domingo, 29 de novembro de 2009

ANTÓNIO FERREIRA JERÓNIMO

Era natural de Santo Varão e filho de António Ferreira Menano e de Ernestina Simões Gonçalves. Nasceu no dia 23 de Novembro de 1903.
Empregado nos escritórios da Beira Alta, veio residir para o Alto de S. João, mudando-se mais tarde para a Vila Robim e, anos depois, para Tavarede, para uma casa na Rua Direita, relativamente perto do Largo do Paço. Casou com Laura Ramos, tendo dois filhos: Mário e Fermim. Faleceu na Salmanha, numa casa que ali mandou construir.
Foi músico de elevada categoria. Tocava na Tuna do Grupo Musical e fazia parte, tocando flauta, do quinteto da colectividade, a que nos temos referido várias vezes noutros trabalhos. Dedicou-se igualmente à composição musical, deixando a partitura de diversas canções, com versos dedicados à nossa terra, bem como de diversas danças para o Rancho Flores da Beira-Mar, de Buarcos, cuja orquestra dirigiu.
Durante vários anos colaborou com o grupo cénico da Sociedade de Instrução, tocando na sua orquestra e ensaiando os coros. Foi o organizador de um conjunto musical que tocava durante os espectáculos teatrais não musicados e que abrilhantava os bailes da colectividade.
Apesar da grande amizade que o unia a José Ribeiro, abandonou a colectividade em Setembro de 1945, por divergências surgidas com o director cénico aquando uma deslocação a Colares, Sintra, sentindo-se magoado por não ter sido convidado, nem, sequer, informado, para acompanhar, com a orquestra, esta deslocação.
Caçador de bom nível, era, também, um apaixonado pela columbofilia, tendo no seu quintal um pombal com algumas dezenas de pombos-correios, com os quais participou em várias provas.
Foi correspondente local de “O Figueirense”, onde manteve diversas e acesas polémicas, especialmente com Belarmino Pedro, seu adversário político, que lhe chamava “o bolchevista”, pela militância esquerdista de Ferreira Jerónimo. É muito curioso, por exemplo, um episódio ocorrido por ocasião de uma festa religiosa em Tavarede.
Passava a tradicional procissão na rua de Tavarede, fazendo o percurso costumado. A filarmónica tocava uma marcha apropriada. Ferreira Jerónimo assume a uma janela do primeiro andar da casa onde residia, de chapéu na cabeça. Era um ateu. Não se descobrindo, alguém que acompanhava a procissão lhe chamou a atenção. Não ligou qualquer importância, até que, quando o entendeu, se retirou para dentro da casa. O caso deu origem a mais uma polémica. Belarmino Pedro aproveitou a ocasião. Só houve resposta tempos mais tarde. “…assomou, de facto, à janela de chapéu na cabeça, mas não se debruçou, por ter ouvido a filarmónica no momento em que regressava do seu pombal, onde sempre entrava de chapéu na cabeça por motivos higiénicos”, disse ele e se não acedeu à observação que lhe fizeram da rua, “foi porque lhe fizeram uma intimação arrogante e da sua parte não houve intenção provocadora e em sua casa não recebe ordens de ninguém”.

Pequeníssimas questões religiosas e políticas, que eram aproveitadas ao máximo para se fazerem ataques pessoais, sem qualquer proveito para a terra.
Fotos: 1 - António Ferreira Jerónimo; 2 - Uma procissão passando no Largo do Paço, perto da casa de A. F. Jerónimo.

ANTÓNIO GRAÇA


Natural do Tavarede, onde nasceu no ano de 1887, era filho de Manuel Graça.
Foi empregado nas oficinas dos caminhos de ferro e ocupava os seus tempos vagos no amanho das suas terras.
Aprendeu as primeiras letras na escola nocturna da Casa do Terreiro, iniciando-se nas lides teatrais no ano de 1902, num sarau promovido pelos alunos daquela escola. E em 1906 encontrámos a seguinte nota, relativa à realização de uma ”Festa da Árvore”: “… depois de, pelo antigo aluno da escola nocturna e actualmente nela professor, sr. António Graça, ser recitada a poesia Escola da Minha Infância, que disse muito bem…”.
Fez parte da 1ª. Comissão Paroquial Republicana, eleita depois da implantação da República, em 5 de Outubro de 1910.
Até final da sua actividade artística, interpretou cerca de 50 personagens em peças como Os Amores de Mariana, Entre duas Ave-Marias, Em busca da Lúcia-Lima, O Sonho do Cavador, Os Fidalgos da Casa Mourisca, O Grande Industrial, Entre Giestas, A Morgadinha de Valflor, etc. Em 1950 participou na fantasia Chá de Limonete, com o papel de Tio João da Quinta, figura da célebre opereta O Sonho do Cavador, que Mestre José Ribeiro fez reviver, certamente para homenagear o final da carreira deste dedicado amador. Era uma figura extraordinária, de um velho cavador, com a enxada ao ombro, sempre ovacionado quando entrava em cena.
Morreu no dia 19 de Julho de 1960, com 73 anos de idade.

“Uma figura curiosa de tavaredense. Verdadeiro misantropo, era, dentro da sua modéstia, uma pessoa inteligente e bondosa. António Graça deixou bem vincada a sua passagem na secção dramática da SIT, onde actuou, durante muitos anos, como elemento de grande relevo. Sóbrio, de presença agradável, todos os seus tipos eram desempenhados com consciência, o que lhe permitia brilhar em todos os papéis que lhe eram confiados”.
Sócio honorário da colectividade, desde 1928, fez parte dos seus órgãos dirigentes por várias vezes.

Caderno: Tavaredenses com História

Grupo Musical e de Instrução Tavaredense - 3

Mas em Tavarede, terra pequena onde todos se conheciam e eram familiares, parece ter sempre havido o mau costume dos ditos e mexericos”, à mistura com um pouco de inveja e uma boa dose de má-língua.

Ora apreciem este retalho escolhido de um jornal figueirense, de Junho de 1912. “Pedem-nos um reparo pelas palavras alguem, que se enfeita com pennas de pavão, escreveu sem repugnacia de mentir. Ora lêiam:
-”Poucos são os domingos, à noite, em que não haja desordens começadas nos estabelecimentos locaes ou nas danças que alguns garotos promovem em plena rua.
Bom será que a auctoridade administrativa ponha cobro a taes abusos”.

