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Do domínio serraceno nenhum testemunho restou, apesar de, em 717, haver notícia de a povoação (S. Julião da Foz Mondego) ter sido assolada e destruída. A reconquisra cristã, empreendida por Fernando Magno de Leão, é orientada, na zona coimbrã, pelo conde Sesnando, moçárabe natural de Tentúgal e homem de confiança do rei, mais tarde investido nos cargos de governador de Coimbra e no de toda a Terra de Santa Maria. Em 1064, conquista Coimbra aos mouros. As zonas vizinhas, em mãos destes, são abandonadas, não sem antes terem sido alvo de saques e outras atrocidades. S. Julião é exemplo desta política de terra queimada, como zona tampão de alguma eficácia, verdadeiro espaço estratégico negativo entre dois contendores. Este acontecimento encontra-se implícito num documento do século XI, que situava S. Julião como o centro do povoado que ali teria existido. Depois de normalizada a situação, o conde Sesnando incumbe, em 1080, o abade Pedro de Coimbra, de reconstruir o lugar e a Igreja.
Em documento datado de 14 de Novembro de 1096, do Livro Preto da Sé de Coimbra, o mesmo abade doa estas suas propriedades àquela Sé, na pessoa do bispo D. Crescónio, por intenção da salvação da sua alma, como era então uso e costume, permitindo cronologicamente datar a reconstrução da igreja de S. Julião e do respectivo povoado entre os anos de 1080 e 1090. O abade Pedro viria a falecer, sergundo o Obituário da Sé de Coimbra, em 1100.
Estava este povoado da Figueira da Foz do Mondego ciente da sua importância económica (porto de mar) e geo-estratégica (acesso a Coimbra e à área económica circundante por via fluvial, bem como defesa da embocadura do rio), como se depreende de uma doação a Santa Eufémia, em 1092, onde é referida a existência de salinas na foz do Mondego, um dos principais produtos de exportação porrtugueses.
O Mosteiro de Santa Cruz inicia, por esta altura, o seu domínio efectivo sobre esta região, beneficiando da acção que desenvolve junto dos monarcas e de várias doações reais. Em 1134 adquire metade da vila de Eimide. Quatro anos mais tarde compra uma herdade na Foz do Mondego a Susana Martinho. Em 1139 toma posse da carta de venda da pesqueira do porto de Eimide. D. Afonso Henriques, no seu testamento de 1143, doa-lhe a outra metade da terra de Eimide. Em 1158, nova doação real permite ampliar os coutos crúzios, com a entrega da Ínsua da Ouveiroa, ou da Morraceira, com as suas salinas. O castelo de Santa Olaia, perto de Montemor-o-Velho, é igualmente doado a Santa Cruz por Afonso Henriques, no ano de 1166, incluindo a foz do Mondego, “por onde entram os navios”. Todo o estuário, barra e baía da actual Figueira eram couto daquele mosteiro, incluindo os interesses económicos que deste domínio advinham.
A partir desta última data, a Sé e Santa Cruz denominarão este povoado, nos seus documentos, de “Igreja de S. Julião” e “terras da Figueira”.
A 8 de Novembro de 1191, o cabido da Sé, por vontade de D. Sancho I e de D. Dulce, recebeu o couto de Tavarede pro jure hereditário in perpetuum, isento de todo o tributo régio ou episcopal. Tavarede era o povoado mais importante daquela vasta área, nele se fixando a chefia admninistrativa e económica das herdades que o cabido possuía na região. Em documento de 1 de Maio de 1237, o cabido doa a Domingos Joanes o Gago, Martim Miguéis e Martim Gonçalves, povoadores do termo de S. Julião e lavradores humildes, as herdades “rotas como não rotas” do lugar da Figueira, na foz de Buarcos. Estas herdades estendiam-se até à Tamargueira e ao Paul, “incluindo as águas que para este corriam e de todo o mesmo supradito lugar por circuito como nos seus termos se cerra”, e identificavam-se, no respectivo documento, com o lugar da Figueira e demarcando a Tamargueira como limite geográfico da Figueira.
A obrigatoriedade dos moradores de Redondos e da Póvoa da Torre em frequentar S. Julião espelha a antiguidade da Figueira.
