Tavarede – terra do limonete, é uma legenda cuja origem se perde na bruma dos tempos.
Mas realmente, é ela que classifica da maneira mais exacta aquele pedacinho da Figueira, gracioso e acolhedor, um pouco além do Pinhal das Águas.
Escolhemo-lo para nossa visita, dispostos a contar os encantos e os motivos de pitoresco que lá encontrássemos.
O sol já tinha feito a sua aparição e ia aquecendo os tapetes verdejantes, que despertavam do seu letargo saudando aquela matutina fonte de calor.
Pela estrada a chiadeira dos pesados carros de bois, inibem-nos de poder escutar os acordes melodiosos da passarada, que do alto de seculares árvores, travam curioso desafio.
Ao longe, a amplidão, a serra em toda a sua magnitude. Uma vegetação cerrada, vasta e emaranhada cobre o dorso da serrania, enquanto que espalhados e como que alicerçados sobre o mundo vegetal, pontos brancos, de uma alvura divina, atestam a existência de seres humanos.
Perto de nós, nos campos vizinhos, flores de milhentos matizes e pétalas setinosas, dão-nos ideias de borrões numa tela esverdeada.
Pelo caminho passam, pressurosas mulheres com açafates à cabeça transportando os vegetais, a fruta, os animais, que lhes garantirão no mercado o pão do quotidiano.
A par delas, encontram-se dispersos pela estrada, homens simples que, ostentando orgulhosos os apetrechos da lavoura, vão sorvendo preso ao canto da boca o primeiro cigarro da manhã.
De tempos a tempos o barulho de um automóvel ou o ladrar agoirento de um cão vêm quebrar o silêncio angélico desta manhã estival.
Absortos na contemplação do mundo vegetal, quase que não damos pela entrada da povoação a dois passos, de onde nos encontramos.
O Solar dos Condes, onde páginas imorredoiras de história estão gravadas, serve de fronteira à ridente e sugestiva – Tavarede.
O ar que aqui respiramos sobressai a todos os perfumes, dominando um cheiro activo de invulgar sedução.
Visitámos a fonte, quadro que nos magnetiza, “écran” que a nossa retina contempla extasiada.
O barulhar das águas a cair na lage inferior produz um incomensurável número de notas da mais estranha musicalidade, assim como o falar vivo das moçoilas, que enchem pressurosas os seus potes para se encontrarem com o seu namorado.
A “Fonte dos Encontros” como é conhecida pela fala ingénua e pura do povo, traduz com verdade toda a magia desse ponto de reunião.
“Ó mãe eu vou à fonte” – é a frase esteriotipada, para um encontro furtivo com o conversado.
E então abafadas pelo ruído cadenciado das águas surgem promessas de amor, espiadas por olhos indiscretos, para conhecerem o par.
Tão enlevados ficámos que fixámos as quadras estampadas nas paredes humedecidas da fonte.
Tu sequioso que vens
À Fonte de Tavarede
Cuida na água e seus bens
Enquanto matas a sede.
É casta, límpida e pura
E assim deves ser também
É calada, e se murmura
Nunca diz mal de ninguém.
Continuamos a passeata.
Os nossos olhos enxergam gora na verdura veludosa do pasto, vacas muito pretas malhadas de branco, marchando pachorrentamente, enquanto que um pouco mais distante um rebanho de ovelhas fuscas e muito negras apascentam-se irrequietas, nas ervas abundantes.
O toque bronzeo, dos sinos da velha Igreja, despertou-nos do êxtase em que nos encontramos.
Passámos pelo Grupo Musical, onde em dias de festa, moças e rapazes, numa atracção encandeante, bailam sentindo o arfar dos peitos apaixonados.
Na outra colectividade onde a arte de Apolo tem soberana interpretação, tudo é sossêgo.
Mais tarde, ao mirarmos de alto a baixo a velha Sé, veio-nos à ideia o fervor religioso do povo de Tavarede, onde nos dias santificados e muito especialmente no do Sagrado Coração de Jesus, marcham respeitosamente com os olhos no céu, pedindo graças ao Criador.
Continuamos a encontrar calcurriando os paralelípedos os sers que já atrás fizemos referência.
No entanto agora predomina o ambiente feminino e muito principalmente as simpáticas e sorridentes costureirinhas que desfilam descontraídas, sem notarem que são observadas pelos olhos do repórter, disfarçado através de duas lentes esverdeadas.
Tudo trabalha, nesta terra. Todos mourejam nos campos, na cidade ou em qualquer outro mister para garantirem o sustento.
Estamos a chegar o fim da nossa visita, e agora percorrido o rincão retomamos o caminho que até lá nos conduziu passando a admirar os mesmos panoramas.
Somente o sol tem menos brilho, os seus reflexos já são menos nítidos, a fauna já não se enxerga, o mundo vegetal entrega-se ao recolhimento.
As aves dormem no cimo das árvores, o cenário vai perdendo luz e animação – é noite.
E só a brisa tosando o característico limonete, se faz ouvir em silvos agudos como que a soletrar T A V A R E D E .
Publicada em 'O Figueirense'
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