É mentir descaradamente, dizendo que tem havido desordens nas danças ultimamente realisadas. Nas tabernas sim, é verdade, porque é costuime da terra que a regedoria-sapateira não deixa desapparecer, nem a marmeleiro.
A causa, caros leitores, que levou esse alguem a escrever esta mentira - insulto a considerados filhos d’esta terra - pedindo a prohibição das danças na arteria publica, é simplesmente um odio que corroe o coração d’essa creatura, que claramente vê dia a dia prosperar a lovem collectividade, á qual pertencem os promotores dos divertimentos domingueiros; sociedade, onde se encontram associados os mais dilectos filhos d’esta povoação, que com amor a defendem e trabalham para a sua felicidade, e a unica que mais esperanças dá para o futuro do povo de Tavarede, que lhe dedica toda a sua sympathia e applausos.
Teem-se dado tantas desordens em Tavarede sem que, ao menos, uma palavra escrevesse sobre isso o pacato que muito bem sabia que ellas se davam, devido aos maus conselhos da nossa real auctoridade local. Porque não se referiria a ellas? É porque o regedor seja dos seus ou o periodico para onde escreve não lhe consentiria amargos a tão alta pessoa? Porque esse alguem não combateu tambem, como era de justiça, visto ser uma provocação, uma dança que a Sociedade d’Instrução promoveu, quando d’uma merenda, que mais tarde resultou uma séria desordem? Porque não chamou a toda essa gente garotos e imbecis? Não responde, porque não terá razão para isso...
Comprehende-se bem todo este odio. Trata-se de combater o sympathico Grupo Musical, que todos os bons tavaredenses apoiam; trata-se de chamar garotos a homens que se prézam de ser honrados e considerados, que estimam e são leaes para com os adversários que sem pejo e vergonha, os anavalham traiçoeiramente.
Valha-nos ao menos, estamos certos d’isso, termos uma auctoridade administrativa que providenciará as desordens, mas não evitará a alegre mocidade de gozar em franca harmonia.
Ainda bem, porque assim o odio ha-de pouco a pouco elevar o pobre alguem ao cemiterio mysterioso onde dorme o somno eterno a benemérita commissão do relogio da torre, que é caminho traçado por elle proprio...
Mais... nada”.

Pode dizer-se que foi o início das hostilidades entre as duas colectividades locais que durante bastantes anos mantiveram uma rivalidade muito pouco pacífica. É certo que algumas vezes os responsáveis pelas mesmas, compreenderam que, para um melhor desenvolvimento sócio-cultural da terra, era bem mais importante a união do que a desunião e a guerrilha. E, então, havia períodos de bom entendimento e mútua colaboração. Mas, volta que não não volta, tudo regressava à forma antiga.

É natural que a jovem colectividade, mostrando, desde logo o seu início, uma enorme actividade cultural, no teatro e na música, suscitasse um pouco de inveja. Diga-se com justiça, no entanto, que não era a totalidade dos respectivos elementos que fomentavam tais questões. Muitos deles até eram sócios das duas associações e desejavam o seu progresso, pois isso reflectir-se-ia na qualidade de vida dos tavaredenses de então. Mas um ou outro lá havia que, intencionalmente, procurava lançar a confusão.

Foi assim que em Novembro de 1912, o então secretário da Assembleia Geral que, pelo aniversário comemorado três meses antes, tão elogioso se mostrara para com os seus colegas da Direcção, fez publicar uma declaração na imprensa em que informa pedir a demissão daquele cargo “por não querer estar onde predominam absolutos e ignorantes, que combatem a instrução e apoiam o vício da taberna!!!”. Algo de grave deveria ter ocorrido, tanto mais que na edição seguinte do mesmo jornal, é o próprio presidente da Assembleia Geral quem lhe vem dar razão, afirmando mesmo que não era da opinião do que se “fez naquele Grupo”.

Nota - Procurei transcrever todos os apontamentos recolhidos, com a ortografia então em vigor. Mas, como compreenderão, é difícil evitar alguns erros, pelo que peço desculpa.
Como lemos acima, a rivalidade era grande, mas com boas abertas... Dissémos, na história da SIT, que as suas duas revistas levadas à cena, eram de 'ataque' ao Grupo. Veremos isso, mais detalhadamente, no próximo capítulo.
Fotografias- 1 . Largo do Paço. A sede do GMIT era na segunda casa à esquerda; 2 - Um piquenine organizado pelo Grupo.




Sociedade de Instrução Tavaredense - 5

Os espectáculos musicados eram, então, muito do agrado do povo. Depois de “Na Terra do Limonete”, os mesmos autores escreveram e musicaram uma nova revista, a que deram o título de “Dona Várzea”. E, em 1913, Vicente Ferreira ensaia e faz representar aquele que seria o primeiro grande êxito do grupo cénico, a opereta “Os Amores de Mariana”.
Não se encontraram quaisquer comentários a esta estreia. Mas, no ano de 1915, esta opereta é reposta em cena. Como protagonista surge Helena de Figueiredo, que substitui, no papel de Mariana, Eugénia Tondela, que abandonara o grupo depois do seu casamento. Foi um sucesso. E nos dias 9 e 23 de Maio daquele ano, os amadores tavaredenses foram representá-la à Figueira, ao teatro da Filarmónica Figueirense. O primeiro espectáculo reverteu a favor desta Filarmónica e o segundo rendeu, ao cofre da SIT, a quantia de 21$08.

No entanto, no dia 18 de Outubro do ano anterior, o grupo tavaredense já se havia deslocado àquele teatro, onde apresentou duas comédias: “Tire dali a menina”, em 2 actos e “Morte de Galo”, em 1 acto, cuja receita reverteu em benefício da manutenção da aula de música daquela colectividade. Foi esta a primeira saída da sua sede, em Tavarede.