O papel desempenhado pela Coroa nesta área circunscrevia-se, maioritariamente, ao exercício de direitos sobre a vida económica da região. Em 1338, Afonso IV coloca a possibilidade de adquirir as penhoras de certas casas da Figueira, pelo não pagamento de dívidas entretanto contraídas pelos respectivos proprietários, que se efectiva no ano seguinte. Cinco anos depois, em 1344, o cabido doava a Tamargueira, que confrontava com Buarcos, ao homem-bom Afonso Peres. O movimento mercantil da foz de Buarcos (isenta do pagamento de direitos de portagem ou outros, bem como da dízima), através do qual se exportavam vinhos e outras mercadorias de Coimbra para outros portos portugueses, bem como para França, importando-se vasilhame e madeiras para construção naquela cidade, mostra, em 1361, a crescente importância do porto e da respectiva alfândega, que transitará para a Figueira da Foz, durante o século XVII, quando esta ultrapassa Buarcos no crescimento económico (indústrias da construção naval, do sal e da pesca) e no demográfico.
Para melhorar a administração de Tavarede e do lugar da Figueira, o infante D. Pedro determina, em 1362, que o cabido da Sé e a cidade de Coimbra nomeiem os funcionários e os tabeliões, para benefício da dita Sé. E é Tavarede que estará na origem da progressiva autonomização administrativa da Figueira da Foz.
Em 1522, piratas atacam e saqueiam a costa da Figueira e de Buarcos. D. João III nomeia para feitos da alfândega de Buarcos e juiz das sisas de Tavarede o cavaleito da sua Casa Real – António Fernandes de Quadros, que recebe igualmente o senhorio de Tavarede.
A família deste fidalgo, senhor da Casa de Buarcos e de Vila Verde, filho do espanhol Alonso de Quadros, família poderosa que já servira o infante D. Pedro, dispunha de importantes relações na corte. Entre os vários serviços prestados contavam-se a ordenação, limpeza, secagem e regularização das valas, lezírias e paúis do reino, sendo provedor de tais trabalhos André de Quadros, seu primo co-irmão, e ambos comendadores da Ordem de Cristo. Senhor de Tavarede, casa com Genebra de Azevedo, detentora de importantes bens patrimoniais nesta região, pelo que amplia o senhorio recebido, o qual englobava vários outros domínios e a posse das lezírias vagas de Buarcos e Vila Verde, sendo-lhe atribuído brasão, por carta de cotta d’armas, a 1 de Agosto de 1541. Os Quadros organizaram na região um vasto domínio senhorial, passando aí a viver num paço, de qye hoje já só restam as janelas manuelinas (uma das quais no museu municipal da Figueira da Foz) e uma torre, ao mesmo tempo que exerciam o seu poder despoticamente. Dominando a câmara local, não respeitavam a jurisdição do cabido, do que resultou uma longa guerra política de direitos e relações de força entre ambas as partes, que teve início entre 1530 e 1535. O primeiro litígio circunscrevia-se a laudémios em dívida, reclamados muito justamente pelo cabido. Em 1544, Lopes de Quadros (Fernão Gomes de Quadros, filho e herdeiro de António Fernandes de Quadros) pressiona as populações de Tavarede e Figueira para que usem o seu forno de cozer o pão, levantando um protesto do cabido por esta ingerência. Mais tarde, o juiz do tribunal cível de Coimbra profere sentença contra os Quadros por estes fugirem aos pagamentos dos terradegos devidos ao cabido, na qualidade de donatário do couto de Tavarede. Os Quadros consideravam como seus direitos de administrar, comprar ou vender propriedades sem consultar ou pagar quaisquer impostos ao cabido. Como este se achava no seu direito ancestral de os colectar, iniciou a interposição de uma longa série de processos judiciais, alguns dos quais desfavoráveis, esquecendo, por vezes, o seu carácter de instituição com jurisdição cível. Na sequência de várias sentenças, recorreu infrutiferamente ao tribunal de Braga como tentativa suprema de dirimir este conflito em seu favor.
Em 1630, após novo ataque corsário, Fernão Gomes de Quadros escreve ao rei, relatando-lhe a fuga dos habitantes de Buarcos para a Figueira, por falta de artilharia e artilheiros para a consequente defesa da costa. Com a Restauração, D. João IV lembra a Fernão Gomes de Quadros para não descurar a defesa dos lugares a ele afectos, especialmente a costa da vila de Buarcos, determinando-se, em 1642, a sua subordinação ao capitão-mor de Coimbra, vindo a ser nomeado, em 1646, por alvará régio, capitão-mor da costa do mar da vila de Buarcos e seu distrito.
