Noticiaram, jornais e televisões, que ontem, 31 de Novembro, foi festejado em todo o Mundo o dia das Bruxas. Permito-me discordar. Em todo o Mundo... não, pois onde não ha Bruxas não houve comemorações, visto não haver que festejar. E Tavarede, a nossa querida Terra do Limonete, não tem Bruxas.
Mas, diga-se a verdade, já as teve... e das boas (ou, seja, das más!). Felizmente, desde 1927, não temos 'artigos' dessa espécie. Foram-se todas embora, na companhia do deus Mercúrio que, naquele já afastado ano, nos deu a elevada honra de visitar a nossa terra. E para que não julguem que estou a mentir (peço-lhes o favor de não duvidarem do nosso querido e saudoso Mestre José Ribeiro), vou transcrever pequenos retalhos da peça onde ele narrou aquela visita. Ora leiam:
Mercúrio - Sou Mercúrio - Deus do comércio e dos ladrões.
Sou o arteiro Deus Mercúrio
Dos Deuses o confidente;
E apesar de filho espúrio
Trago sempre a bolsa quente.
Coro - Ele é o deus da eloquência
Muito grato aos intrujões;
É mestre que tem a ciência
Do comércio e dos ladrões.
Mercúrio - Da mamã que era uma cróia,
Herdei prendas singulares;
E o papá, que é pai dos deuses,
Pôs-me asas nos calcanhares.
Às tias, manos e manas,
Que sabem que ando ligeiro,
Levo os recados e as cartas
Como bom alcoviteiro.
Coro - Tão astuto e tão prendado
Faz brejeiras op’rações,
Por isso é muito estimado
Dos lojistas e ladrões.
Tio Joaquim - Pois muito me conta. Efectivamente os jornais disseram que vossa senhoria passava perto da Terra. De modo que aproveitou a ocasião para nos fazer uma visita. Mas então vem assim vestido?
Mercúrio - É verdade. Chegou ao meu planeta a fama da grande fita dos badalos em Tavarede, e por isso vim vestido de máscara. Estamos no entrudo. (Isto das fitas fica para outra vez)
Mercúrio - Se me não engano, estou na Terra do Limonete, não é verdade?
Tio Joaquim - Exacto. Terra de muita fama e de pouco proveito...
Mercúrio - E posso saber a quem tenho a honra de estar falando?
Tio Joaquim - Ao Tio Joaquim. É como todos me tratam: tio Joaquim. Cá na terra há mais Joaquins, mas Tio Joaquim há só um, que sou eu! É como lhe digo. Até os correios assim me conhecem. Os avisos da décima trazem só: Tio Joaquim - Tavarede. E cá vêm ter.
Mercúrio - É então pessoa de alta importância...
Tio Joaquim - Não é por me gabar, mas graças a Deus, sou, sim senhor. Abaixo do senhor Vigário, sou eu. Cá na Terra toda a gente me consulta, toda a gente quer saber a minha opinião, todos querem o meu conselho. Sou eu quem regula o amanho das terras da freguesia: “Oh João, aproveita esta estiada para a sementeira da leira da baixa. Ó Manel, trata-me da vinha, que se te vai embora se não lhe acodes c’o sulifate. Não te descuides c’os tomates, Zé da Estina, amarra-os se os queres ter grandes. Etc. etc. Eu é que digo o que se há-de semear neste crescente, eu é que aviso se vem chuva ou se temos bom tempo p’ró minguante.
Mercúrio - É o barómetro da freguesia.
Tio Joaquim - Lá isso de barómetro não sei o que é. Sou assim uma espécie de folhinha, de Borda d’Água. Dizem os jornais que agora na Itália o Massolini é que manda no trigo, ele é que diz se as terras hão-de dar muito ou pouco. Mal comparado, eu sou o Massolini da agricultura cá da terra. E às vezes não basta o conselho. É preciso obrar. E eu obro muitas vezes nas terras dos outros. Quem quer bons enxertos, vem ter comigo. Ninguém os faz melhor.
Mercúrio - Nessa idade?
Tio Joaquim - Sei mais disso que os novos, e ainda não me falta firmeza para abrir o golpe no cavalo e meter o garfo.
Mercúrio - Acredito.
Tio Joaquim - Se são precisos louvados para avaliações ou para partilhas vêm-me chamar; e nos compromissos de gado nada se faz sem mim. Não há curral de porcos em que eu não tenha entrado. Em questões de porcaria ninguém me leva a melhor.