A última peça ensaiada por Vicente Ferreira, antes da reposição de “Os Amores de Mariana”, foi o drama “Amor de Perdição”. “A noite de sábado último conseguiu fazer reviver no nosso espírito essa figura sublime do grande Camilo. E tanto mais que Teresa e Mariana, Simão Botelho e João da Cruz apareceram ali, naquele delicioso recinto da terrinha do limonete, encastoadas em Clementina de Oliveira e Helena de Figueiredo, José Ribeiro e Vicente Ferreira, de tal forma que justamente nos entusiasmou. Sem querermos estar a alongar-nos, prevenimos o público de que no mesmo teatrinho, no próximo sábado, há outra vez espectáculo, e que se não perde de todo o tempo em assistir, em Tavarede, à representação do Amor de Perdição”.
Diga-se, porém, que, na parte administrativa, o ano de 1914 terá sido algo turbulento. Numa assembleia geral, o presidente da direcção, João de Oliveira, faz “um breve mas significativo elogio” a Vicente Ferreira, referindo que “só um homem da sua têmpera, com uma vontade igual à sua, seria capaz de tantas canseiras em prol duma terra que lhe era desconhecida. Tanta noite perdida, indo longe de sua casa, muitas vezes debaixo de chuva, levar aos outros o produto do seu recurso intelectual, só da sua candura de alma se poderia obter”.
Nesta mesma assembleia, houve, depois, uma enorme discussão. Estava presente, entre outros, o padre Manuel Vicente que, segundo o cobrador, se recusara a pagar as quotas em atraso. Tanto ele, como outros sócios, alegaram que a falta era do cobrador, que os não procurava em devido tempo e os ânimos chegaram a exaltar-se. Acrescentemos que, pouco depois, o presidente da direcção acima referido e o presidente do conselho fiscal, demitiram-se dos seus cargos e de sócios e passaram-se para o Grupo Musical onde, conjuntamente com o professor António Vítor Guerra e outros fundadores desta colectividade, desempenharam notável actividade recreativa e cultural.
Na sessão solene comemorativa do 10º aniversário, o tavaredense dr. José Gomes Cruz, que presidiu, teve uma intervenção de muito interesse e de que destacamos este apontamento: “... depois de agradecer o convite para presidir àquela sessão, diz encontrar-se ali plenamente satisfeito, muito à sua vontade, pois está sempre à vontade e satisfeito quando assiste a festas como estas que se realizem na sua terra. Fala largamente sobre instrução e educação, demonstrando que para bem empregar a primeira é necessário aliar-se a segunda. Dirige-se aos seus patrícios e pede-lhes que se instruam para assim não poderem ser explorados por aqueles que se escudam na ignorância dos outros e que fazem da religião a alma dos seus interesses. Bem sabe que lhe chamam ateu, que o apelidam de pedreiro-livre, que o insultam; mas que podem importar-lhe esses insultos se tem a consciência de ter cumprido sempre o seu dever? Tem também as suas igrejas, mas essas são mais sagradas do que aquelas de que os padres se servem para explorar as crianças do povo ignorante, porque são frequentadas por crianças tão puras como as flores – as escolas”.
O dr. José Cruz desenvolveu uma notável acção de propaganda cívica e educativa. A Sociedade de Instrução sempre teve nele um amigo e um colaborador. Aqui realizou uma série de palestras dirigidas aos seus conterrâneos. A primeira versou o tema Alcoolismo, seguindo-se outras sobre Pátria, Formas de Governo, Liberdade, Igualdade e Fraternidade, etc.

Este período, década de 1911/1920, é riquíssimo em episódios nos quais os principais protagonistas são elementos, directivos e amadores, das duas colectividades tavaredenses. Foi uma luta interessante, nem sempre muito leal, mas que acabou por trazer benefícios para o associativismo tavaredense, pois deu lugar, com a rivalidade, a que ambas as associações atingissem elevado grau cultural, quer no Teatro quer na Música. Contaremos alguns episódios, integrados nestes apontamentos associativos. Diga-se, desde já, que as duas revistas acima referidas, 'Na Terra do Limonete' e 'Dona Várzea', eram, em grande parte, de acerbada crítica ao rtival Grupo Musical e de Instrução Tavaredense.
Fotografias: 1 - Helena Figueiredo Medina; 2 - João de Oliveira

sábado, 28 de novembro de 2009

DIVISÃO MOTORIZADA AVANÇA SOBRE ESTARREJA


O nosso conterrâneo António Miguéis Fadigas, conhecido na nossa terra por 'António Noca', era empregado nas oficinas do caminho de Ferro, na Figueira. Casado e pai de três filhos: Manuel (pai do nosso amigo João Fadigas), Lídia e Carlota, foi também, nos seus tempos livres, devotado colaborador da Sociedade de Instrução Tavaredense, onde exercia funções no 'bufete', especialmente nas noites em que havia teatro ou baile.

Durante muitos anos fez parte do saudoso agrupamento 'Os Inseparáveis' que, como já contámos, se reunia, em confraternização, todos os anos no dia 1º. de Maio. Um dia, já não sabemos se devido a doença ou desastre, sofreu amputação de uma perna, passando a andar de muletas. Entretanto os filhos fizeram suas vidas e, quando ficou viúvo, teve de abandonar a sua casa na Rua Direita e deixar Tavarede, indo viver para Estarreja, onde residia sua filha nais nova, a Carlota, com seu marido, o Eduardo Panão.


Um belo dia, e porque a amizade de muitos anos assim o exigiu, um grupo de amigos seus da Terra do Limonete resolveu fazer-lhe uma visita, de surpresa. E um belo domingo, eis que partiu da nossa terra um grupo de ciclistas (mas ciclistas motorizados) em direcção a Estarreja, com o fim de dar um abraço ao nosso patrício e familiares. Os jornais figueirenses noticiaram o facto. Foi esta aventura em Abril de 1956.
No passado domingo, um numeroso grupo de Tavaredenses, conduzindo-se integralmente em bicicleta motorizada, deslocou-se à vila de Estarreja, em visita ao nosso conterrâneo sr. António Migueis Fadigas, que ali reside, há tempos, com sua filha Carlota e seu genro sr. Eduardo Panão.
A “divisão” motorizada era constituída por 11 unidades, a saber: Ricardo Medina, Pedro Medina, Vitor Medina, José Medina, Alvaro Simões, Manuel Esteves Ferrão, Manuel Lindote Pinto, Manuel Nogueira e Silva, João Mendes e Amilcar Vaz de Oliveira e seu filho.
Após a visita, que provocou lágrimas de alegria e emoção, os excursionistas regressaram por Aveiro, onde presentemente funciona a sua afamada “Feira de Março”.

