sexta-feira, 9 de abril de 2010

Sociedade de Instrução Tavaredense - 20


“Das bandas de Tavarede, onde a seita dos três pontinhos ilumina a obtusidade de meia dúzia de campónios ensinando-os a dar á perna num jeito lôrpa e a proferir sandices de olhos em alvo, chegou ao teatro “Parque Cine” da Figueira um grupo dramático, apregoado pelos arautos da grande imprensa neste “Século” tartufo, como a expressão máxima – que fino!... – da arte de Talma.
E, assim, tivemos nós um hilariante espectáculo com a representação sumida duma fantasia “A cigarra e a formiga” história absolutamente inédita no dizer do infeliz “prólogo” – um homenzinho ridículo, dum ridículo inconsciente.
A peça é uma amálgama de bocadinhos alheios onde não falta a piada porca, a forçar gargalhadas pela torpeza, sem teatro e sem arte, pretexto apenas para a apresentação da companhia. Uns bocados de aqui, uns versos de acolá, uma sugestão de além, isto tudo muito mal cerzido, falho de unidade, distribuído por três actos e 10 quadros. Há um prólogo a apresentar em versos imbecis, sem gramática e sem métrica, os dois personagens principais – uma Formiga, lua cheia vestida de cinzento, de voz monocórdica e sem gestos, e a outra, um bicharôco verde que consegue atravessar o palco continuamente, de princípio ao fim, com um risinho lôrpa engatilhado nos lábios desmesuradamente abertos. Durante este primeiro acto, sem preparação teatral, recorre-se a um desenrolar monótono de fantoches manejados sabe Deus como e porquê.
No segundo acto, por certo o menos pior da fantasia, assiste-se a um pandemónio amoroso em que a filha não quer casar, mas que diz que quer porque o pai quer, ficando o namoro desprezado sem saber o que quer, no meio duma confusão tão grande que não há forma de se perceber nada. O segundo quadro deste acto fornece-nos um arraial de S. João, sem movimento, sem cor e sem vida, mero pretexto para uma mísera desgarrada.
O terceiro acto continua a baboseira inicial, terminando por uma estupidificante apoteose ao amor, muito ridícula e pobrinha.
Como se vê tudo isto é nojento em demasia, tanto mais que os vinte e sete números de música anunciados se resumem, na sua concepção a uma monótona e bafienta repetição de motivos.
Dos cenários: o do primeiro quadro, especialmente, é um pastelão de cores com as perspectivas erradas; o do segundo sofre-se; o do terceiro apresenta-nos um cofre tão bem pintado de azul que é o melhor efeito cómico da peça. De resto como muito bem diz a cigarra, tudo aquilo é fantasia.
Do valor literário da obra, ainda que muito pese ao habilitado crítico do Século, a nossa apreciação, nada pode encarecer. Quizéramos fazer algumas transcrições, mas o espaço falta-nos. Não resistimos contudo a esta edificante quadra:

Ai minha mãe, minha mãe!
Vivesses tu tinha eu pai!
Assim se o pranto me cai,
Não tenho pai nem ninguém!

E basta!... que isto de se gritar pela mãe, quando se pretende chamar o pai que fugiu através da mãe por a menina chorar, é o que de melhor conhecemos no género Rosalino Cândido, Calino & Companhia.
A interpretação, não supre as faltas atrás anotadas, antes continua a asneira. Iletrados, ou pouco menos, as sílabas saiem-lhes da boca numa inconsciência tal que comove.
A Sociedade de Instrução Tavaredense melhor faria, se ensinasse as boas regras do A B C aos seus associados em vez de os meter num palco a fazerem rir pelo ridículo das suas pretensões artísticas”.
Mais haveria a transcrever dos comentários deste jornal à colectividade tavaredense. Mas, para as nossas histórias, chegam perfeitamente as transcrições feitas.
A política e a religião, deve dizer-se, tiveram grande influência na vida associativa tavaredense. E aproveitamos para recordar um acontecimento que, naqueles anos de 1929 a 1931, acabou por ter enorme importância no nosso grupo cénico. Como referimos num dos capítulos anteriores, por dissidência de amadores desta colectividade, foi fundado o Grupo Musical e de Instrução Tavaredense. Dedicada ao teatro e à música, teve esta colectividade um período extraordinário, entre os anos de 1915 a 1929. Auxiliada por um sócio, Manuel da Silva Jordão, abastado proprietário nos Carritos, transformou o edifício da sua sede, para onde se mudara em 1914, numa moderna casa de espectáculos. Já sabemos que era a “velha casa de Joaquim Águas”, ali ao meio de Tavarede.
Com as obras e com a “compra” da casa, contraíram pesadíssimo encargo. Referimos “compra” porque, na verdade, compraram, mas... não pagaram! O proprietário, o referido sócio dos Carritos, só recebeu metade do valor, ficando o restante garantido por letra, avalisada por alguns sócios, a pagar quando o Grupo tivesse possibilidades de o fazer. O seu teatro e a sua tuna alcançaram enorme fama. Foi o seu teatro, aliás, o primeiro grupo tavaredense a sair do concelho. Verride, Montemor-o-Velho, Santo Varão e, depois, Marinha Grande, receberam e aplaudiram as suas récitas. Foi neste Grupo, recorde-se, que se iniciou no palco aquela que viria a ser a grande amadora Violinda Medina e Silva. Foi no drama “Erro Judicial” que, por volta dos seus dezassete anos, fez a sua estreia em papéis de relevo.
Mas, tramas políticas e religiosas que nos dispensamos aqui de narrar, levaram a que a tal letra fosse apresentada à cobrança em 1929... Aquela casa despertara cobiça. Como não tinham dinheiro para o pagamento tiveram que a vender. Ficaram como arrendatários. Bastaram, porém, dois meses de renda em atraso para serem desalojados. Mudaram-se para o solar dos Condes de Tavarede, mas acabaram com a secção teatral, pois não dispunham de sala de espectáculos.


E naquela casa, que foi adquirida pela diocese de Coimbra, instalou-se o Grémio Educativo e de Instrução, sob a égide do então pároco de Tavarede, o reverendo Padre José Martins da Cruz Dinis, que ficou conhecido, pelo povo tavaredense, por “papa-léguas”, certamente pelo seu muito caminhar. Durou pouco aquela colectividade.
Violinda Medina não podia abandonar o teatro. Ele já fazia parte da sua própria vida. E depois de uma brevíssima passagem pelo grupo cénico do Ginásio Clube Figueirense, ingressou no teatro da Sociedade de Instrução. Outros amadores a acompanharam, numa “mudança de camisola” que provocou fortes reacções contrárias. Um pouco mais adiante saberemos da sua estreia nesta colectividade.

(Estas recordações do Grupo Musical e de Instrução Tavaredense e do Grémio Educativo e de Instrução Tavaredense serão desenvolvidas na história destas colectividades.)

Foto: Violinda Medina contracenando com Severo Biscaia, na peça 'O Rei da Lã', pelo grupo cénico do Ginásio Figueirense.

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