Mercúrio - Vejo que fui muito feliz em aqui o encontrar. Ninguém melhor do que o Tio Joaquim poderá mostrar-me o que nesta aldeia há de notável. Uma terra velha como esta deve possuir curiosos e históricos monumentos. Se me não falha a memória, reza a história que quando Cristo andou pelo mundo já existia Tavarede.
Sou o arteiro Deus Mercúrio
Dos Deuses o confidente;
E apesar de filho espúrio
Trago sempre a bolsa quente.
Coro - Ele é o deus da eloquência
Muito grato aos intrujões;
É mestre que tem a ciência
Do comércio e dos ladrões.
Mercúrio - Da mamã que era uma cróia,
Herdei prendas singulares;
E o papá, que é pai dos deuses,
Pôs-me asas nos calcanhares.
Às tias, manos e manas,
Que sabem que ando ligeiro,
Levo os recados e as cartas
Como bom alcoviteiro.
Coro - Tão astuto e tão prendado
Faz brejeiras op’rações,
Por isso é muito estimado
Dos lojistas e ladrões.
Tio Joaquim - Pois muito me conta. Efectivamente os jornais disseram que vossa senhoria passava perto da Terra. De modo que aproveitou a ocasião para nos fazer uma visita. Mas então vem assim vestido?
Mercúrio - É verdade. Chegou ao meu planeta a fama da grande fita dos badalos em Tavarede, e por isso vim vestido de máscara. Estamos no entrudo. (Isto das fitas fica para outra vez)
Mercúrio - Se me não engano, estou na Terra do Limonete, não é verdade?
Tio Joaquim - Exacto. Terra de muita fama e de pouco proveito...
Mercúrio - E posso saber a quem tenho a honra de estar falando?
Tio Joaquim - Ao Tio Joaquim. É como todos me tratam: tio Joaquim. Cá na terra há mais Joaquins, mas Tio Joaquim há só um, que sou eu! É como lhe digo. Até os correios assim me conhecem. Os avisos da décima trazem só: Tio Joaquim - Tavarede. E cá vêm ter.
Mercúrio - É então pessoa de alta importância...
Tio Joaquim - Não é por me gabar, mas graças a Deus, sou, sim senhor. Abaixo do senhor Vigário, sou eu. Cá na Terra toda a gente me consulta, toda a gente quer saber a minha opinião, todos querem o meu conselho. Sou eu quem regula o amanho das terras da freguesia: “Oh João, aproveita esta estiada para a sementeira da leira da baixa. Ó Manel, trata-me da vinha, que se te vai embora se não lhe acodes c’o sulifate. Não te descuides c’os tomates, Zé da Estina, amarra-os se os queres ter grandes. Etc. etc. Eu é que digo o que se há-de semear neste crescente, eu é que aviso se vem chuva ou se temos bom tempo p’ró minguante.
Mercúrio - É o barómetro da freguesia.
Tio Joaquim - Lá isso de barómetro não sei o que é. Sou assim uma espécie de folhinha, de Borda d’Água. Dizem os jornais que agora na Itália o Massolini é que manda no trigo, ele é que diz se as terras hão-de dar muito ou pouco. Mal comparado, eu sou o Massolini da agricultura cá da terra. E às vezes não basta o conselho. É preciso obrar. E eu obro muitas vezes nas terras dos outros. Quem quer bons enxertos, vem ter comigo. Ninguém os faz melhor.
Mercúrio - Nessa idade?
Tio Joaquim - Sei mais disso que os novos, e ainda não me falta firmeza para abrir o golpe no cavalo e meter o garfo.
Mercúrio - Acredito.
Tio Joaquim - Se são precisos louvados para avaliações ou para partilhas vêm-me chamar; e nos compromissos de gado nada se faz sem mim. Não há curral de porcos em que eu não tenha entrado. Em questões de porcaria ninguém me leva a melhor.
Mercúrio - Vejo que fui muito feliz em aqui o encontrar. Ninguém melhor do que o Tio Joaquim poderá mostrar-me o que nesta aldeia há de notável. Uma terra velha como esta deve possuir curiosos e históricos monumentos. Se me não falha a memória, reza a história que quando Cristo andou pelo mundo já existia Tavarede.