Tudo correu bem e por assim dizer “milagrosamente”, pois não obstante um dos veiculos ter regressado com peças a menos nem por isso deixou de cumprir rigorosamente a sua obrigação, para o que influiu, certamente, a boa marca de “gasolina” usada pelo motorista.. (A Voz da Figueira)"

Foi um dia bem passado pois mataram-se saudades, trocaram-se abraços e comeu-se bem (o almoço, como não podia deixar de ser foram enguias fritas e salada) e regressou-se sem problemas.
Fotos: 1 - António Miguéis Fadigas; 2 - Jogando fuitebol no grupo de 'Os Inseparáveis'; 3 - Os excursionistas em Estarreja.

sábado, 21 de novembro de 2009

Os Broeiros

ANTÓNIO DA SILVA BROEIRO

Natural de Tavarede, nasceu no dia 25 de Abril de 1886, filho de José Maria da Silva Broeiro e de Adelaide Oliveira. Foi casado com Rosa Oliveira e faleceu na Figueira da Foz, em 6 de Março de 1945.


De origem muito humilde, aprendeu o ofício de sapateiro, abrindo, posteriormente, um estabelecimento do ramo, a Sapataria Elite, na Figueira da Foz, que granjeou enorme popularidade e cujos clientes nele apreciavam as suas excelentes qualidades de trabalho, honestidade e simpatia.
Desde muito novo que colaborou com o grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense e, antes da sua fundação, com o grupo dirigido por João dos Santos, na casa do Terreiro.
Na sua longa carreira de amador, encarnou e deu vida a mais de 60 personagens, em peças como Em busca da Lúcia Lima, Noite de S. João, O Sonho do Cavador, A Cigarra e a Formiga, Os Fidalgos da Casa Mourisca, A Morgadinha dos Canaviais, O Grande Industrial, Génio Alegre, Entre Giestas, A Morgadinha de Valflor e A Nossa Casa, peça em que participou, pela última vez, em 1943.
Foi director durante vários anos e tem o seu retrato exposto no salão nobre da colectividade.
Deste tavaredense, merecem ser recordadas algumas das palavras que pronunciou numa sessão solene da SIT, poucos anos antes de falecer:
“Eu sou o que a Sociedade de Instrução Tavaredense de mim fez. Devo-lhe tudo. Comecei lá em baixo, na escola da noite, onde me ensinaram a ler, escrever e contar. Só à noite podia ir à escola: teria ficado analfabeto se não fosse a escola nocturna. Depois trouxeram-me para o teatro, ensinaram-me a compreender o que lia, ensinaram-me a falar, a conversar, a ouvir. Aqui fui instruído e educado. Recebi lições, aprendi coisas, tive ensinamentos, fixei exemplos que me serviram pela vida fora. A acção da Sociedade de Instrução Tavaredense exemplifico-a em mim próprio”.


JAIME DA SILVA BROEIRO

Natural de Tavarede, onde nasceu no ano de 1887, filho de José Maria da Silva Broeiro e de Adelaide Oliveira. Faleceu em Lisboa, a 19 de Agosto de 1945, com 58 anos de idade.
Sapateiro de profissão, aprendeu a ler e a escrever na escola nocturna da Sociedade de Instrução Tavaredense.


Desde muito novo começou a entrar no teatro. Foi um dos melhores amadores do seu tempo, desempenhando, com a maior naturalidade, os papéis de “característico”.
Amor de Perdição, Em busca da Lúcia-Lima, O Sonho do Cavador, A Cigarra e a Formiga, Os Fidalgos da Casa Mourisca, As pupilas do Senhor Reitor, Justiça de Sua Majestade, A Morgadinha de Valflor e O Grande Industrial, foram algumas das peças em que participou.
Representou pela última vez em 1937, na peça Entre Giestas, desempenhando o papel de Simão Geadas.
Fez parte dos corpos directivos da Sociedade de Instrução Tavaredense durante vários mandatos. Esta colectividade distinguiu-o como “Sócio Honorário”, no ano de 1931. Tem o seu retrato no salão nobre da colectividade.
“… Justa homenagem a quem tanto tem trabalhado pela colectividade. … Soldado defensor da Sociedade está no seu posto, sem um único ressentimento nem desfalecimento, desde a fundação da Sociedade. Era a consagração, o prémio ao trabalho, à devoção. Aquela homenagem tinha, além dessa significação, o exemplo às gerações vindouras que veriam, sempre que houvesse motivo para isso, o preito de reconhecimento da colectividade”.
Era casado com Ana Broeiro e teve quatro filhos: António, Felismina, Laura e Joaquim Broeiro.

ANTÓNIO DA SILVA BROEIRO (SOBRINHO)

Nasceu em Tavarede, no ano de 1909, filho de Jaime da Silva Broeiro e de Ana Broeiro.
Depois de concluída a instrução primária, tirou o curso da Escola Industrial da Figueira da Foz. Empregou-se, como tipógrafo, na Tipografia Popular, tendo sido um dos fundadores do jornal “Domingo”.
Colaborou, como amador dramático, no grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense (A Cigarra e a Formiga e O Casamento da Vasca) e como cenógrafo e decorador. Nestas duas actividades, também colaborou com o Sporting Clube Figueirense.
Em 1921, portanto com 12 anos incompletos, representou numa peça intitulada A Espadelada, que foi ensaiada por José Ribeiro e interpretada por crianças.
Desta representação temos o seguinte apontamento: “… fez um galã ingénuo e apaixonado, com arranques de alma tirados sem aparente dificuldade, movendo-se no seu papel amorudo, como se em vez dos seus dez ou onze anos, já uns dezoito ou vinte lhe trouxessem a cabeça a juros e o coração agarrado a saias em vez de a peões e papagaios ligeiros”.
Fixou residência em Sintra, onde trabalhou na Colónia Agrícola Penal António Macieira. Foi colaborador e secretário da redacção do “Jornal de Sintra”. Nesta vila “conquistou muitas simpatias e pôs em relevo a sua inteligência e aptidões, tanto no jornalismo como na execução de trabalhos artísticos. Escreveu uma peça de teatro que foi representada por amadores de Sintra”.
A Espadelada (1921)