Esta querela entre as duas partes assiste, em 1759, ao pedido da transferência da Câmara de Tavarede para a Figueira pelo cabido, sonegando-a à influência dos Quadros, e permitindo-lhe retomar a administração da Figueira. Os Quadros opuseram-se, pelo que o pedido não foi atendido. Toda esta situação conduziu ao abandono das terras por rendeiros e foreiros e ao despovoamento de Tavarede, formando-se novos núcleos populacionais, cujo desenvolvimento irá lesar ambas as forças em litígio. O progressivo crescimento da Figueira da Foz, com o implícito beneplácito do cabido, acelera o projecto de separação administrativa e jurisdicional, agora com o parecer favorável da Administração Pública. O processo da transferência da Câmara de Tavarede para a Figueira da Foz consuma-se, de facto, no ano de 1770, dado o superior número de vereadores pela Figueira em relação aos de Tavarede. O cabido, que tudo fizera para derrotar o poderio dos Quadros, viu-se relegado para o entretanto despovoado couto de Tavarede. Elevada à categoria de vila com a designação de Figueira da Foz do Mondego, no dia 12 de Março de 1771, por decreto de D. José I, tinha por distrito os coutos de Maiorca, Alhadas, Quiaios, Tavarede, Lavos, as vilas de Buarcos e Redondos (entretanto unidas e em plena fase de retrocesso económico e demográfico), bem como os concelhos situados a sul do rio de Carnide ou do Louriçal, junto ao Moinho do Almoxarife, pertencentes ao distrito de Montemor-o-Velho. A esta elevação não é estranha a unificação, ao longo do século XVIII, dos diversos casais que circundavam o núcleo base da Figueira (Paço, Abadias, Vale de Lamas…), formando uma só povoação com 360 moradores, nem a acção e conveniência pessoais do Dr. José de Seabra da Silva, donatário da Quinta do Canal e grande amigo do marquês de Pombal, o qual lhe proporcionara importantes doações régias de bens confiscados à Companhia de Jesus situados nas imediações da Figueira. É criado o lugar de juiz-de-fora com jurisdição desanexada do distrito de Montemor-o-Velho, no qual é provido o Dr. Bento José da Silva, patrício e amigo de José Seabra da Silva.
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(Esta nota foi retirada do livro CIDADES E VILAS DE PORTUGAL, da autoria de José Pedro de Aboim Borges, edição Editorial Presença)
Do domínio serraceno nenhum testemunho restou, apesar de, em 717, haver notícia de a povoação (S. Julião da Foz Mondego) ter sido assolada e destruída. A reconquisra cristã, empreendida por Fernando Magno de Leão, é orientada, na zona coimbrã, pelo conde Sesnando, moçárabe natural de Tentúgal e homem de confiança do rei, mais tarde investido nos cargos de governador de Coimbra e no de toda a Terra de Santa Maria. Em 1064, conquista Coimbra aos mouros. As zonas vizinhas, em mãos destes, são abandonadas, não sem antes terem sido alvo de saques e outras atrocidades. S. Julião é exemplo desta política de terra queimada, como zona tampão de alguma eficácia, verdadeiro espaço estratégico negativo entre dois contendores. Este acontecimento encontra-se implícito num documento do século XI, que situava S. Julião como o centro do povoado que ali teria existido. Depois de normalizada a situação, o conde Sesnando incumbe, em 1080, o abade Pedro de Coimbra, de reconstruir o lugar e a Igreja.
Em documento datado de 14 de Novembro de 1096, do Livro Preto da Sé de Coimbra, o mesmo abade doa estas suas propriedades àquela Sé, na pessoa do bispo D. Crescónio, por intenção da salvação da sua alma, como era então uso e costume, permitindo cronologicamente datar a reconstrução da igreja de S. Julião e do respectivo povoado entre os anos de 1080 e 1090. O abade Pedro viria a falecer, sergundo o Obituário da Sé de Coimbra, em 1100.
Estava este povoado da Figueira da Foz do Mondego ciente da sua importância económica (porto de mar) e geo-estratégica (acesso a Coimbra e à área económica circundante por via fluvial, bem como defesa da embocadura do rio), como se depreende de uma doação a Santa Eufémia, em 1092, onde é referida a existência de salinas na foz do Mondego, um dos principais produtos de exportação porrtugueses.
