segunda-feira, 19 de abril de 2010

Grupo Musical e de Instrução Tavaredense - 17

Como fiz referência no capítulo anterior, a nova sede do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense foi inaugurada, com toda a pompa e circunstância, nos dias 20 e 20 e 21 de Dezembro de 1924.

Sabemos, também, que o valor acordado para a compra do edifício, então pertença do sócio Manuel da Silva Jordão, na altura considerado benemérito da colectividade e que até já merecera a honra de ver o seu retrato descerrado, em acto solene, havia sido fixado em 20 contos de reis.

A colectividade não dispunha, porém, daquela importância. E como o empréstimo autorizado pela Assembleia Geral, para ser feito por meio de uma emissão de acções, no valor total de 25 000$00, ou seja, 500 acções do valor unitário de 50$00, obteve fraco acolhimento por parte de grande maioria dos associados, necessário se tornou obter outra fonte para o financiamento.

E, concordemos, a deliberação tomada pela referida Assembleia, de que cada sócio fosse obrigado a subscrever, no mínimo, duas acções, era um bocado violenta. Cem escudos, naquele tempo, era bastante dinheiro, mormente quando a maior parte dos associados seriam operários e trabalhadores rurais, com baixos proventos e nem sempre garantidos, tornavam-se muitas vezes bem escassos para provir às carências familiares. Mesmo assim, ainda foram subscritas bastantes títulos. Pelo menos garantiram, em parte, as despesas ocorridas com as obras de restauro e melhoramento das instalações, pois, presumo, o valor orçamentado para estas rondaria os cinco mil escudos, uma vez que o empréstimo por acções previa os 25 contos e o financiamento posteriormente acordado, para pagamento da casa, foi só de 20 contos.

Também fiz referência às condições obtidas do vendedor, para o pagamento da verba negociada. Metade seria emprestada pelo próprio vendedor, com pagamento facilitado até 3 anos, sem cobrança de quaisquer juros, e a outra metade, por meio de letra aceite por três sócios de reconhecida idoneidade por aquele vendedor.

Imediatamente se ofereceram três sócios para assinarem a mencionada letra. Foram eles, João de Oliveira, António Francisco da Silva e António Medina, respectivamente, presidente, vice-presidente e tesoureiro da Direcção. Para colaborar com estes na responsabilidade, logo se ofereceu o elemento do Conselho Fiscal, José Maria Costa. De mencionar que os encargos com esta letra eram elevadíssimos, com uma taxa de juro de vinte por cento ao ano. E isto, repare-se, foi assumido a título pessoal por aqueles quatro sócios, sem que o Grupo figurasse como responsável pela dívida, embora a escritura da compra do edifício fosse feita em seu nome.

Havia, portanto, que tomar as providências e cautelas que se impunham. Uma das medidas mais importantes foi a deliberação de solicitar ao presidente do Conselho Fiscal, António Victor Guerra, a organização da escrita da colectividade, tarefa de que foi encarregado “pela sua categoria técnica”. Logo se depreende que, até então, as contas seriam feitas, como se diz, um tanto “à balda”.

Outra das medidas também tomadas foi a de aumentar a quotização mensal. Se a partir de Junho de 1924 era de $75 escudos, passou a ser de 1$00 a Janeiro de 1925 para diante. Em seis meses, um aumento bem substancial: cem por cento, pois, anteriormente, estava fixada em cinquenta centavos. A jóia passou de 5$00 para 10$00.