“… E eu lembro a minha aldeia! A aldeia onde nasci, onde me criei, onde corri, despreocupado e feliz, pelos outeiros e pelos serrados; pela várzea e pela colina; ora caçando rãs nos valeiros, ora subindo aos choupos à caça de ninhos de pardal!...
... e as manhãs doiradas do sábado de aleluia em que os sinos repicavam festivos, e eu e os cachopitos da minha idade, esbaforidos, corríamos à igreja com uma caneca de água colhida no rio para que o senhor vigário Manuel Vicente no-la benzesse para as nossas mães borrifarem as casas para que o espírito maldito do bruxedo lá não entrasse...
... e nas manhãs radiosas de domingo de Páscoa, eu ia, de fato novo à marinheira, de colar engomado muito branco e laçarote pendente do pescoço, até à igreja, ouvir missa e beijar o menino Jesus que estava deitado numas palhinhas...
... mas meia hora depois, quando eu estivesse farto de andar na brincadeira, com o fato enxovalhado e porco, eu dava um doce a quem fosse capaz de olhar para mim sem sentir vontade de me bater... Era uma dó! Um fato tão bonito...
Como eu brinquei! Como eu fui feliz...”.
Casou com Laura Cândida Mendes da Silva Broeiro e teve um filho. Faleceu em Lisboa, no Hospital de S. José, no dia 13 de Dezembro de 1943.

Fotos: 1 - António da Silva Broeiro; 2 - Jaime da Silva Broeiro (em 'Ti João da Quinta', na peça 'O Sonho do Cavador - desenho do prof. Alberto de Lacerda); 3 - Na peça 'A Espadelada - 1923 - Maria José Figueiredo, António da Silva Broeiro (Sobrinho), Maria Teresa de Oliveira e António Cordeiro.

Caderno : Tavaredenses com História

Grupo Musical e de Instrução Tavaredense - 2

E foi inaugurado no dia 17 de Fevereiro de 1912. Como curiosidade, e antes de transcrever a notícia da inauguração, registe-se que a sala de espectáculos “contém um pano artisticamente pintado pelo hábil cenógrafo sr. Marius Jean Batut, que é um trabalho digno de se ver”.

Transcrevo, a seguir, a tal notícia da inauguração:

“O Grupo Musical Tavaredense realisou no preterito sabbado um espectaculo para solemnisar a inauguração do seu elegante theatrinho.
Fez na abertura uma breve alocução Annibal Cruz, que felicitou os seus patricios pela maneira como trabalham para se instruirem e engrandecerem a sua terra, protestando contra aquelles - que, felizmente, nada valem - que guerreiam a nova agremiação com infamias e cobardias.
Os distinctos amadores desempenharam com correcção as applaudidas comedias O Senhor, Hospedaria do tio Anastacio e Amo, creado e creada e o jovem amador António Medina recitou com graça o monologo Ainda lá vou...
No domingo, repetiu-se o espectaculo com regular assistencia.




Aproveitamos a occasião de felicitar os estimados amadores pelo bom desempenho das comedias, porque não era rasoavel exigir mais, nem tanto esperar. Não são profissionais, não fazem da arte um modo de vida. São, pelo contrario, homens do trabalho, que no vigor da vida antes podiam desejar gastar as suas horas de folga nos prazeres proprios da edade, mas pelo contrario elles dedicam-se ao estudo, ao desejo de se instruirem; e já isso seria digno de registo simples sem o applauso que nasce expontaneo do bom resultado que elles tiram do seu estudo, e de que n’estas noites de festa elles veem dar a prova, perante um publico que com razão os estima e justificadamente os applaude.
Oxalá que o Grupo Musical continue, tanto no theatro como na musica, a instruir com a mesma boa vontade como até hoje, os seus associados, porque iniciou um grande melhoramento social, e abriu uma larga escola de instrucção. Mas precisa não dormir sobre os louros... colhidos no sabbado e domingo; continuar, avançar, progredir, que é lêma dos trabalhadores.
Na terça-feira de Entrudo dedicou aos socios e familias um animado baile de mascaras”.

Também neste espectáculo, no sábado, fez a sua estreia um grupo musical, igualmente o primeiro da colectividade, sob a direcção de João Jorge da Silva Simôa.




Em Março seguinte houve novo espectáculo. Além das comédias que inauguraram a actividade do grupo cénico (O Senhor; Amo, creado e creada; e Hospedaria do Tio Anastácio), hou mais uma outra intitulada “Influências Eleitoraes”. Nos intervalos, o amador António Augusto de Carvalho “cantou as engraçadas canconetas Ri-có-có e Zan-Zariban”, tendo outro amador, António Medina Júnior, recitado o monólogo “Ainda lá vou...”, que alcançaram fartos aplausos.

E prosseguiu a sua actividade. Em Abril seguinte, novo espectáculo. Desta vez “o aparatoso drama em 2 actos “Crime e Honra” e as comédias em um acto “A Mala do Sr. Bexiga” e “O Cometa e o Fim do Mundo”.

Para a posteridade fica o resgito da primeira comédia “O Senhor” e o primeiro drama “Crime e Honra”.

E no primeiro domingo de Maio de 1912, talvez para festejar o êxito alcançado ou, simplesmente, para convívio, houve um passeio à quinta da Calmada, pertença de António Ramos Pinto (este Ramos Pinto pertencia à conhecida família produtora de vinhos do Porto com o seu nome, tendo chegado a ser um dos seus directores e que, ao que consta, uma vida dissoluta e de devassidão o levou à tuberculose, tendo falecido em Tavarede, naquela sua quinta, bastante novo), onde agora está instalado o parque de campismo da Figueira da Foz.

Foi servido aos associados e famílias um opíparo jantar. “Foi muito concorrido e houve sempre engraçados diálogos entre os convivas, que no meio de ampla alegria faziam o enterro a três boas raias que naquele dia tinham sido pescadas para aquele fim e degoladas pelo Zé Maria Cordeiro, que lhe soube dar um gosto agradável. No local da merenda foram tiradas três fotografias pelo hábil fotógrafo figueirense sr. António Maduro. À noite, no regresso a Tavarede, foi entusiasticamente saudado o Grupo Musical, que pelas ruas executou um alegre ordinário que o nosso estimado patrício sr. João Prôa escreveu expressamente para esta festa, Foram queimados muitos foguetes e levantados alguns vivas à classe operária de Tavarede, ao Grupo Musical, etc.”.

