No número de 6 de Setembro de 1950, o jornal “Notícias da Figueira” publica uma extensa entrevista a José da Silva Ribeiro, a propósito de “Chá de Limonete”. Motivado por esta entrevista, o jornal lisboeta “A Voz”, publica uma crónica sobre o Teatro de Amadores:
“Falar da decadência do Teatro português é zangarrear em sanfona velha. A falação tem sido feita, há um ror de anos a esta parte, sob todos os aspectos e a todos os propósitos. Nunca, porém, é demais bater a tecla, enquanto se não enfiar por outro caminho. Já lá dizia o bom do Rosalino: “o Mundo não se emenda, mas eu não largarei jamais o Mundo!”. O homem não era, afinal, tão desassisado como o quizeram fazer.
Chá de Limonete - São Pedro e Frei Manuel de Santa Clara
Afere por este critério um jornalista que provou o seu pulso na imprensa provinciana, espírito vivo e sensato que é um apaixonado do Teatro, tendo organizado na ridente povoação de Tavarede, a par da Figueira da Foz, um grupo teatral na Sociedade de Instrução Tavaredense, formado por figurantes buscados nas mais humildes profissões – gentes dos campos, mesteirais, etc. Este núcleo, sob a sua inteligente orientação, tem interpretado com geral aplauso não só peças do seu organizador, como de outros autores nacionais e estrangeiros. É uma obra de cultura e patriotismo exemplar a imitar para que justo é dirigir as atenções de quantos se interessam pelo Teatro Português”.
Em pleno êxito, a fantasia “Chá de Limonete” foi retirada, temporariamente, de cena, para dar lugar a mais um outro extraordinário espectáculo. No dia 24 de Novembro de 1951, é apresentada, na sede, a imortal obra-prima do teatro português “Frei Luís de Sousa”. Do trabalho que deu a sua montagem, copiamos este apontamento do relatório desse ano:
“Vós que assististes cómoda, ou incomodamente instalados na plateia à representação do “Frei Luís de Sousa”, não podeis avaliar, e pena é que assim seja, porque se o pudesseis fazer isso significaria interesse pela vossa Sociedade e estimular-nos-ia a vossa presença amiga, não podeis avaliar, como se ia dizendo, a soma de sacrifícios, de desânimos, de estudo, de energia e trabalho enfim, despendidos na montagem desta peça inolvidável. Todos os amadores colaboraram com o seu saber e com a sua melhor boa vontade. Mas é, sem dúvida, e desnecessário seria dizê-lo porque todos vós o sabeis bem, ao dinamismo, à cultura, aos profundos conhecimentos das coisas de teatro, à superior inteligência do director cénico, que se fica devendo mais este triunfo da nossa Sociedade, delirantemente aplaudido por quantos assistiram ao Frei Luís de Sousa.
Quem, como nós, acompanhou a evolução do que se apresentava como um sonho pelo muito que tinha de arrojado, até à admirável realidade que todos presenciastes, tem por força de admirar e avaliar o enorme trabalho levado a efeito pelo nosso director cénico. A quantidade assombrosa de correspondência trocada para recolha de elementos necessários; a probidade com que a peça foi montada e posta em cena, levando o seu escrúpulo até à observância dos mais ínfimos pormenores, causando a admiração dos próprios profissionais de teatro; o dispêndio de importâncias do seu próprio bolso para correspondência, etc., e, sobretudo, o trabalho gigantesco e exaustivo, duma persistência única, realizado como encenador, impõem-no à nossa admiração e gratidão.
Não, nem todas as associações podem representar Frei Luís de Sousa. E nenhuma, por certo, o levaria à cena com o rigor e êxito com que nós o fizemos. Para isso seria necessário que pudessem contar com um elemento tão precioso como esse Homem que todos nos orgulhamos de ter por consócio e conterrâneo. Para o senhor José da Silva Ribeiro vai todo o nosso agradecimento de directores pelos seus ensinamentos, pelos seus preciosos conselhos e pela maneira generosa como sempre colaborou connosco; e as nossas homenagens de homens que muito querem à sua terra, pelo seu grande talento”.
A colectividade, nesse ano, fez uma edição, em livro, da peça “Chá de Limonete”, com o propósito de angariar fundos para os seus cofres e com destino às obras de ampliação e transformação da sede. Foi um êxito, encontrando-se, há já muitos anos, totalmente esgotado.
A colectividade, nesse ano, fez uma edição, em livro, da peça “Chá de Limonete”, com o propósito de angariar fundos para os seus cofres e com destino às obras de ampliação e transformação da sede. Foi um êxito, encontrando-se, há já muitos anos, totalmente esgotado.
Chá de Limonete - Lamentos da Vila de Tavarede
Num dos capítulos seguintes contaremos alguma coisa mais sobre “Frei Luís de Sousa”. Como havíamos referido, no primeiro espectáculo de “Chá de Limonete”, o artista Rogério Reynaud sofreu grave acidente. E em Maio de 1951, com uma festa promovida pelas associações do concelho, como regozijo pelo seu restabelecimento, é-lhe prestada uma homenagem no Teatro Parque-Cine, que teve a participação do Grupo Coral da Figueira, da Associação Naval (ginástica), do Grupo Caras Direitas (dois quadros de revista), da Filarmónica Figueirense (entreacto Na Volta do Mar), e do nosso grupo cénico, que representou o “Auto da Barca do Inferno”, de Gil Vicente.
Ainda nesse ano, o director cénico efectuou a sua 4ª palestra sobre Teatro, com o título “As trilogias dramáticas”, com o sumário: “A trilogia ligada de Ésquilo – Oréstia”; “A trilogia das Barcas, de Gil Vicente”; “A trilogia de O’Neill – Electra e os Fantasmas”; e “Imortalidade do Teatro”. Respigamos este breve comentário: “e, embora nos desvaneça o facto da maior parte da assistência ser de indivíduos de fora, o que prova o interesse que aos estranhos merecem estas realizações, desgosta-nos sobremaneira o quase desinteresse manifestado pela maioria dos nossos consócios e conterrâneos, pelos assuntos que interessam à sua cultura”.
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