Mas não se podia somente fazer exigências aos sócios. Havia que lhes dar, em contrapartida, alguns benefícios, pelo que, em reunião de Direcção de 8 de Janeiro de 1925, foi “resolvido que, no intuito de estimular todos os amadores do nosso Grupo Dramatico, incutindo-lhes a boa vontade de trabalhar e, consequentemente, de tomarem parte em futuras récitas, se lhes facultasse um bilhete para cada espectaculo que se realize na nossa séde, o qual se denominará “bilhete de serviço”, e que será oferecido, por cada um, a qualquer pessoa de sua familia, ou a quem entendam, e bem assim a escolha de logares.Igual concessão será feita a todos os executantes que prestem serviço nos mesmos espectaculos quer sejam ou não socios do Grupo.
Mais foi aprovado que em todos os espectaculos realizados pelo nosso Grupo Dramatico, se dê entrada a todos os filhos de socios, com menos de 15 anos, sendo-lhes, portanto, fornecidos os competentes bilhetes, a titulo de oferecimento, tendo-se em atenção para este facto, o haver alguns associados que teem familias numerosas, sendo-lhes pesadissima a obrigação de comprar as entradas para os seus filhos, o que dava um resultado de nunca lhes distrair os espiritos, atenta a avultada importancia que, para tal fim, teriam de dispender”.

Igualmente foi resolvido fazer uma campanha com o grupo cénico, pelo que foram contactadas diversas colectividades das povoações limítrofes, afim de darem alguns espectáculos, com a finalidade da angariação de fundos para fazer face aos grandes encargos anuais com os juros vincendos.

É oportuno recordar um apontamento da acta da Direcção de 9 de Junho daquele ano que refere “foi deliberado que, no futuro, fossem lançados em livro especial, arranjado para tal fim, todas as importâncias correspondentes aos serviços prestados ao Grupo por cada sócio, as quais, à medida que fossem atingindo o valor de uma acção, ser esta entregue a quem competir, proposta esta que tem unicamente em mira estimular todos os associados a trabalharem com mais ardor pelo bem da nossa causa”.

Em 10 de Janeiro de 1926, houve uma Assembleia Geral extraordinária em que foram apresentadas as contas, as quais foram aprovadas após ter sido lido “lido, em nome da direcção cessante, um bem elaborado relatório, por onde se pôude apreciar dos esforços e da bôa orientação da gerencia finda; bem como as contas, pela leitura das quaes se ficou conhecendo a situação financeira do Grupo.
Apresentados os seguintes agradecimentos: Dr. José Rafael Sampaio, por ter tomado conta da nossa questão contra os srs. Fonseca & Cª.; António Francisco da Silva, João d’Oliveira, António Medina e José Maria Costa, por se terem responsabilizado perante o Banco de Portugal pelo empréstimo alí contraído pelo Grupo e perante o empréstimo em Brenha; ao sr. José Francisco Silva, pela oferta de todos os artigos necessários á secretaria; so sr. Adelino Joaquim faria, pelas inumeras ornamentações gratuitas que tem feito na nossa séde e ainda pela oferta d’algum dinheiro; ao sr. António Medina, tesoureiro, por ter facilitado muito a missão dos restantes corpos gerentes com relação a recebimentos e pagamentos, pois que a-pesar-de termos um movimento de sessenta contos, muito pouco dinheiro lhe passou pelas mãos; ao sr. José da Cunha Ferreira, pela oferta do retrato de sua bondosa Esposa, algum dinheiro e viveres para o bodo aos pobresinhos da nossa terra; ao sr. Vicente Ferreira, pela forma desinteressada com que prestou os seus serviços como ensaiador da nossa secção dramática; ao sr. Eduardo Pinto de Almeida, pelos relevantes serviços que, na qualidade de mestre de música, nos prestou, muito tendo contribuido para o bom nome da nossa Tuna; ao sr. Alvaro Mesquita, pelos serviços prestados como caracterisador; á Imprensa da Figueira da Foz pela assinatura gratuita dos seus jornaes e pelas bôas referencias que tem feito á nossa colectividade.
Seguidamente foi apresentada e justificada pelo sócio António Medina Junior a seguinte proposta: Proponho que o nosso distinto e inteligente consocio Exmo. Sr. Antonio Victor Guerra seja louvado, pela direcção que hoje toma posse, pela fórma brilhante e desinteressada como soube escriturar as contas algo embaraçadas que durante a gerencia finda se tiveram de fazer dentro da vida do Grupo.
Foram ainda aprovados votos de agradecimentos ao sr. Carlos da Silva Pestana, pelos relevantes serviços prestados ao Grupo, e ao sr. Antonio d’Oliveira Guerra, pelo oferecimento de madeira em elevado valor.
Pelo sr. António Guerra, e referindo-se aos espectáculos realisados pelo Grupo em Figueira da Foz, Quiaios, Brenha, Maiorca, na Marinha Grande e Montemor o Velho, onde colheram os melhores louros para a nossa bandeira, exortando os paes a que mandem as suas filhas aos ensaios e pedindo a colaboração assídua do respectivo director de scena. Sobre a Tuna, que considera o filho mais velho do Grupo, pede a todos os executantes que lhe dediquem o melhor dos seus esforços, pois que é uma boa fonte de receita que convém não desperdiçar. Em instrução e ginástica insta com os sócios para que não deixem de frequentar as suas aulas, bem como mandarem os seus filhos para o mesmo fim.
Nesta assembleia foi proposto e aprovado que no 1º. domingo de cada ano se proceda á eleição dos corpos gerentes e à prestação de contas, e no 3º. domingo se façam as festas de aniversário”.