Entretanto, no dia 10 de Março, o Grupo foi à Figueira, à sede da Figueirense, colaborar num espectáculo de benefício a favor de um operário impossibilitado de trabalhar. A notícia não esclarece se foi colaboração teatral ou musical. O que há registo é que, no dia de S. João de 1912, o Grupo se deslocou a Quiaios, onde, no pavilhão do “Recreio”, executou um excelente programa musical, com a direcção do seu responsável, João da Simôa, e que muito agradou.

E, 1912, embora independente da colectividade mas a ela bastante chegado, havia sido organizado, melhor dizendo, reorganizado, o rancho Flor da Mocidade, que, tal como o outro rancho local, o “Alegria”, alcançaram bastantes triunfos nas suas exibições, especialmente na Figueira, onde este último chegou a ganhar o primeiro prémio doas ranchos do primeiro de Maio. O Grupo colaborava, então, com a parte musical, tendo, no início de Agosto, acompanhado o rancho numa sua deslocação a Caceira de Baixo.


E chegámos à data da celebração do primeiro aniversário. Já referi anteriormente que em Assembleia Geral (a primeira?) haviam sido aprovadas as contas do exercício de 1911/12 e eleitos os novos corpos gerentes. Aqui fica registada a sua composição:

Assembleia Geral
Presidente – José Maria de Almeida Cruz
Secretários – Aníbal Cruz e Joaquim Severino dos Reis

Direcção
Presidente – António Medina
Secretários – António Marques Lontro e Carlos Artur de Almeida Cruz
Tesoureiro – Manuel Vigário

Conselho Fiscal
José Maria Cordeiro, Faustino Ferreira e António Nossa.

A imprensa local noticiou assim o acontecimento:

“Na madrugada e na noite de sabbado passado (17 de Agosto) queimaram-se immensos foguetes em commemoração do 1º. aniversario da fundação do Grupo Musical d’esta freguezia, e realizou-se no seu elegante theatro uma sympathica festa dedicada aos seus associados e familias.
Foi dada posse á nova direcção, e Annibal Cruz, n’um breve discurso, apoiou a florescente collectividade local, incitando a nova Direcção a trabalhar com o mesmo afinco como o fez a transacta, para seu engrandecimento e da nossa terra. Dirige algumas palavras de felicitação ao regente do Grupo, pela maneira incansavel como tem leccionado aos seus socios a sublime arte de Mozart e entrega-lhe um objecto de prata offerecido pela sympathica sociedade, que João da Simôa agradeceu commovido. Levantaram-se no final enthusiasticos vivas ao Grupo Musical de Tavarede, que foi unanimemente correspondidos.
Executa-se em seguida uma valsa e sóbe o panno para Mário José recitar a excelente poesia patriotica Vinga pae!, que foi bastante applaudida.
Com graça recita depois o monologo Eu cá não me ralo... o sr. Antonio Dias Carvalho, de Quiaios. e o sr. Americo Alvitro d’Abreu, habil amador portuense, cantou a engraçada cançoneta Rebenta a Bexiga, que foi bisada. Não me amava, hilariante monologo que Izidoro Loureiro disse com agrado.
O nosso patricio e jovem amador Antonio Medina Junior recitou tambem uma poesia dedicada ás damas de Tavarede, que a assistencia applaudiu bastante.
Fechou o sarau dramatico a comedia em um acto O cometa e o fim do mundo, desempenhada por dois socios do Grupo.
Ás 24 horas e meia principia o baile que terminou ás 7 horas de domingo”.

Fotos: 1 - António Medina (fundador); 2 - Joaquim dos Reis (Fundador); 3 - Rancho da Alegria (1912)

Sociedade de Instrução Tavaredense - 4

Vicente Ferreira esteve à frente do grupo dramático desde Fevereiro de 1911 até ao dia 24 de Maio de 1915. Não se sabe quais os motivos que levaram à sua saída, mas, num apontamento seu, escreveu “despedi-me”.
As primeiras peças, ensaiados por ele, foram representadas em 15 de Abril de 1911. O drama, em 4 actos, “Jocelin, o pescador de baleias” e a comédia, em 1 acto, “Um rapaz distraído”, agradaram em absoluto. “Os amadores, bem ensaiados, desempenharam os seus papéis com a maior correcção e os merecidos aplausos não lhe faltaram”, escreveu-se na ocasião.
Entretanto, um pouco antes, pelo Carnaval, houve um espectáculo apropriado. Entre as comédias apresentadas, destacou-se “À procura do badalo!”, alusiva e crítica a casos locais, que “... fez rir e tiraram partido Arménio Santos, que foi muito comido por Carriça; José Tondela, a perfeita Monaça, de pernas empanadas e chávena na mão; e Jaime Broeiro, imitando a camisola do Escaldado, teve, com a piada “o ás de copas” e “o chouriço para a Carriça”, a plateia em constante hilariedade” diz um crítico local, que terminava referindo “a orquestra, sob a regência do maestro Medinita, executou belos trechos de música”.
Recordamos esta notícia por dois motivos. Primeiro, para dizer que Antónia Carriça, acima referida, era uma tavaredense que, cavadora de profissão, se vestia como os homens e trabalhava a seu lado, quer na sementeira de couves ou flores, quer na dura tarefa da cava das vinhas. De manhã, juntava-se aos companheiros, na taberna, para o tradicional “mata-bicho” e, fumando o cigarrito de tabaco de onça, que ela mesmo enrolava, acompanhava-os, enxada ao ombro, para o local do trabalho, sempre bem disposta.
O outro motivo é que, pela data, se verifica que ainda se não havia dado a cisão do grupo de amadores e dirigentes que, abandonando a Sociedade de Instrução, fundaram, naquele ano, o Grupo Musical e de Instrução.
Vicente Ferreira continuou com a sua tarefa. Foram várias as peças ensaiadas e representadas, recordando nós, somente, “A Tomada da Bastilha”, “O Judeu”, “A Cabana do Pai Tomás” ou “A mãe dos escravos”, “João José”, “O Voluntário de Cuba”, “Falsa Adúltera” e “Amor de Perdição”. E deixemos, aqui, nota dos principais componentes do grupo. Maria Eugénia Tondela (que casou com o pintor António Piedade), Luciana Fadigas, Ana Rola e Felismina de Oliveira, na parte feminina, e Vicente Ferreira, José da Silva Ribeiro, António Graça, António e Jaime Broeiro e Francisco Carvalho, nos homens.



