escrever na fachada do edifício, em letras enormes, “A LOJA DO POVO”.


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