segunda-feira, 20 de julho de 2009

Tavarede - Um pouco do passado

Hoje vou recordar um figueirense, Ernesto Fernandes Tomás, que, sob o pseudónimo de Estoern, nos deixou uma interessantíssima descrição de Tavarede dos finais do século dezanove, numa extensa reportagem que fez publicar no jornal "Gazeta da Figueira", entre Fevereiro e Dezembro de 1896 (reportagem que, devido a doença e falecimento de um filho seu, não concluiu) e à qual deu o título de 'Recordações de Tavarede".
Foi ele quem, nesta reportagem, faz a descrição dos teatros na nossa terra em 1860/1865, no tempo em que "as sociedades dramáticas vegetavam como tortulhos em Tavarede" e que serviu a Mestre José Ribeiro para o seu livro "50 Anos ao Serviço do Povo", publicado por ocasião das 'Bodas de Ouro" da Sociedade de Instrução Tavaredense.
Muito me tenho eu aproveitado desta reportagem para os meus cadernos. E, certamente, hei-de continuar a recorrer a ela para recordar neste 'blogue' os princípios do associativismo na Terra do Limonete, e outros temas do próximo passado tavaredense.

Fachada principal do Palácio dos Condes de Tavarede, segundo desenho de António da Piedade

Por agora vou recordar a sua visita ao Paço dos Condes de Tavarede e a descrição que começa por fazer da nossa terra:
"Tavarede era então um pequeno burgo, menos desenvolvido que hoje, anegrado por uns grupos de casas em derrocada, que serviram de habitação a uma população pobrissima de trabalhadores laboriosos, vivendo uns dias de trabalho nesta cidade, enquanto que outros, transformando os terrenos à volta da antiga povoação, nos proporcionavam o gozo de um jardim de cintura, alegre, verdejante, provocando-nos ao viver no campo.
Tavarede assim, a povoação dos tempos coevos da monarquia, engrandecida mais tarde com o foral de D. Manuel, trazia-nos à memória umas lendas tradicionais ali escondidas entre verduras e flores. Bons tempos esses!
Como até hoje, os edifícios que nos chamavam a atenção, mais pelo contraste da sua extensão, com a exiguidade das outras pobres construções, eram: o Paço, a Igreja, a casa denominada - da Renda e uma outra ao cimo da povoação pelo lado do norte, que nos indicavam como a casa de Ourão. Ainda outra deixava de entrar nesta relação, e que existe ainda com boa aparencia ao lado do caminho para a fonte da povoação, a que chamavam a - casa do sr. João Anselmo.
Quando por essa época entrei, pela primeira vez, no edifício do Paço, velho alcáçar aonde esteve D. Maria Mendes Petit, mãe de Pero Coelho, um dos que fizeram de D. Inez de Castro uma vítima, condenada pelo seu amor clandestino; quando subi aquelas escadas de pedra, frias e húmidas que iam dar ao andar nobre do edifício e percorri aquelas salas vastas, mas sem conforto, lembrou-me mais do que uma vez que por ali teriam andado os passos do velho soldado da India, D. Francisco d’Almada, que por lá teria pizado António Pereira de Quadros, e a última habitante do velho solar, D. Antónia Madalena de Quadros e Sousa.
Estes últimos jazem hoje junto ao altar-mor, em carneiro, na Igreja da Misericórdia desta cidade, edificado em terrenos que lhes pertenciam e ao antigo couto de Tavarede.
Percorrendo aquela antiquíssima habitação, ainda encontrámos os restos de um altar, numa das divisões ao lado do corredor principal que se dirige, no andar nobre, do norte ao sul. Um oratório, apresentando o seu esqueleto em madeira, tosca, conserva ainda ligados uns restos de forro de pano escuro, com umas linhas de galão sem brilho já.
De resto nada de interessante.
Descendo ao rés-do-chão do Paço encontrámos também os despojos, de madeira e ferro, de um veículo de luxo, que poderiam ter pertencido a uma sege ou carroção a bois, cuja entidade se escondia nas brumas do passado.
Uma tradição que ouvimos do povo e que se liga á existência dumas colunas de mármore branco, muito correctas, que dividem a meio, verticalmente, as janelas da frente do Paço, hoje dos Condes de Tavarede, diz-nos que D. Francisco d’Almada, tendo combatido na India ou na Africa, os infiéis, no assalto a um pagode do gentilismo, depois de o tomar, trouxe, para Lisboa, na armada, as colunas do pagode, que foram distribuidas como galardão àqueles que mais se distinguiram na guerra
".

Fotografia do Palácio dos Condes de Tavarede, tirada por José Relvas, finais do século dezanove

Permito-me fazer umas pequenas correcções a este texto. Primeiro: não foi D. Francisco de Almada quem andou a combater na India e em África. Como sabemos foi António Fernandes de Quadros, o fundador da Casa de Tavarede no século XVI, que trouxe de Azamor, onde foi governador, as colunas de mármore referidas. Segundo: D. Antónia Madalena, que foi a décima senhora de Tavarede, casou com D. Francisco de Almada (governador da cidade do Porto e titular de diversos cargos no norte do País), e foram os pais de João d'Almada Quadros de Souza Lencastre (a quem o príncipe regente D. João VI, em 1804, concedeu o título de 1º. Barão de Tavarede e a Rainha D. Maria II, elevou a Conde, em 1848) e de D. Ana Felícia (que casou com o morgado de Roliça).

Também descreve a Igreja, "na sua arquitectura acanhada e ornatos arquitectónicos ressentidos do cunho das construções jesuíticas, é, como todos os outros edifícios, um exemplar dos da época quinhentista...".

Quanto à Casa de Ourão refere que constava ser de gente de linhagem fidalga, a quem alguns habitantes da terra eram obrigados a pagamento de foros de que eram senhoria. Relativamente à casa pertença de João Anselmo, no caminho para a fonte, julgamos ter sido deitada abaixo e que ficaria onde mais tarde esteve instalada a forja de Assalino Cardoso. Certamente noutra ocasião voltaremos ao caso do "senhor João Anselmo".


Como se pode verificar e adivinhar, Ernesto Fernandes Tomás, foi um estudioso das coisas da nossa terra. Aliás, outros trabalhos dele, igualmente publicados, nos deixa a descrição de Tavarede, como na polémica que travou ácerca da Estrada Aveiro-Figueira, em projecto por aqueles tempos.

Acabou por sucumbir a uma doença, parece que provocada pelo desgosto da morte do filho, nos primeiros anos do século vinte.

2 comentários:

  1. já há uns largos anos,por força das circunstâncias da vida vim morar para a freguesia de Tavareda,assim como muitos outros Figueirenses.pouco conhecia da terra do limonete,além da sua formosa fonte,onde nas noites quentes de verão,nos deslocávamos em passeio ,para levar a famosa e fresca água.Que saudades Deus Meu!outros tempos,outros custumes

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  2. Caro Anónimo
    Outros tempos, diz muito bem. Mas que, na minha opinião, não devem ser esquecidos. Pelo contrário, julgo cada vez mais importante informar os actuais do que foi a sua Terra e contar-lhe um pouco das suas colectividades e de tantos tavaredenses (e não só), que tanto honram e honraram Tavarede.
    Vitor Medina

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