Entretanto, a 6 de Fevereiro de 1912, teve lugar a estreia da primeira revista sobre Tavarede. “Na Terra do Limonete”, em 2 actos e seis quadros, da autoria de João dos Santos e musicada porGentil Ribeiro. Era “uma revista de costumes locais”. A crítica teceu-lhe bastos elogios, referindo “... fazer uma revista de costumes de Tavarede, terra pequena em que escasseia o assunto e há, sobretudo, o receio de melindrar as personalidades atingidas, não é tarefa fácil...”. E, depois de apreciar a interpretação e a música, que “tem números lindíssimos e de boa execução”, termina “... houve aplausos em barda, especialmente na parte final (apoteose) em que D. Limonete estabelece o confronto entre o convívio deletério da taberna e a paz e a fraternidade que predomina no seio da Sociedade de Instrução”. Também outro jornal escreve “... arrancando à plateia bastantes palmas na apoteose – excelente propaganda para instruir os filhos do povo, porque se combate os vícios que os fazem viver criminosamente nas trevas da ignorância e se lhes aponta o caminho do bem: - a escola e a associação”.

E aqui deixamos um pequeno recorte sobre uma festa que, colaboradores da Sociedade, realizaram “... na eira do sr. João Gaspar de Lemos, que se achava lindamente ornamentada, produzindo também deslumbrante efeito a iluminação à veneziana e a acetilene. Cantando e dançando ao som dum afinado terceto, composto dos srs. António Rosa, flauta; José Pimentel, bandolim; e Raul Canelas, violão, os formosos pares deste rancho espalharam as mágoas que traziam no coração. A noite de sábado jamais esquecerá às lindas raparigas que soltavam das suas frescas bocas cantigas que diziam quanta paixão lhe ardia no peito. O romper da aurora, espectáculo deslumbrante que dali se presencia muito bem, as srªs. Ricardina de Lemos Amorim, Lícinia Alves, Regina Silva, Eugénia Rodrigues Tondela, Luciana Fadigas, etc., e os srs. Arménio dos Santos, António Cordeiro, José da Silva Ribeiro, Alberto Marques, etc., saudaram-na com uma valsa que durou até às 5 horas”.
Fotos: 1 - Programa da 1ª representação de 'Na Terra do Limonete' - 1912; 2 - Grupo feminino na opereta 'Os Amores de Mariana - 1914; 3 - Grupo masculino na mesma opereta.

CULTURA - ARTE MENOR

Senhor Vereador António Tavares:
Permita-me V.Exª. que discorde da sua opinião, apesar da minha cultura ser muitíssimo inferior à sua. Desde muito novo frequentando as colectividades da minha terra, e não só, tenho por elas a maior devoção. Na Sociedade de Instrução Tavaredense, como um muito pequeno amador, tive por Mestre aquela grande figura de Homem da Cultura que se chamou José da Silva Ribeiro. Com ele e com os amadores da 'sua' escola, aprendi muito.

Tenho acompanhado de perto a actividade daquela colectividade e admira-me muito o seu parecer de que o Teatro 'de certa forma parou no tempo, sendo hoje uma espécie de arqueologia do teatro, ainda com a banda a acompanhar"

Estou a adivinhar o que vai ser a vida das colectividades concelhias enquanto V.Exª. estiver como responsável pelo Pelouro que as tutela.

A propósito daquela sua afirmação, gostaria de solicitar aos dirigentes da Sociedade de Instrução Tavaredense que pedissem uma visita de V.Exª. à sua sede para tomar conhecimento da sua actividade teatral, que decorridos 105 anos (quase) a fazer Teatro, continua activa, mantendo uma acção ininterrupta levando à cena todos os anos peças novas, embora sem 'bandas' a acompanhar porque, e com pena o digo, tendo sido Tavarede uma terra de músicos, hoje são muito poucos os que se dedicam a tão nobre Arte.

Mas, senhor Vereador, abençoadas sejam as colectividades do nosso concelho que continuam a fazer teatro com as suas bandas a acompanhar. São espectáculos culturais, com raizes populares, e que, de certa forma, ajudam o Povo que a eles assistem, se divirtam um pouco, talvez o suficiente para esquecer, por uns momentos, as dificuldades da vida quotidiana, sem que vejam os nossos governantes tomarem medidas que os protejam.

Talvez também a direcção do Lions Clube da Figueira da Foz tenha alguma coisa a esclarecer V.Exª. sobre a actividade teatral no nosso concelho. O esforço que anualmente dispendem com a realização das 'Jornadas do Teatro Amador da Figueirá da Foz' certamente que o esclarecerão que, por enquanto, o Teatro na Figueira ainda não é 'uma espécie de arqueologia'.

Ainda continuo a acreditar, senhor Vereador, que o Associativismo é muito importante para a cultura e vida social do nosso Povo. Se calhar não terá tido o devido apoio de quem o devia apoiar...

Lamento, senhor Vereador, o seu pouco tempo para a Cultura concelhia. Mas, mesmo assim, aproveito para incitar as colectividades do nosso Concelho, que com tanta dedicação e esforço, continuam a dedicar-se à cultura dos povos das suas terras, pelo Teatro, pela Música, pelo Folclore, pelo Convívio, pela Fraternidade, a prosseguirem a sua nobre acção. E, acredite, bem difícil é ser dirigente associativista, mormente lendo as palavras do senhor Vereador do Pelouro da Cultura no Concelho da Figueira da Foz.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

O PRIMO HELDER

Completa amanhã, 18 de Novembro, as suas lindas 81 Primaveras, o nosso Amigo Helder Marques Correia de Oliveira. Foi neste dia, no ja longinquo ano de 1928, que o Tio Joaquim Marques e a srª Rosa foram os felizes pais de um 'pimpolho' que, com o correr dos anos, haveria de se tornar um dos símbolos da nossa querida Terra do Limonete.

