De casa de
cultura a… taberna!
No livro
“50 Anos ao Serviço do Povo”, ao recordar as casas “onde se representavam peças
que fizeram correr rios de lágrimas e provocaram indigestões de gargalhadas”,
Mestre José Ribeiro escreve que, entre outras, havia a de Joaquim Águas, pai do
velho capitão José Joaquim Alves Fernandes Águas, “prédio em que mais tarde
esteve o Grupo Musical Tavaredense”.
Bem sei que
já no segundo caderno destas recordações me referi a esta casa, muito em
especial quando nela tiveram a sua sede o Grupo Musical e de Instrução
Tavaredense, nos anos de 1914
a 1930 e, depois, o Grémio Educativo e de Instrução
Tavaredense, entre 1931 e 1935. É natural, portanto, que me repita nalgumas
breves notas, mas considero necessário recordá-las para bem contar a história
que se segue, considerando que a casa teve um papel importantíssimo no
desenvolvimento cultural na nossa terra, durante mais de cinquenta anos, e que,
por circunstâncias várias que procuraremos comentar no decorrer da história,
acabou ingloriamente em ruínas, na segunda metade dos anos trinta do século
passado, acabando por ter sido reconstruída e reconvertida em estabelecimento
de mercearias e vinhos, para se não dizer “taberna” que, aliás, ainda
conhecemos muito bem.
Não o
fazendo totalmente, ocupava uma boa parte do quarteirão que, actualmente, é
limitado a sul, pela Rua A Voz da Justiça, a norte, pela Rua do Grupo Musical e
de Instrução Tavaredense, do nascente, pelo Largo D. Maria Amália de Carvalho,
e do poente, pela Rua D. Francisco de Mendanha.
“Duas
casas, próximo do Largo do Forno. Pertenceram ao falecido Joaquim Alves
Fernandes Águas, operário tanoeiro, que ao mesmo tempo empregava algumas vagas
do seu labor no trato do amanho da sua quinta do Peso, não muito longe situada
ao norte da povoação. Vivia ali com a sua prole, bastante extensa, filhos e
filhas, que foram criados senão com uma educação almiscarada de salão, pelo
menos educados regularmente, bem morigerados, decentes e eivados de espírito
trabalhador”.
Já sabemos
quem foi este Joaquim Águas, que, pelos anos setenta do século dezanove, veio
para a Figueira, onde começou por abrir uma oficina de tanoaria, a que se
seguiu a fundação, com seus filhos, da casa Águas & Cª., que foi uma
sociedade comercial de sucesso, especialmente no comércio e exportação de
vinhos e seus derivados e nos transportes marítimos, de curto e longo curso.
Ainda em
Tavarede, o velho Águas, para quem o tradicional “Presépio” era o melhor dos
seus divertimentos, resolveu instalar, numa daquelas casas, um pequeno
teatrinho, onde ele e seus filhos representaram diversas peças, especialmente
aquela sobre o nascimento de Jesus,
ficando registada a interessante notícia de que, nalgumas representações, os
amadores se “travestiam”, ou seja, as mulheres representavam de homens e os
homens de mulheres.
Com a
mudança para a Figueira da Foz da família Águas, a casa em que residiam julgo
que terá passado a ser a morada do então pároco de Tavarede, o padre António
Augusto da Silva Nobreza, pois que, em “Recordações de Tavarede” se escreve “na
casa da Rua Direita onde habitava o falecido velho Águas, está hoje o digno
pároco da freguesia, sr. Joaquim da Costa e Silva, um ornamento da vida
eclesiástica, que bem concebe, perante a ciência do século, qual o seu lugar
como padre e como cidadão”. Presumo, portanto, que durante alguns anos tenha
sido a residência paroquial.
Na casa ao
lado, onde havia sido montado o pequeno e tosco teatro, instalou-se em 1895, o
intitulado “Bijou Feminino”. Este teatro era animado pelo conhecido artista
canteiro António da Silva Proa, enquanto que, certamente por influência de seu
filho, João Nunes da Silva Proa, se organizou uma tuna que, em 1896, era
dirigida por J. Teixeira Ferreira, “muito ilustrado professor nesta cidade”.
Esta associação, “Bijou”, foi muito acarinhada pelo capitalista e fundador da
Quinta do Robim, o sr. João António da Luz Robim Borges, e pelo reverendo
Joaquim da Costa e Silva, que muito se interessou pelo teatro e pela
organização da tuna, chegando a “andar de porta em porta pedindo aos sócios da
Estudantina para saírem dela e irem para uma outra que ele quer organizar”.
