Terminado o resumo desta fantasia, é ocasião de passar aos
comentários encontrados na imprensa figueirense. Mas, igualmente, é ocasião de
fazer um esclarecimento a qualquer possível leitor destas notas. O movimento
revolucionário de Maio de 1926, que derrubou a primeira República e que
acabaria por instaurar o chamado “Estado Novo”, teve muitas implicações sociais
e religiosas, além das políticas, claro, em todo o país. Tavarede não foi
excepção e viveu momentos difíceis, especialmente no meio associativo. É um
período, digamos, de cerca de dez anos, a partir de meados de 1926, que
desperta a curiosidade e vale a pena conhecer. Sobre ele espero debruçar-me num
outro trabalho.
Mas o
esclarecimento que cabe neste caderno é este: a própria imprensa figueirense de
então, e não somente em notícias dos seus correspondentes locais, também se
partidarizou, pelo menos durante alguns anos. E verifica-se esta situação
anómala: “A Voz da Justiça” noticia, comenta e critica todos os espectáculos e
acontecimentos relacionados com a Sociedade de Instrução e não publica uma
linha sequer sobre a outra colectividade; por seu turno, “O Figueirense”, faz
precisamente o contrário, noticiando tudo sobre o Grupo Musical, que, diga-se
sem favor, também dispunha, naquele tempo, de um excelente grupo dramático, e
esquecia completamente a Sociedade de Instrução. Quanto ao terceiro jornal
existente, “O Dever”, de índole religiosa, enveredou mais pela linha de “O
Figueirense”, mas pouco nos deixou de interesse para este trabalho.
Quero dizer,
pois, com este esclarecimento, que, salvo nos casos das fantasias “Em busca da
Lúcia-Lima” e “Pátria Livre” (esta apresentada meses antes do referido
movimento político), não é possível comparar críticas ou opiniões. É natural,
portanto, e acredito muito nisso, que nas notícias encontradas haja um bocado
de exagero. É natural, pois cada qual “puxaria a brasa à sua sardinha”.
Prestado este esclarecimento e feito o aviso, qualquer leitor, repito, se o
houver, deverá dar um pequeno “desconto” ao que lê e fazer o seu próprio juizo,
se tal fôr possível.
Relativamente
a “Pátria Livre” o primeiro comentário que faço é este: no dia 5 de Janeiro de
1926, o correspondente de “A Voz da Justiça”, informava que “deve fazer-se
amanhã o primeiro ensaio de leitura da revista em 1 acto e 3 quadros “Pátria
Livre”, que será apresentada com a “Má-Sina”, na récita de gala do dia 16 do
corrente. A revista tem 9 números de linda música, original e coordenada pelo
distinto amador sr. António Simões. Conquanto faltem poucos dias, é de presumir
que os nossos amadores, com a boa vontade de que estão animados, consigam dar à
“Pátria Livre” uma representação brilhante”. (Como aparte, note-se a
confirmação do que antes refiro. O correspondente diz expressamente os
nossos amadores, fazendo-se ignorar de que havia um outro grupo de amadores
em Tavarede e isto mesmo antes do citado movimento político).
Mas, dizendo
que o anunciado espectáculo de gala se realizou, efectivamente, no indicado dia
16, fico admiradíssimo como é que era possível, em cerca de 10 dias úteis,
aprender papéis, marcações, ensaiar texto e músicas em tão curto espaço de
tempo, mesmo considerando que se tratava de uma simples fantasia num acto e
dois quadros, pois o terceiro quadro era, simplesmente, uma apoteose. Sem
dúvida, fantástico!
Passo,
então, aos comentários. “A Voz da Justiça”, em 19 de Janeiro de 1926, escreveu:
“.........era esta a principal atracção da récita. Havia um grande interesse
pela representação da “Pátria Livre”, e pode dizer-se que a revista agradou
plenamente. Os aplausos foram calorosos, entusiásticos, fazendo a assistência
bisar quase todos os números de música. Houve chamadas ao autor, ao maestro e
ao ensaiador. João Gaspar de Lemos Amorim e António Simões mereceram sem favor
as prolongadas salvas de palmas que se ouviram – o primeiro, por ter escrito
com alegre fantasia e uma certa irreverência o comentário ligeiro e gracioso de
alguns acontecimentos e factos locais; e o segundo pela felicidade com que
compôs e adaptou os números de música, alguns deles lindíssimos; mas não são
menos dignos de elogio o espírito e a boa vontade com que os amadores se
houveram, de modo a poderem representar a “Pátria Livre” apenas com 10 dias de
ensaio. Não pode exigir-se mais de amadores de aldeia. A impressão geral da
representação foi a melhor, sendo especialmente notadas a apresentação correcta
e afinação dos coros. A orquestra, constituída por 14 figuras, magnífica”.
Por sua vez,
“O Figueirense” ainda noticiou este espectáculo, escrevendo somente: “....... e
a revista em 1 acto e 3 quadros, do sr. João Gaspar de Lemos Amorim e música do
sr. António Maria de Oliveira Simões, “Pátria Livre”, tendo concluído o
espectáculo com uma apoteose e hino da Sociedade”.
A “Gazeta da
Figueira”, que cessaria a sua publicação no mês seguinte, também noticiou o
espectáculo com “...... e a interessante revista “Pátria Livre”, da autoria do
nosso ilustre conterrâneo sr. João Gaspar de Lemos Amorim e musicada pelo nosso
querido amigo, dessa cidade, sr. António Maria de Oliveira Simões, cujo
desempenho agradou completamente”.
Quanto a
comentários críticos, somente “A Voz da Justiça” escreveu que “a revista tem
cor local, tem fantasia e uma certa vivacidade de comentário que prendem o
espectador, e gira à volta deste acontecimento sensacional: a separação de
Tavarede do concelho da Figueira, levada a cabo por uma revolução triunfante
donde sai a proclamação da República do Limonete. Há grupos de efeito
nos quais tanto as raparigas como os rapazes se apresentam vestidos com
fantasia muito expressiva. Dignos de nota, especialmente, o número da Fonte
e coro das Bilhas e o coro de Ceifeiras e Cavadores, cantados com
perfeita afinação por toda a massa coral”.
E termino as
notas sobre a “Pátria Livre” com mais um simples comentário. Estes dois números
referidos na notícia acima, todos nós os conhecemos. O primeiro, alegre e
saltitante, é obrigatório em todas as evocações que se têm feito, pela alegria
contagiante que irradia; e o segundo, que está simbolizado para sempre numa pequena
placa, junto da estátua ao Cavador, numa rotunda de Tavarede, é bem a expressão
real do passado, não muito longínquo, da terra do limonete, evocando os nossos
antepassados, cavadores e ceifeiras, trabalhadores das terras tavaredenses,
onde com o seu trabalho esforçado e bem suado, arrancavam o seu pão e de suas
famílias. Honradamente, e cantando com toda a alegria, a riqueza da Vida e do
Trabalho.
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