Já acreditam na visita? Pois na altura existiam em Tavarede, como em qualquer outra parte, muitas bruxas. Faziam todo o mal possível. Vejamos:
Festeiro - E eu é que me vejo agora nestas aflições que até me fazem entesicar. Mas isto foi castigo. A freguesia, depois que cá veio a maldita da excomungada música do Troviscal, anda fora da graça de Deus. Até à igreja vão roubar o dinheiro que era para a festa!
Tio Joaquim - Oh homem! mas que tem a música do Troviscal com o roubo do dinheiro?
Festeiro - Ora essa! Pois tudo isto o que é senão castigo por ter tocado na terra uma música com as gaitas excomungadas?
Tio Joaquim - Sim, sim, tens razão, mas tu é que andas aí a consumir-te com essas ralações.
Festeiro - Isso é que me dói. Os outros é que as fazem e eu é que as pago. Mas quem seria! Quem seria o ladrão!
Tio Joaquim - (Tendo uma ideia) Ah! Já sei!
Festeiro - Já sabe?!
Tio Joaquim - Já sei quem foi o ladrão.
Festeiro - Mas diga lá, com trezentos milhões de... (arrependendo-se e benzendo-se) Nosso Senhor me perdoe.
Tio Joaquim - Foram as bruxas!
Festeiro - As bruxas!
Tio Joaquim - Pois se não foste tu, nem o João Bento, nem o Felisberto, nem o Joaquim e se mais ninguém entrou na Sacristia, quem é que havia de ser senão as bruxas?
Festeiro - Tem razão, tio Joaquim. As bruxas! Foram as bruxas, não há dúvida! E ainda há quem não queira crer que há bruxas. Foram elas.
Tio Joaquim - Pois claro que foram!
Festeiro - E eu que ainda me não tinha lembrado delas. Malditas! Até à igreja vão. Obrigado Tio Joaquim. Tirou-me da consciência um peso de vinte arrobas. Vou já dizer isso ao senhor Vigário. Até logo. (sai)
Mercúrio - Como é que as bruxas entraram na Sacristia sem ninguém ver, é o que eu não percebo.
Tio Joaquim - Ora essa! Entraram pelo buraco da fechadura da porta de trás, ou por alguma greta da janela.
Mercúrio - Essa agora! Então as bruxas são formigas para entrarem pelo buraco da fechadura?
Tio Joaquim - O senhor Mercúrio nunca viu as bruxas? Lá no seu Planeta não há bruxas?
Mercúrio - Não. Mas sei que Tavarede tem fama de ter muitas bruxas.
Tio Joaquim - Pois mal sabe Vossa Senhoria a praga de que está livre. Há lá nada pior que as bruxas! Coisas que por aí se vêem e que não se sabe quem as faz, já se sabe que é obra das bruxas. Em tomando uma pessoa à sua conta, dão cabo dela. E então fazem cada patifaria... Uma vez entraram no curral do Fadigas, montaram a cavalo num boi, e tanto lhe chuparam o sangue que o boi ficou que parecia um carneiro. Outra: O Zé Augusto foi para o Brasil e deixou cá a mulher. Voltou daí a quinze meses, e quando chegou a casa, a mulher tinha um filho. O rapaz quiz divorciar-se, mas por fim acomodou-se porque aquilo foi... tinham sido as bruxas. As bruxas! Ui! Que praga! E ladras?!... Nas fazendas, faltam batatas, aparecem roubados os couvais; e sabe quem é o ladrão? São as bruxas. Às vezes leio nos jornais: Um grande furto na ourivesaria tal. No Banco qualquer coisa verificou-se um desfalque de duzentos contos. Descobriu-se uma importante falsificação de notas. A polícia fez várias diligências sem resultado, mas espera descobrir os criminosos. (rindo) Ah! Ah! Ah! Pois sim, espera, vai esperando que hás-de descobrir boas coisas - penso cá com os meus botões -.
Mercúrio - E descobre?
Tio Joaquim - Isso sim! Como há-de descobri-los se os criminosos são as bruxas?! Tudo obra das bruxas, tudo bruxarias.
Mercúrio - Mas afinal o que são as bruxas?
Tio Joaquim - O que são? São mulheres, pois o que haviam de ser? Mulheres do diabo.
Mercúrio - Mas mulheres como as outras?
Tio Joaquim - Sim senhor. São mulheres que voam sem terem asas. À meia noite, untam-se com um óleo esquisito que têm dentro dum chavelho de carneiro, e pronto - voam por cima de toda a folha.
Mercúrio - Oh! É admirável! Mulheres a voar! Quero vê-las, Tio Joaquim; não abandonarei a Terra sem ver essas mulheres que cabem pelo buraco das fechaduras e que voam sem terem asas.