O Mosteiro de Santa Cruz inicia, por esta altura, o seu domínio efectivo sobre esta região, beneficiando da acção que desenvolve junto dos monarcas e de várias doações reais. Em 1134 adquire metade da vila de Eimide. Quatro anos mais tarde compra uma herdade na Foz do Mondego a Susana Martinho. Em 1139 toma posse da carta de venda da pesqueira do porto de Eimide. D. Afonso Henriques, no seu testamento de 1143, doa-lhe a outra metade da terra de Eimide. Em 1158, nova doação real permite ampliar os coutos crúzios, com a entrega da Ínsua da Ouveiroa, ou da Morraceira, com as suas salinas. O castelo de Santa Olaia, perto de Montemor-o-Velho, é igualmente doado a Santa Cruz por Afonso Henriques, no ano de 1166, incluindo a foz do Mondego, “por onde entram os navios”. Todo o estuário, barra e baía da actual Figueira eram couto daquele mosteiro, incluindo os interesses económicos que deste domínio advinham.
A partir desta última data, a Sé e Santa Cruz denominarão este povoado, nos seus documentos, de “Igreja de S. Julião” e “terras da Figueira”.
A 8 de Novembro de 1191, o cabido da Sé, por vontade de D. Sancho I e de D. Dulce, recebeu o couto de Tavarede pro jure hereditário in perpetuum, isento de todo o tributo régio ou episcopal. Tavarede era o povoado mais importante daquela vasta área, nele se fixando a chefia admninistrativa e económica das herdades que o cabido possuía na região. Em documento de 1 de Maio de 1237, o cabido doa a Domingos Joanes o Gago, Martim Miguéis e Martim Gonçalves, povoadores do termo de S. Julião e lavradores humildes, as herdades “rotas como não rotas” do lugar da Figueira, na foz de Buarcos. Estas herdades estendiam-se até à Tamargueira e ao Paul, “incluindo as águas que para este corriam e de todo o mesmo supradito lugar por circuito como nos seus termos se cerra”, e identificavam-se, no respectivo documento, com o lugar da Figueira e demarcando a Tamargueira como limite geográfico da Figueira.
A obrigatoriedade dos moradores de Redondos e da Póvoa da Torre em frequentar S. Julião espelha a antiguidade da Figueira.
O papel desempenhado pela Coroa nesta área circunscrevia-se, maioritariamente, ao exercício de direitos sobre a vida económica da região. Em 1338, Afonso IV coloca a possibilidade de adquirir as penhoras de certas casas da Figueira, pelo não pagamento de dívidas entretanto contraídas pelos respectivos proprietários, que se efectiva no ano seguinte. Cinco anos depois, em 1344, o cabido doava a Tamargueira, que confrontava com Buarcos, ao homem-bom Afonso Peres. O movimento mercantil da foz de Buarcos (isenta do pagamento de direitos de portagem ou outros, bem como da dízima), através do qual se exportavam vinhos e outras mercadorias de Coimbra para outros portos portugueses, bem como para França, importando-se vasilhame e madeiras para construção naquela cidade, mostra, em 1361, a crescente importância do porto e da respectiva alfândega, que transitará para a Figueira da Foz, durante o século XVII, quando esta ultrapassa Buarcos no crescimento económico (indústrias da construção naval, do sal e da pesca) e no demográfico.
Para melhorar a administração de Tavarede e do lugar da Figueira, o infante D. Pedro determina, em 1362, que o cabido da Sé e a cidade de Coimbra nomeiem os funcionários e os tabeliões, para benefício da dita Sé. E é Tavarede que estará na origem da progressiva autonomização administrativa da Figueira da Foz.
Em 1522, piratas atacam e saqueiam a costa da Figueira e de Buarcos. D. João III nomeia para feitos da alfândega de Buarcos e juiz das sisas de Tavarede o cavaleito da sua Casa Real – António Fernandes de Quadros, que recebe igualmente o senhorio de Tavarede.
