O segundo acontecimento, ocorrido em Junho daquele ano, foi a visita de “uma embaixada de Coimbra, constituída por indivíduos que representavam várias instituições a favor de quem o nosso grupo cénico já realizou espectáculos, e da qual fazia parte também o eminente Professor Senhor Doutor Elísio de Moura. Foi essa embaixada portadora de valiosa e significativa placa que se encontra colocada numa parede da nossa casa, e que nos foi oferecida numa memorável sessão a que presidiu o Senhor Doutor Elísio de Moura, que teve palavras de muito apreço para a Obra da SIT, que fundo calaram nos nossos corações, tendo feito também, em palavras cheias de beleza, o elogio do nosso querido grupo cénico”.
“Seria irrealizável se não contássemos com colaborações e dedicações valiosas. A tragédia “Catão” decorre em Útica, no ano 46 AC; “D. Filipa de Vilhena”, no século 17; “Um auto de Gil “Vicente”, no século 16 e “O Tio Simplício”, no século 19, em plena época do próprio Garrett. Veja a variedade e a riqueza do guarda-roupa, cenários e cabeleiras de cada época. O acto de Um auto de Gil Vicente passa-se a bordo da nau “Santa Catarina do Monte Sinai”, na antecâmara da que é já Duquesa de Sabóia, onde se encontra o rei D. Manuel, a infanta sua filha D. Beatriz e Bernardim Ribeiro, cujos amores lendários são o motivo da peça; o almirante da esquadra Conde de Vila-Nova; o Bispo de Targa; o velho Garcia de Rezende, que nos deixou descrição minuciosa daquele quadro da época manuelina; os embaixadores do Duque de Sabóia; Paula Vicente, a filha de Gil Vicente, apresentada por Garrett como grande intérprete na representação das obras vicentinas, etc. São quatro obras diferentes, com acção em quatro épocas diferentes, apresentadas num só programa, exigindo a presença de mais de 30 intérpretes, porque cada um deles não pode interferir em mais de uma peça. Isto bastará para se avaliar da complexidade – quantos problemas a resolver! – e da grandeza do empreendimento a que a Sociedade de Instrução Tavaredense se lançou, ensaiando um programa tão difícil e dispendiosa montagem. Alberto Anahory, que é uma autoridade em guarda-roupa histórico, está a tratar da indumentária com o seu belo gosto e sentido artístico; e o professor Manuel de Oliveira, artista consagrado na cenografia, estuda já os cenários a pintar, cujas “maquettes” em breve serão expostas. Estes dois artistas dão-nos colaboração preciosa, com uma simpatia que excede os limites de simples probidade profissional. Sem eles, e sem outras devoções carinhosas, não chegaríamos ao fim”.
E numa organização da Biblioteca Pública Municipal, perante enorme assistência, José Ribeiro proferiu uma conferência na qual “com invulgar brilho, abordou o tema – A propósito do Frei Luís de Sousa – Mentiras na História, Verdades no Teatro, que foi ouvida com o maior interesse por toda a selecta assistência”.
E vamos acabar este capítulo contando um acidente que, felizmente, não teve consequências de maior, mas do qual poderiam ter resultado gravíssimos danos. Foi no espectáculo realizado em Condeixa, no dia 22 de Agosto daquele ano, com a peça “Frei Luís de Sousa”. Como todos estarão recordados, no final do primeiro acto, assistia-se ao incêndio da casa de Manuel de Sousa Coutinho, ateado por ele próprio, para que a sua casa não pudesse servir de residência aos governantes traidores à Pátria, e que fugiam da peste que grassava em Lisboa. O incêndio era simulado nos bastidores por vários elementos do grupo com archotes, etc. No interior de uma das portas, por onde aquele fidalgo atirava um archote aceso, estava o amador Fernando Reis, que interpretava o papel de “Romeiro” e que, recebendo o archote, ateava dois cartuchos com pólvora, simulando fogo e fumo. Inadvertidamente, algumas fagulhas de um cartucho atearam o outro que, por sua vez, pegou fogo às roupagens e às barbas que o caracterizavam. Socorrido de imediato, foi levado ao hospital para ser tratado das queimaduras sofridas. O hospital era assistido por freiras e àquela hora da noite tinha a porta fechada. Foi necessário bater com alguma violência para abrirem a porta. Estava de serviço uma freira-enfermeira. Calcule agora o nosso leitor, o espanto e o terror da freira ao abrir a porta e deparar com aquela figura do “Romeiro” a surgir da escuridão... Desatou a fugir corredor fora, gritando, claro!
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