Tio Joaquim - Veja lá o que faz. Não brinque com coisas sérias!
Mercúrio - Quero vê-las, quero conhecê-las, quero levá-las para o meu Planeta. Bruxas, mulheres voadoras, vinde a Mercúrio!
Tio Joaquim - (Meio assustado) Não as chame, que podem aparecer... Não sabe com quem se mete.
Mercúrio - Bruxas de Tavarede, que chupais os bois, roubais as hortas e fazeis nascer meninos que não têm pai! Vinde a Mercúrio, mensageiro dos Deuses, Deus do comércio e dos ladrões! Voareis comigo! (Simultaneamente Tio Joaquim vai dizendo: Esteja calado, não chame por elas que podem aparecer!) Atirai fora o chavelho de carneiro. Untar-vos-eis com o meu óleo, que é o azougue, e voareis com as minhas asas, que são velozes como o pensamento. Voaremos, voaremos sempre, subireis comigo aos Céus. Bruxas de Tavarede, vinde a Mercúrio! (Aparecem as bruxas)
Tio Joaquim - (Benzendo-se) Padre, Filho, Espírito Santo! Valha-me a Santíssima Trindade!
Coro das Bruxas - A nossa alegre,
Risonha vida
É agradável,
É divertida:
Sobre os telhados
Voar, voar;
E numa eira
Dançar, dançar...
Neste baile do Sabá
De bruxas e diabitos,
Haja risadas macabras,
Haja uivos, haja gritos,
Haja guinchos de vampiros,
Do morcego e da serpente,
Em homenagem infernal
A Satan omnipotente.
A nossa alegre
Risonha vida
É agradável,
É divertida:
Sobre os telhados
Voar, voar;
E numa eira
Dançar, dançar...
Mercúrio - Lindas bruxas,
Lindas bruxas feiticeiras!
Dou-vos as minhas asas
E voareis sem mais canseiras!...
Bruxas - Somos as bruxas
Sempre a girar,
Corremos mundo
Sempre a voar.
Se nos apraz
E dá na bolha,
Vamos por cima
De toda a folha.
Tio Joaquim - Oh homem! mas que tem a música do Troviscal com o roubo do dinheiro?
Festeiro - Ora essa! Pois tudo isto o que é senão castigo por ter tocado na terra uma música com as gaitas excomungadas?
Tio Joaquim - Sim, sim, tens razão, mas tu é que andas aí a consumir-te com essas ralações.
Festeiro - Isso é que me dói. Os outros é que as fazem e eu é que as pago. Mas quem seria! Quem seria o ladrão!
Tio Joaquim - (Tendo uma ideia) Ah! Já sei!
Festeiro - Já sabe?!
Tio Joaquim - Já sei quem foi o ladrão.
Festeiro - Mas diga lá, com trezentos milhões de... (arrependendo-se e benzendo-se) Nosso Senhor me perdoe.
Tio Joaquim - Foram as bruxas!
Festeiro - As bruxas!
Tio Joaquim - Pois se não foste tu, nem o João Bento, nem o Felisberto, nem o Joaquim e se mais ninguém entrou na Sacristia, quem é que havia de ser senão as bruxas?
Festeiro - Tem razão, tio Joaquim. As bruxas! Foram as bruxas, não há dúvida! E ainda há quem não queira crer que há bruxas. Foram elas.
Tio Joaquim - Pois claro que foram!
Festeiro - E eu que ainda me não tinha lembrado delas. Malditas! Até à igreja vão. Obrigado Tio Joaquim. Tirou-me da consciência um peso de vinte arrobas. Vou já dizer isso ao senhor Vigário. Até logo. (sai)
Mercúrio - Como é que as bruxas entraram na Sacristia sem ninguém ver, é o que eu não percebo.
Tio Joaquim - Ora essa! Entraram pelo buraco da fechadura da porta de trás, ou por alguma greta da janela.
Mercúrio - Essa agora! Então as bruxas são formigas para entrarem pelo buraco da fechadura?
Tio Joaquim - O senhor Mercúrio nunca viu as bruxas? Lá no seu Planeta não há bruxas?
Mercúrio - Não. Mas sei que Tavarede tem fama de ter muitas bruxas.