A casa do
teatrinho ficou vaga quando acabou a actividade do “Bijou Tavaredense”. Não
devo estar errado se disser que o seu declínio se terá ficado a dever ao
falecimento, em Maio de 1897, do seu principal protector, o sr. Robim Borges.
Em Julho de
1914, uma notícia na “Gazeta da Figueira”, escreve: “O apreciado Grupo Musical
Tavaredense acaba de mudar a sua sede para os prédios ultimamente comprados
pelo seu dedicado sócio protector, sr. Manuel da Silva Jordão, dos Carritos, os
quais ficam situados mesmo ao centro da povoação e são aproveitados para a
instalação da aula de música e de um elegante teatrinho, que já anda a ser
construído. A direcção do Grupo Musical está muito grata para com o seu
consócio sr. Jordão, por esta gentileza que muito concorre para o
engrandecimento da agremiação”.
Já sabemos
que estas casas eram as antigas casas da família Águas. O Grupo Musical, que se
havia fundado em Agosto de 1911 e desenvolvia as suas actividades teatrais e
musicais numa loja junto ao Largo do Paço, em condições muito deficientes,
aceitou a oferta daquele seu benfeitor,
que a havia feito
“motivado pelos fins propostos pelos activos dirigentes da nova associação”, e
que, além disso, colaborou financeiramente nas obras necessárias para a
construção de uma boa sala de espectáculos.
A
inauguração teve lugar em Janeiro de 1915.
A partir de
então, a colectividade tomou grande incremento cultural, desdobrando a sua
actividade pelo teatro, música, escola nocturna, ginástica, desporto e convívio
e tal foi o desenvolvimento que, poucos anos decorridos, se viu na necessidade
de fazer novas obras para boa acomodação de todas estas actividades.
Também já
lhes contei a compra da sede pelo Grupo Musical àquele seu sócio protector, em
condições excepcionais. Todavia, os gastos feitos com as obras de transformação
da casa foram muito elevados e, apesar das tais “condições excepcionais”, a
verdade é que em 1928, mais de cinco anos depois da compra, ainda faltava pagar
cerca de metade.
Bem se
esforçaram os grupistas para satisfazerem o pagamento que o sr. Jordão acabou
por exigir, por carta de Junho de 1928, lhe fosse feito em Novembro desse ano.
Fizeram espectáculos em diversas localidades, com o grupo dramático e com a
tuna, na tentativa de obterem fundos, pelo menos para amortizarem a dívida,
pois, na verdade, nunca entregaram mais qualquer importância, falhando
inteiramente as condições acordadas. Até garraiadas no Coliseu Figueirense, mas
tudo foi insuficiente.
Ainda
tentaram um empréstimo bancário com hipoteca do edifício, mas as negociações
com a agência do Banco de Portugal na Figueira não se concretizaram. E assim,
embora com bastante mágoa de todos, foram obrigados a pôr a casa em venda.
Apenas como curiosidade, recordo
este facto muito interessante: Em 1915, o sr. Manuel da Silva Jordão foi
nomeado sócio benemérito e foi-lhe descerrado o retrato, num ambiente de enorme
entusiasmo. Em Maio de 1924, o sr. Jordão concorda em vender o edifício,
concedendo-lhes as maiores facilidades para o pagamento; em Março de 1929, “o
presidente da direcção deu conhecimento que já havia liquidado contas com o
principal credor do Grupo, sr. Manuel da Silva Jordão, propondo que o mesmo sr.
fosse suspenso de sócio até à realização da primeira Assembleia Geral, pela
qual deverá ser demitido, para o que se tem em vista o que se encontra
estatuído, pois não só difamou o Grupo como menosprezou a honorabilidade de
todos os componentes da sua direcção e ainda que, em atenção à incorrecção
manifestada, ou por outra, posta em prática pelo mesmo sr. Jordão, propôs
também que lhe fosse retirado imediatamente, da nossa sala de espectáculos, a
sua fotografia, que ali se achava exposta…”. Passou, assim, de desejado a
indesejado, de benemérito e protector a difamador!...
Quais as razões concretas? Por
querer receber o seu dinheiro? Concretamente não sei, mas estou inteiramente
convencido que houve interferências e interesses estranhos.
A casa foi comprada por um
tavaredense, António de Oliveira Lopes. Uma das condições contratuais, era a de
que o Grupo continuaria ali instalado mediante o pagamento de uma renda.
Note-se que o comprador, à data da operação, era um dos directores da
colectividade.
