segunda-feira, 13 de julho de 2009

Uma história do Teatro (Zé Neto)

José Maria Cordeiro (Zé Neto)


Do jornal "Correio da Figueira", de 20 de Novembro de 1990, permitimo-nos transcrever a seguinte notícia:

"O meu velho amigo José Maria Cordeiro, tavaredense dos quatro costados e a quem eu costumo chamar por graça “governador civil de Tavarede” (ele retribui-me dando-me o mesmo cargo em Buarcos), não obstante já ter ultrapassado a meta dos 80, continua a palmilhar todos os dias as ruas da cidade na sua missão de cobrador, persistindo teimosamente em sobreviver com a “choruda” reforma de 19 contos que, com a “ginástica” que se pode calcular, lhe dá para viver com alguma dignidade.
Quando nos encontramos, vem sempre à baila a sua Sociedade de Instrução Tavaredense, peças em ensaio e evocamos mestre José Ribeiro que, como é do conhecimento geral, foi durante toda a sua vida a alma mater da Sociedade e da sua secção cénica que ele criou com tanto carinho.
José Cordeiro tem pela memória do mestre uma grande veneração e há tempos aludindo à sua enorme competência no campo teatral, saiu-se com esta frase lapidar: José Ribeiro sabia tanto de teatro que, de uma pedra, era capaz de fazer um actor.
E o mais curioso é que ele fez essa afirmação como se a carapuça lhe servisse, pois que, por essa ocasião nunca tendo pisado o palco, foi feito actor à “pressão” quando nunca tal lhe passava pela cabeça.
E então contou-me a história: a Sociedade ensaiava nos anos quarenta a peça "Horizonte”, de Manuel Frederico Pressler, que iria ser representada em Coimbra a favor da Obra do Professor Elísio de Moura. Entre outros faziam parte do elenco os “crónicos” Violinda Medina e João Cascão.
Durante o ensaio geral um dos intérpretes teve um desaguizado com uma das amadoras e deu-lhe uma bofetada.
José Ribeiro não hesitou e consciente da decisão a tomar, deu-lhe ordem de expulsão imediata.
No dia seguinte de manhã José Ribeiro procurou o Cordeiro em sua casa e disse-lhe que precisava dele para interpretar o papel do amador
expulso. Ele porém argumentando com a sua inexperiência, escusou-se ao convite, mas tais foram os argumentos de José Ribeiro que, cônscio da responsabilidade que lhe era exigida, acabou por aceitar, mesmo correndo o risco de não fazer sequer um ensaio.
O Cordeiro que mais tarde haveria de ser ponto e que conhecia a peça por ter assistido a alguns ensaios convenceu-se que não iria pôr em causa os bons créditos que o grupo disfrutava, principalmente em Coimbra, onde o Grupo ia todos os anos representar.
De posse do papel onde estavam anotadas as respectivas marcações, isto é, as marcações que o personagem tem de fazer no decorrer da representação, o improvisado actor leu e recebeu o papel que acabou por decorar com relativa facilidade.
Os amadores tavaredenses, como ao tempo acontecia, deslocavam-se de comboio e o “ensaio geral” foi então feito numa carruagem de 3ª. sendo provável que tivesse corrido mal, o que é bom augúrio para que a representação corra bem.
O certo é que José Cordeiro saiu-se bem e safou a rascada não obstante as poucas indicações que José Ribeiro lhe havia dado.
E foi certamente a pensar neste episódio que ele então me disse que 'José Ribeiro sabia tanto de teatro que, de uma pedra, era capaz de fazer um actor'".

Nasceu no dia 20 de Fevereiro de 1910, filho de João Cordeiro e de Maria Joaquina Vaz. Era conhecido por José “Neto”, pois seu avô e um tio tinham o mesmo nome.
Casou com Maria José da Silva Figueiredo e teve uma filha, Helena Maria.
Muito culto, foi um grande coleccionador de “ex-libris”, deixando uma bem organizada colecção, e dedicou-se à história da sua terra, organizando vários cadernos com recortes de jornais, especialmente relacionados com o teatro da Sociedade de Instrução Tavaredense.
Adepto das práticas desportivas, foi um dos fundadores do Sportsinhos Futebol Clube, em 1926, de que foi dirigente e atleta, e no ano de 1940, do Atlético Clube Tavaredense, “que se propõe trabalhar no sentido de chamar ao desporto, alguns “terroristas” que ainda por aí existem, que vêem erradamente no desporto não o revigoramento da raça, mas, sim, o seu definhamento”.
Foi muito dedicado à Sociedade de Instrução, exercendo diversos cargos directivos e de responsável pela biblioteca, que dirigiu durante vários anos com a maior proficiência. A colectividade distinguiu-o com o diploma de sócio honorário, em 1979.
No grupo cénico, onde actuou, como amador dramático, de 1946, na peça Horizonte, até 1965, em Centenário de Gil Vicente, interpretou diversas personagens em peças levadas à cena. No entanto, a sua grande colaboração prestada ao teatro terá sido como ponto, tarefa que desempenhou enquanto teve saúde.
Foto 1 - Na peça "Chá de Limonete (1950) - no papel 'Futebol'
Foto 2 - Em "Frei Luís de Sousa (1951), no papel de 'Prior de Benfica'

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