Tio Joaquim - Pois mal sabe Vossa Senhoria a praga de que está livre. Há lá nada pior que as bruxas! Coisas que por aí se vêem e que não se sabe quem as faz, já se sabe que é obra das bruxas. Em tomando uma pessoa à sua conta, dão cabo dela. E então fazem cada patifaria... Uma vez entraram no curral do Fadigas, montaram a cavalo num boi, e tanto lhe chuparam o sangue que o boi ficou que parecia um carneiro. Outra: O Zé Augusto foi para o Brasil e deixou cá a mulher. Voltou daí a quinze meses, e quando chegou a casa, a mulher tinha um filho. O rapaz quiz divorciar-se, mas por fim acomodou-se porque aquilo foi... tinham sido as bruxas. As bruxas! Ui! Que praga! E ladras?!... Nas fazendas, faltam batatas, aparecem roubados os couvais; e sabe quem é o ladrão? São as bruxas. Às vezes leio nos jornais: Um grande furto na ourivesaria tal. No Banco qualquer coisa verificou-se um desfalque de duzentos contos. Descobriu-se uma importante falsificação de notas. A polícia fez várias diligências sem resultado, mas espera descobrir os criminosos. (rindo) Ah! Ah! Ah! Pois sim, espera, vai esperando que hás-de descobrir boas coisas - penso cá com os meus botões -.
Mercúrio - E descobre?
Tio Joaquim - Isso sim! Como há-de descobri-los se os criminosos são as bruxas?! Tudo obra das bruxas, tudo bruxarias.
Mercúrio - Mas afinal o que são as bruxas?
Tio Joaquim - O que são? São mulheres, pois o que haviam de ser? Mulheres do diabo.
Mercúrio - Mas mulheres como as outras?
Tio Joaquim - Sim senhor. São mulheres que voam sem terem asas. À meia noite, untam-se com um óleo esquisito que têm dentro dum chavelho de carneiro, e pronto - voam por cima de toda a folha.
Mercúrio - Oh! É admirável! Mulheres a voar! Quero vê-las, Tio Joaquim; não abandonarei a Terra sem ver essas mulheres que cabem pelo buraco das fechaduras e que voam sem terem asas.
Tio Joaquim - Veja lá o que faz. Não brinque com coisas sérias!
Mercúrio - Quero vê-las, quero conhecê-las, quero levá-las para o meu Planeta. Bruxas, mulheres voadoras, vinde a Mercúrio!
Tio Joaquim - (Meio assustado) Não as chame, que podem aparecer... Não sabe com quem se mete.
Mercúrio - Bruxas de Tavarede, que chupais os bois, roubais as hortas e fazeis nascer meninos que não têm pai! Vinde a Mercúrio, mensageiro dos Deuses, Deus do comércio e dos ladrões! Voareis comigo! (Simultaneamente Tio Joaquim vai dizendo: Esteja calado, não chame por elas que podem aparecer!) Atirai fora o chavelho de carneiro. Untar-vos-eis com o meu óleo, que é o azougue, e voareis com as minhas asas, que são velozes como o pensamento. Voaremos, voaremos sempre, subireis comigo aos Céus. Bruxas de Tavarede, vinde a Mercúrio! (Aparecem as bruxas)
Tio Joaquim - (Benzendo-se) Padre, Filho, Espírito Santo! Valha-me a Santíssima Trindade!
Coro das Bruxas - A nossa alegre,
Risonha vida
É agradável,
É divertida:
Sobre os telhados
Voar, voar;
E numa eira
Dançar, dançar...
Neste baile do Sabá
De bruxas e diabitos,
Haja risadas macabras,
Haja uivos, haja gritos,
Haja guinchos de vampiros,
Do morcego e da serpente,
Em homenagem infernal
A Satan omnipotente.
A nossa alegre
Risonha vida
É agradável,
É divertida:
Sobre os telhados
Voar, voar;
E numa eira
Dançar, dançar...
Mercúrio - Lindas bruxas,
Lindas bruxas feiticeiras!
Dou-vos as minhas asas
E voareis sem mais canseiras!...
Bruxas - Somos as bruxas
Sempre a girar,
Corremos mundo
Sempre a voar.
Se nos apraz
E dá na bolha,
Vamos por cima
De toda a folha.
E lá se foram todas, com o deus Mercúrio, para nunca mais voltarem. Fazem cá falta? Isso não sei responder. Talvez algum dos meus caros leitores, se por acaso os tiver, saibam alguma coisa sobre o assunto. E se souberem, informem-me, por favor.
(Retirado da peça: 'Retalhos e Fitas - 1927"
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