Os esforços realizados acabaram
num fracasso. Os encargos assumidos com as obras, que também não haviam sido
completamente pagos, e, talvez os tais interesses estranhos, levaram a que o
novo proprietário da casa, poucos meses após a compra, não vendo liquidadas as
rendas já vencidas, meteu uma acção de despejo em Tribunal e o Grupo Musical
foi obrigado a deixar aquelas instalações que tanto sacrifício haviam exigido!
Antes de avançar com a nossa
história, entendo conveniente fazer um breve comentário que, talvez, explique
em parte a situação acima referida.
No dia 12 de Agosto de 1928,
domingo, havia partido de manhã uma excursão, em camioneta de aluguer, com
tavaredenses e figueirenses que, sob a direcção do reverendo padre Manuel
Vicente, foram em peregrinação a Fátima, afim de participarem nas cerimónias
religiosas que ali se realizariam nessa noite e no dia seguinte.
Por volta das 5 horas da tarde e
no lugar de Reguengo do Fetal, entre Batalha e Fátima, uma ultrapassagem mal
feita por uma outra camioneta, fez com que o condutor da camioneta da
peregrinação tavaredense perdesse a direcção e, resvalando para um declive, a
camioneta desse uma volta sobre si antes de se imobilizar.
Com gravidade ficaram somente
feridos dois peregrinos: Abílio Simões Baltazar, um dos proprietários da Quinta
do Robim, que dado o seu estado crítico foi enviado para casa, onde faleceu
pouco depois da chegada “no meio de horrorosos sofrimentos” e o padre Manuel
Vicente, que sofreu uma forte comoção cerebral e apresentava contusões graves.
Foi internado no hospital de Leiria e, apesar de todos os socorros prestados,
ali faleceu poucos dias depois.
O padre Manuel Vicente era muito
acarinhado e admirado pelo povo da freguesia. O seu trato afável havia
conquistado a maioria dos tavaredenses e chegou a acompanhar, com relativa
actividade, a vida associativa local. Só assim se compreende que, ao contrário
do que se verificou em tantas outras paróquias, o padre Manuel Vicente tenha
atravessado, com alguma facilidade, dois períodos bastante difíceis. Primeiro,
em 1910, com a implantação da República e as fortes lutas contra os
tradicionais privilégios da Igreja, e depois o 28 de Maio de 1926, que terminou
com o regime republicano e do qual veio a resultar a sinistra ditadura
salazarista.
Para sua substituição foi nomeado
o reverendo padre José Martins da Cruz Dinis. Muito jovem, acabara de ser
ordenado padre, bastante inteligente e declaradamente conservador, logo tentou
a “reconversão” dos seus novos paroquianos, pois havia ficado muito
surpreendido com a pouca participação religiosa da maioria da população local.
As colectividades eram um local
propício à participação popular, pelas actividades que desenvolviam. E o novo
pároco de imediato pensou na fundação de uma nova colectividade, intimamente
ligada à religião.
Não vou especular o caso, mas, na
verdade, ainda bem conhecemos os responsáveis do Grupo Musical daquela época.
Os republicanos liberais, digamos assim, acabaram por levar o Grupo para as
instalações do Paço, onde se mantiveram durante muitos anos. Os restantes,
muito religiosos e conservadores, não os acompanharam.
Pouco tempo depois do despejo do
Grupo Musical, o proprietário António Lopes vendeu o edifício à Diocese de
Coimbra, pois a sociedade “Predial Económica”, em nome de quem foi feita a
escritura, era propriedade, na totalidade, daquela Diocese.
Sabe-se que a compra foi feita
devido à influência do padre Cruz Dinis. Sabe-se que um dos seus ideais era
fundar uma colectividade de índole religiosa. Estará aqui a explicação para o
“ultimato” feito pelo sr. Jordão ao Grupo Musical? Não avanço mais na
especulação, mas sempre digo que, pelo que apurei, aquele senhor era católico
praticante.
No ano de 1931 é fundado o Grémio
Educativo e de Instrução Tavaredense. Foi seu presidente da Direcção o
reverendo Cruz Dinis.
Aquela casa continuou, então, a
sua acção cultural. As instalações, no dizer da imprensa figueirense, eram das
melhores em aldeias do concelho. Aos amadores do teatro e da música que não
haviam seguido com o Grupo Musical, outros se juntaram. Além de alguns
espectáculos, muito em especial dirigidos às crianças, também a colectividade
passou a dar aulas nocturnas, sob a direcção do padre Dinis que, anteriormente,
dava as lições na sua residência.
relativo àquele
Não quero questionar a actividade
religiosa, educacional e cultural daquele pároco. Ela foi grande, é fora de
dúvidas. No entanto, e em minha opinião, depois de ter lido e relido tudo
quanto há para ler, período, ele politizou em demasia a sua acção. Foram anos
de duras e violentas lutas. Republicanos e conservadores, estes protegidos pela
capa ditatorial do novo regime, defrontavam-se ferozmente, em especial nos
órgãos jornalísticos que lhes davam cobertura.