Mas as coisas não corriam de feição. O grupo cénico não estava a corresponder e isto por ter um responsável provisório. Vale a pena ler um extracto da acta da reunião da Direcção de 14 de Março daquele ano.

“O sr. Presidente começou por declarar que, para evitar mal-entendidos, ia abordar um assunto de grande importancia, não na qualidade de amigo pessoal do Director Scenico, sr. Antonio Medina Junior, mas sim na de Presidente da Direcção. Que como era do conhecimento de todos os Directores, havia sido previamente resolvido, em uma das reuniões de Direcção transacta, a que aquele sr. Director Scenico assistiu, que fosse levado a efeito, em Verride, um espectaculo pela nossa Secção Dramatica, cuja recita se destinaria a amortisar parte da divida ao banco de Portugal (400$00 esc.), espectaculo este que não se chegou a realisar devido à incuria do mesmo sr., votando ao abandono, por alguns dias, aquela secção, quando é certo que o vencimento da letra na importancia acima indicada se aproximava. E que, por tal motivo, se viu obrigado a recorrer a um amigo particular, estranho à Colectividade, para que este lhe emprestasse, em seu nome, a mesma quantia para satisfazer o compromisso tomado afim de, por esta fórma, salvaguardar o bom nome da nossa Associação e, sobretudo, a dos aceitantes da letra, entre os quais figurava o sr. Antonio Medina, pae do aludido Director Scenico. Se assim não procedesse, aliás como se lhe impunham os deveres do seu alto cargo, o credito dos aludidos aceitantes, cessaria, de uma vez para sempre, naquele estabelecimento bancario. Depois do exposto e tendo aparecido nesta ocasião o sr. Antonio Medina Junior, lamentou sinceramente o seu irregular procedimento, expressando ao mesmo tempo a sua profunda mágua, por vêr que existiam estas divergências, as quaes eram em absoluto, prejudiciaes á vida do nosso Grupo, que até aqui tem caminhado na senda do progresso, ao lado das suas congeneres mais prosperas. Sobre este assunto, o sr. Director scenico justificou a sua atitude, prestando declarações que foram, em parte, inaceitaveis, prometendo, de futuro, dedicar a sua atenção, com mais regularidade, e como lhe cumpre, á Secção que proficientemente tem sabido dirigir”.

É interessante, também, uma nota extraída de uma acta seguinte, em que se escreve “o senhor presidente expôs a necessidade de se proceder à cobrança das importâncias em dívida para a subscrição dos retratos dos nossos consócios srs. António Medina e José Medina e que, por todas as formas, se conseguisse a ultimação da mesma, para liquidação da conta em débito”. Quer dizer, mesmo os retratos que eram descerrados, eram pagos por subscrição aberta entre os sócios!

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