Quando aceitámos a direcção desta página imediatamente nos propusemos cumprir uma missão que há muito desejávamos realizar: a utilização deste espaço que o destino nos oferecia para, sempre que fosse possível, acompanharmos o esforço do teatro amador português. No meio de tanta desorganização, indisciplina e comercialismo - o barómetro parece indicar sensível melhoria de tempo... - determinados grupos de amadores representam uma luz muito viva a pretender atravessar o nevoeiro que, desde há um cereto tempo, caíu sobre alguns dos poucos palcos da nossa terra.
Para o leitor desprevenido o facto de iniciarmos esta primeira fase de colaboração com os amadores teatrais, escolhendo um grupo duma modesta aldeia beirã, Tavarede, poderá causar uma relativa estranheza. Mas Tavarede é um nome a fixar por todos quantos ainda sentem forças para lutar pelo progresso duma Arte que é um dos pilares mais sólidos da cultura dum país!
A aventura maravilhosa daquela aldeia pobre, a espreitar a Figueira da Foz, é uma verdadeira gesta de amor e de dedicação. Noite caída e ceia tomada, rapazes e raparigas de Tavarede, trabalhadores do campo e das oficinas, operários e cavadores, modistas e empregados de escritório, carpinteiros, serralheiros e pedreiros dirigem-se para o pequenino palco-escola da Sociedade de Instrução Tavaredense, uma associação cultural e recreativa fundada em 1904, que tem, desde a sua fundação, mantido um extraordinário labor.
Esta associação derrama a sua benéfica e luminosa actividade numa aldeia muito pequena e esse mesmo motivo faz com que poucas famílias não tenham representação no seu grupo de amadores teatrais.
José da Silva Ribeiro tem conseguido o “milagre” de num espaço de trinta anos manter o fogo sagrado do Teatro em Tavarede. A sua invulgar têmpera e tenacidade, o seu sentido de orientação fez com que peças como “Recompensa” e “Três Gerações” de Ramada Curto, “A Nossa Casa” de George Mitchel, “Envelhecer” de Marcelino Mesquita, “Horizonte” de Manuel Frederico Pressler e “A Herança” de Henrique Lopes de Mendonça fossem representadas no minúsculo palco da Sociedade de Instrução tavaredense. O drama “Frei Luís de Sousa” de Garrett - que ainda há pouco tempo foi apresentado em Coimbra - mereceu uma montagem que a todos tem deixado em espanto, pela verdade minuciosa da sua expressão plástica. E Gil Vicente, os Autos de “Mofina Mendes”, da “Barca do Inferno”, “Pastoril Português” e “Todo o Mundo e Ninguém” encontrou na boca do povo que ele tanto amou, o eco imortal das suas frases eternas.
Mas o aspecto para nós de maior realce na actividade de José da Silva Ribeiro está consubstanciado na sua ideia de tornar os amadores de Tavarede conscientes das personagens, dos seus sentimentos, das ideais que as determinam na época em que vivem e do ambiente em que essas mesmas personagens se movem. Tudo lhes é indicado através de pequenas palestras durante os ensaios, palestras que são esquematizadas sem ar de lição mas que são compreendidas pelo seu heterogéneo grupo de amadores.
Parece-nos que mais não será necessário escrever para que fique esclarecido porque chamámos a TAVAREDE, a aldeia-escola de Tatro.
E para começarmos o nosso entusiástico roteiro não poderiamos deixar de escolher esse admirável agregado beirão, composto de gente que trabalha àrduamente todo o dia e que, à noite, procura no Teatro a sua fonte de saúde mental.
Falámos de TAVAREDE. E isso muito nos honra!
(Jornal Actualidades - Década de 1950)
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