E em Setembro de
1935, o reverendo padre José Martins da Cruz Dinis foi transferido, a seu
pedido, para a paróquia de S. Paulo de Frades, em Coimbra, depois de aqui ter
permanecido 7 anos.
Com ele acabou o
Grémio Educativo. Ele era a sua alma. Mas, a nossa casa, continuou de pé. A
obra cultural lá realizada durante tantos anos acabara de vez. Mas a nossa
história ainda não acaba aqui. Continuemos.
Sem actividade, naturalmente que
o edifício se começou a degradar. O proprietário estava longe, em Coimbra, e a
Diocese interessou-se mais em vender a casa do que em fazer obras.
No dia 22 de Outubro de 1938, o
jornal “O Figueirense” publicou a seguinte local sob o título “Incoerências”:
“O último número do semanário da
Figueira da Foz “O Dever”, publica um interessante e oportuno artigo anónimo,
sobre “tabernas”, com que estamos inteiramente de acordo, dada a boa doutrina
que defende.
Nele se classifica a taberna de
enorme desgraça individual e social e “o maior foco de infecção social”, o que
ninguém se atreverá a contestar.
O pior é que, noutro local do
mesmo número, se considera acertada a resolução dum proprietário, vendendo,
para instalação duma taberna, a casa que possuía em Tavarede – Figueira da Foz,
outrora sede duma associação católica.
Afinal, é bico ou cabeça?
Sem comentários…
O que o prezado colega não sabe é
que a propriedade em referência, era pertença dum alto dignitário eclesiástico
e a sua resolução é tanto mais para deplorar quanto é certo que a venda do
prédio foi feita sonegadamente, depois de prometido à Comissão Organizadora
para instalação da Casa do Povo de Tavarede”.
Como se vê tinha sido organizada uma comissão
para instalar, na nossa terra, uma Casa do Povo, um dos organismos corporativos
que o regime ditatorial espalhou com abundância pelo país, sob a tutela da
Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, argumentando casas de cultura e
recreio populares mas, efectivamente, com o objectivo maior de fazer propaganda
à sua ideologia política.
A casa onde esteve instalado o
Grémio Educativo pertencia à Diocese de Coimbra. Ora, e com muita lógica, a
referida Comissão Organizadora pensou que aquele edifício, já meio degradado,
era uma boa solução para a instalação da Casa do Povo, fazendo, claro, as necessárias
obras.
Poucos dias depois daquela
notícia, em correspondência de Tavarede, “O Dever” escreve: “Segundo nos consta
e é voz corrente, o Governo vai entregar à comissão organizadora da Casa do
Povo de Tavarede, a quantia de trinta ou trinta e cinco contos para a
construção da Casa do Povo de Tavarede, em local apropriado, pois que a casa
que foi sede do Grémio não foi achada em condições, não só por se ter
reconhecido pequena, mas por estar muito deteriorada.
…………………..
Afinal, temos de felicitar-nos
por a casa do Grémio ter sido vendida, sem o que não teríamos um edifício novo
para a Casa do Povo, e que foi apenas leviandade o barulho agressivo contra as
pessoas julgadas com intervenção na sua venda”.
Começou, de imediato, tremenda
polémica. A comissão organizadora, em carta dirigida àquele periódico procura
rebater a notícia e escreve em determinado lugar: “…… Também não tem o menor
fundamento que a chamada casa do Grémio, que a Comissão se propunha adquirir
contraindo um empréstimo particular, fosse reprovada por ser pequena e estar
deteriorada. Pelo contrário, foi e continua a ser considerada a que reúne as
melhores condições de adaptação e ampliação (quando necessária) de todos os
prédios existentes nesta povoação. Seria, além disso, ingenuidade supor que com
30 ou 35 contos (que se não sabe se virão) obteríamos um prédio novo, maior, e
em melhores circunstâncias”. Termina a carta com a bem conhecida frase “A bem
da Nação”.
Eu não queria alongar-me muito
com algumas transcrições desta polémica. Ela foi longa. Mas, para que bem se
fique a conhecer a história da casa em questão, terei de fazer mais algumas
pequenas transcrições, das partes mais significativas e que me parecem de mais
interesse.