A família deste fidalgo, senhor da Casa de Buarcos e de Vila Verde, filho do espanhol Alonso de Quadros, família poderosa que já servira o infante D. Pedro, dispunha de importantes relações na corte. Entre os vários serviços prestados contavam-se a ordenação, limpeza, secagem e regularização das valas, lezírias e paúis do reino, sendo provedor de tais trabalhos André de Quadros, seu primo co-irmão, e ambos comendadores da Ordem de Cristo. Senhor de Tavarede, casa com Genebra de Azevedo, detentora de importantes bens patrimoniais nesta região, pelo que amplia o senhorio recebido, o qual englobava vários outros domínios e a posse das lezírias vagas de Buarcos e Vila Verde, sendo-lhe atribuído brasão, por carta de cotta d’armas, a 1 de Agosto de 1541. Os Quadros organizaram na região um vasto domínio senhorial, passando aí a viver num paço, de qye hoje já só restam as janelas manuelinas (uma das quais no museu municipal da Figueira da Foz) e uma torre, ao mesmo tempo que exerciam o seu poder despoticamente. Dominando a câmara local, não respeitavam a jurisdição do cabido, do que resultou uma longa guerra política de direitos e relações de força entre ambas as partes, que teve início entre 1530 e 1535. O primeiro litígio circunscrevia-se a laudémios em dívida, reclamados muito justamente pelo cabido. Em 1544, Lopes de Quadros (Fernão Gomes de Quadros, filho e herdeiro de António Fernandes de Quadros) pressiona as populações de Tavarede e Figueira para que usem o seu forno de cozer o pão, levantando um protesto do cabido por esta ingerência. Mais tarde, o juiz do tribunal cível de Coimbra profere sentença contra os Quadros por estes fugirem aos pagamentos dos terradegos devidos ao cabido, na qualidade de donatário do couto de Tavarede. Os Quadros consideravam como seus direitos de administrar, comprar ou vender propriedades sem consultar ou pagar quaisquer impostos ao cabido. Como este se achava no seu direito ancestral de os colectar, iniciou a interposição de uma longa série de processos judiciais, alguns dos quais desfavoráveis, esquecendo, por vezes, o seu carácter de instituição com jurisdição cível. Na sequência de várias sentenças, recorreu infrutiferamente ao tribunal de Braga como tentativa suprema de dirimir este conflito em seu favor.
Em 1630, após novo ataque corsário, Fernão Gomes de Quadros escreve ao rei, relatando-lhe a fuga dos habitantes de Buarcos para a Figueira, por falta de artilharia e artilheiros para a consequente defesa da costa. Com a Restauração, D. João IV lembra a Fernão Gomes de Quadros para não descurar a defesa dos lugares a ele afectos, especialmente a costa da vila de Buarcos, determinando-se, em 1642, a sua subordinação ao capitão-mor de Coimbra, vindo a ser nomeado, em 1646, por alvará régio, capitão-mor da costa do mar da vila de Buarcos e seu distrito.
Esta querela entre as duas partes assiste, em 1759, ao pedido da transferência da Câmara de Tavarede para a Figueira pelo cabido, sonegando-a à influência dos Quadros, e permitindo-lhe retomar a administração da Figueira. Os Quadros opuseram-se, pelo que o pedido não foi atendido. Toda esta situação conduziu ao abandono das terras por rendeiros e foreiros e ao despovoamento de Tavarede, formando-se novos núcleos populacionais, cujo desenvolvimento irá lesar ambas as forças em litígio. O progressivo crescimento da Figueira da Foz, com o implícito beneplácito do cabido, acelera o projecto de separação administrativa e jurisdicional, agora com o parecer favorável da Administração Pública. O processo da transferência da Câmara de Tavarede para a Figueira da Foz consuma-se, de facto, no ano de 1770, dado o superior número de vereadores pela Figueira em relação aos de Tavarede. O cabido, que tudo fizera para derrotar o poderio dos Quadros, viu-se relegado para o entretanto despovoado couto de Tavarede. Elevada à categoria de vila com a designação de Figueira da Foz do Mondego, no dia 12 de Março de 1771, por decreto de D. José I, tinha por distrito os coutos de Maiorca, Alhadas, Quiaios, Tavarede, Lavos, as vilas de Buarcos e Redondos (entretanto unidas e em plena fase de retrocesso económico e demográfico), bem como os concelhos situados a sul do rio de Carnide ou do Louriçal, junto ao Moinho do Almoxarife, pertencentes ao distrito de Montemor-o-Velho. A esta elevação não é estranha a unificação, ao longo do século XVIII, dos diversos casais que circundavam o núcleo base da Figueira (Paço, Abadias, Vale de Lamas…), formando uma só povoação com 360 moradores, nem a acção e conveniência pessoais do Dr. José de Seabra da Silva, donatário da Quinta do Canal e grande amigo do marquês de Pombal, o qual lhe proporcionara importantes doações régias de bens confiscados à Companhia de Jesus situados nas imediações da Figueira. É criado o lugar de juiz-de-fora com jurisdição desanexada do distrito de Montemor-o-Velho, no qual é provido o Dr. Bento José da Silva, patrício e amigo de José Seabra da Silva.
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(Esta nota foi retirada do livro CIDADES E VILAS DE PORTUGAL, da autoria de José Pedro de Aboim Borges, edição Editorial Presença)
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