Numa entrevista dada pelo Professor Dr. Paulo Quintela, ao jornal “Diário de Notícias” acerca da divulgação do teatro de Gil Vicente pelo Grupo de Teatro dos Estudantes de Coimbra, aquele Mestre de Teatro, aliás bem conhecedor da nossa actividade, omitiu o nome da nossa Sociedade e a nossa prestação ao Teatro Amador Português.
“…. Ora a verdade é que a velhinha Sociedade de Instrução Tavaredense, fundada ali da vizinha e ridente povoação de Tavarede, a “Terra do Limonete”, em 1904 e desde então ininterruptamente dedicada, sem quebras nem desfalecimentos, a uma louvável obra de educação e cultura do povo, desfruta também de inteiro e inegável direito a figurar entre os agrupamentos cénicos que, de forma efectiva e permanente, têm dado notável contributo à divulgação do teatro de Gil Vicente, fazendo-o com elevado nível artístico e invulgar persistência e dedicação.
Há 62 anos sob a orientação do mesmo director artístico, José da Silva Ribeiro, um verdadeiro mestre de teatro e que o serve com uma devoção e uma competência inexcedíveis, bem pode afirmar-se, sem receio de contestação, que o grupo de amadores da Sociedade de Instrução Tavaredense, se conta hoje entre os melhores do país.
Mas este homem, dominado pela profunda convicção de que, perante os incapacitados para a leitura, a arte dramática deve ser, tem de ser, precioso elemento da grande obra de difusão da cultura, não podia deixar de dedicar particular atenção à escolha do respectivo reportório. E assim é que, para além de ter levado à cena, mais de uma dúzia de originais da sua autoria (só ou em colaboração) e mais de meia dúzia de traduções e adaptações por ele efectuadas, fez representar pelo menos quatro peças de Shakespeare, outras tantas de Molière e também dos Irmãos Quintero, além de teatro de Almeida Garrett, D. João da Câmara, Marcelino Mesquita, Pinheiro Chagas, Chagas Roquette e uma infinidade de outros mais, tanto portugueses como estrangeiros, mas sujeitos todos a criteriosa escolha e selecção. E toda essa vasta, vastíssima, galeria de obras, autores e personagens, encenada com rigorosa subordinação ao princípio de que, sobre as tábuas dum palco, os defeitos da representação atingem tal relevância, que chegam a perverter as próprias virtudes dos textos.
Cântico da Aldeia
Do que fica dito já será fácil prever que um homem de teatro como José da Silva Ribeiro dificilmente poderia deixar de dar no seu teatro, a Gil Vicente, o lugar de relevo que ele merece e toda a dimensão que estivesse ao seu alcance.
Assim, portanto, nenhuma admiração nos deve causar que ele tenha feito representar pelos seus amadores tavaredenses nada menos de onze originais vicentinos. A começar no “Auto da Mofina Mendes”, seguido do “Auto da Barca do Inferno”, de “Todo o Mundo e Ninguém” (do “Auto da Lusitânia”), do “Auto Pastoril Português, da “Farsa do Velho da Horta”, do “Pranto da Maria Parda”, do “Dom Duardos”, de fragmentos do “Auto Pastoril Português”, “Romagem dos Agravados” e “Breve Sumário da História de Deus” e a acabar no “Auto da Feira”.
Extraordinária sim, temos de considerar a divulgação desse reportório para além de Tavarede, através da famosa “campanha vicentina” em redor do concelho e visando as suas aldeias rurais. De deslocação a Coimbra, ao Teatro Avenida, com “Noite de Teatro Português”. De comemoração do “Dia Mundial do Teatro”. E de comemoração do “V Centenário do Nascimento de Gil Vicente”. Em qualquer dos casos em espectáculos realizados nesta cidade e promovidos pelos Serviços Culturais da Biblioteca Municipal da Figueira. Um repertório que havia também de dar lugar a uma admirável, inesquecível e verdadeira criação artística de Violinda Medina, no “Pranto da Maria Parda” e numa interpretação com a qual, sem o mínimo de exagero se pode dizer, poucas e destacadas profissionais seriam capazes de ombrear.
Para além do que fica referido, quanto não poderia e deveria ainda escrever-se sobre o assunto, se para tanto houvesse maior jeito e o espaço o permitisse.
Cremos, no entanto, que mais não será preciso para comprovar que houve lapso do Prof. Doutor Paulo Quintela quando não incluiu os amadores tavaredenses, de José da Silva Ribeiro, entre os que muito se empenharam em dar o seu contributo à divulgação do teatro de Gil Vicente”.
O segundo apontamento diz respeito a mais uma palestra de Mestre José Ribeiro. No Porto havia sido levada à cena a peça “Frei Luís de Sousa”, totalmente adulterada. “José Ribeiro, o homem de espírito e incontestável mestre de teatro de que justamente os seus patrícios se orgulham, efectuou na Sociedade de Instrução Tavaredense, subordinado ao tema “Liberdade e Abusos do Encenador”, uma conferência-protesto contra o vil desacato de que acaba de ser alvo a imortal obra-prima teatral “Frei Luís de Sousa”, de Almeida Garrett, que um grupo cénico do Porto acaba de levar à cena, totalmente adulterada, a ponto de proporcionar um espectáculo indecoroso, aviltante, intragável, que nem o actual estado dos nossos costumes recebeu passivamente.
Violinda Medina - O Processo de Jesus - Última vez que pisou o palco
Aqui deixamos a José Ribeiro os aplausos pela sua viril e oportuna reacção contra o oportunismo torpe dos audaciosos envenenadores da sociedade portuguesa, que tudo fazem para a ver cada vez mais degradada, na certeza de que assim a podem mais facilmente tomar de assalto”.
Finalmente, a terceira nota diz respeito à reposição, no dia 30 de Setembro de 1978, da peça “O Processo de Jesus”. A nossa amadora Violinda Medina e Silva havia abandonado o palco, em 1975, depois do falecimento prematuro de sua única filha, Maria Luísa. Mas o seu amor ao teatro acabou por superar a sua imensa dor. Doente, alquebrada e quase cega, ainda arranjou forças para participar na reposição daquela peça. O seu papel, o de “A Velhinha”, personagem a quem haviam assassinado o filho por questões políticas, viveu-o ela intensamente nesta reposição. Transportou-o para si própria e para a sua triste realidade. Quem assistiu a estas representações, dificilmente esquecerá os momentos, verdadeiramente dramáticos, então vividos, quando Violinda Medina e Silva desempenhou este papel.
Foram dados quatro espectáculos com a reposição. No dia 2 de Junho de 1979, numa récita em benefício dos Bombeiros Voluntários da Figueira da Foz, pisou, pela última vez, as tábuas do nosso palco…
Sem comentários:
Enviar um comentário