O que estava em causa era se o
Bispo de Coimbra, conhecedor dos desejos da Comissão Organizadora da Casa do
Povo tinha ou não tinha prometido vender-lhes a casa. “O Dever” dizia que não e
alegava:
“……… Mas porque não comprou?
Desde que sugerimos a fundação da Casa do Povo de Tavarede – fomos nós da ideia
– até à venda da casa do Grémio, decorreram muitos meses.
Desde que a Junta de Freguesia e
muitas outras pessoas tiveram conhecimento da existência dum segundo
pretendente, até ao encerramento do contrato de venda, decorreu tempo mais que
suficiente para se prevenir. A sociedade proprietária teria muito prazer em
vender o seu prédio para instalação da Casa do Povo, desde que alguém
aparecesse com dinheiro e disposto a
fechar contrato real e imediatamente”.
Mais à frente, acrescenta: “Isto
mostra bem que o nosso correspondente teve razão em achar acertada a venda a um
comprador certo, para se evitarem maiores prejuízos, visto que a Casa do Povo,
em organização, ainda hoje não é comprador, pois hesita no caminho a seguir; e,
portanto, que foi leviandade grosseira o barulho agressivo contra as pessoas
julgadas com intervenção na sua venda. Os 35 contos do Estado, com alguns
contos de compra e adaptação com que a Comissão se propunha adquirir e casa do Grémio contraindo um empréstimo particular, dariam mais de 60 contos com o
que, é absolutamente certo, se construiria uma casa melhor do que a do Grémio,
tanto mais que seria possível obter terreno de graça e outras ajudas”.
O debate jornalístico tornou-se
inevitável. Por seu lado, a Comissão Organizadora tentava, com todos os
elementos de que dispunha, argumentar que tinha razão, pois que o Bispo de
Coimbra havia-lhes prometido todo o apoio e esse apoio, entendiam eles, incluía
a cedência da casa.
Os meses de Novembro e Dezembro
de 1938 foram férteis em comunicados de defesa, de ataque e, até, de questões
que, na verdade, nada tinham com o problema, pois alguns foram meros ataques
pessoais. Como recordação fica o nome dos dois principais intervenientes nesta
longa polémica: em “O Dever”, que defendia a venda a um particular, o padre
Alfredo de Melo Abrantes Couto, prior de Buarcos e encarregado temporariamente
da paróquia de Tavarede, e em “O Figueirense”, em nome da Comissão
Organizadora, esteve Belarmino Pedro.
Conheci relativamente bem os
dois. Posso adiantar que, durante os poucos anos que o padre Abrantes Couto foi
responsável pela paróquia de Tavarede, não teve vida nada fácil. Queixava-se,
bastante, que o parco rendimento que aqui tirava, nem de longe nem de perto
compensava o seu trabalho. Belarmino Pedro, que posteriormente integrou a
redacção do jornal “A Voz da Figueira”, foi interveniente em várias polémicas
com pessoas ou sobre assuntos da nossa terra, algumas, igualmente, bastante
violentas.
Nesta história, se calhar, todos
teriam razão. Ou talvez não. A verdade é que, com promessas ou sem promessas, a
casa teve outro destino. Também, e como se sabe, a fundação do tal organismo
corporativo, a Casa do Povo de Tavarede, prevista pela interessadíssima
comissão, que tão brava e heroicamente lutou pela sua fundação, não passou de
uma “vã quimera”, ou de um sonho que se esfumou.
Pelos vistos, o apoio que
esperava do Estado e que estimaram em 30 ou 35 contos, que era bastante
dinheiro para a época, nunca terá sido prometido e muito menos disponibilizado.
Como aparte, indico que o prédio havia sido adquirido a António Lopes por 24
contos e foi vendido a António Pedro Carvalho por 10.
O que verdadeiramente interessava
era contar a história daquela velha casa. Talvez tenha abusado nas
transcrições, mas posso dizer que só transcrevi uma pequeníssima parte, mas o
que não foi transcrito, além de nada mais adiantar, tornaria demasiado
enfadonha a história. Preferi, e entendo que com acerto, ficar por aqui.
E vou concluir com um facto
bastante irónico. O novo proprietário da casa, que a reconstruíu e onde montou
um estabelecimento de mercearias e vinhos, onde não faltava uma grande taberna
e um retiro, no quintal, para os petiscos e para jogos diversos, conhecedor de
toda a polémica que a sua compra desencadeou e sabendo qual era a finalidade
para que queriam as antigas instalações associativas, resolveu, talvez
sarcasticamente, dar um nome ao seu novo estabelecimento. Chamou-lhe, e mandou
escrever na fachada do edifício, em letras enormes, “A LOJA DO POVO”.
Sem mais comentários!
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