Acabados os seus estudos, muito jovem ainda começou a trabalhar (em 1952) nas oficinas dos Caminhos de Ferro, salvo erro como electricista das automotoras, onde permaneceu até ao ano de 1956. Companheiro de trabalho de meu Pai, com ele 'alinhava' sempre que entendiam. Com ele e com os restantes camaradas de trabalho (trabalhavam por turnos), pois formavam verdadeira família.
Em Julho de 1956 resolveu emigrar para Angola, onde vai trabalhar, na Companhia dos Diamantes (Diamong) até ao ano de 1961. "Helder Marques Correia de Oliveira, ao retirar-se para Angola e na impossibilidade de se despedir pessoalmente de todos os seus amigos, como era seu desejo, vem por este meio fazê-lo, a todos oferecendo os seus limitados préstimos em Lunda. Tavarede, 1 de Setembro de 1956".


Entretanto havia-se iniciado na música, tendo como 'professor' José Nunes Medina, fundador e director do Lúcia-Lima Jazz. Ali começou a tocar saxe soprano.

Acabado o contrato com a Diamong, foi trabalhar, para a NATO, durante o período de 1961 a 1964, ano em que regressou à nossa Terra. Foi em Maio deste último ano que iniciou a sua 'longa e dura caminhada' nas "Malhas". Foram 30 anos de luta, de sacrifícios e, também, de algumas alegrias.

Entretanto, no dia 1 de Setembro de 1957, casou com D. Augusta da Conceição Simões Nossa, das Alhadas, que tem sido, desde então, sua dedicada esposa e extremosa companheira. Foram pais, muito orgulhosos, de uma filha e 'babosíssimos' avós de um neto.


No dia 31 de Março de 1994, foi-lhe prestada uma justíssima homenagem. "Ilustre Tavaredense, pessoa simples, estimado, considerado e respeitado por toda a gente, profissional exemplar, bom chefe, bom colega. E acima de tudo grande amigo".

Na verdade, e todos o reconhecem, o 'Primo Helder' tem sido uma dedicação extraordinária a todas as iniciativas de carácter social, e não só em Tavarede e sua freguesia.


Não posso deixar de recordar os momentos tão felizes que passámos em Reveles, há tantos anos!, onde o Helder, tal como eu, tivémos grandes amigos. Quase todos já partiram. Mas, sem dúvida, que deixaram muitas saudades.

Primo e Amigo Helder: desejo, sinceramente, que ainda por muitos anos continues a servir a causa a que te dedicas: Tavarede. E, não te esqueças, a Tuna da nossa terra, está sempre a contar contigo.

Um grande abraço de parabéns extensivo a tua Esposa e a toda a tua Família.

Fotos: 1 - O Helder com o seu amigo e companheiro na Tuna João Mendes;2 - Fogueteiro. No Largo da Igreja, durante uma festa; 3 - A Tuna preparando-se para uma alvorada; 4 - Em Reveles, por ocasião das festas à Senhora da Saúde.

domingo, 15 de novembro de 2009

GENTIL DA SILVA RIBEIRO


Natural de Tavarede, onde nasceu no dia 13 de Dezembro de 1873, foi casado com Emília Coelho de Oliveira, e morreu em 25 de Julho de 1918, com a idade de 44 anos.
Sapateiro de profissão, foi figura saliente no meio operário local e figueirense, destacando-se como acérrimo defensor dos ideais republicanos.
Teve uma importantíssima participação na vida social da sua terra. Ainda muito novo, colaborou musicalmente na Filarmónica Figueirense e, em 22 de Março de 1893, foi um dos fundadores da Estudantina Tavaredense, onde, além de organizador e regente da sua tuna, foi um dos principais amadores teatrais e, ainda, devotado dirigente.
Como esta associação acabou a sua actividade no ano de 1903, passou, tempos depois, a prestar a sua colaboração à Sociedade de Instrução, fundada em Janeiro de 1904, na qual sucedeu a João Nunes da Silva Proa na direcção da orquestra, por volta dos anos 1907/1908.
Compositor musical, foi ele o autor do hino desta última colectividade e escreveu a partitura para as operetas Na Terra do Limonete e Dona Várzea, levadas à cena em 1912 e 1913, respectivamente.
Na acta da assembleia geral de 14 de Janeiro de 1914, consta a seguinte nota: “enaltece a sua obra, ficando-lhe muito grato pelo seu esforço, quer moral quer material, em favor da sua terra, e patenteia-lhe, também, o seu reconhecimento pela educação bela e sublime que deu a seus filhos, incutindo-lhes o dever venerável do amor pela sua terra e de levar mais além o pendão generoso da Sociedade de Instrução”.
Com a implantação do regime republicano em Outubro de 1910, colaborou na fundação da secção local do Partido Republicano Português e foi eleito, por diversas vezes, para membro da Junta de Paróquia, exercendo igualmente o cargo de regedor.
Por inesperada e prematura, a sua morte foi muito sentida. “… andou há pouco tempo, mais de uma vez, adoentado, e agora, caindo ao leito novamente, mal ele supunha que seria para não mais se erguer de lá com vida. A morte fê-lo desaparecer para sempre, na quinta-feira de tarde.
Gentil Ribeiro era sapateiro, contava 45 anos, deixa viúva e filhos e era pobre. Organizou aqui várias tunas, que dirigia, e que sempre apresentava com esmero. Estava sempre pronto para todos os serviços que lhe solicitava a S.I.T., que vê nele desaparecer um elemento que lhe faz grande falta. Era um democrata seguro, pronto para todos os sacrifícios em defesa da República e, nesta freguesia, ele soube sempre ser-lhe dedicado e leal…”.
De uma outra notícia, também transcrevemos os seguintes retalhos: “…Comoveu-nos profundamente este deplorável informe. Gentil Ribeiro, operário sapateiro, a despeito da sua muita modéstia, foi sempre um firme intransigente democrata e, como tal, prestou relevantes serviços, na freguesia de Tavarede, ao Partido Republicano Português…
… o concurso do desventurado Gentil foi, por isso, prestimoso. Dele resultou igualmente o êxito de muitas das récitas que há 25 anos a esta parte vinham realizando, em Tavarede, os amadores dramáticos do seu tempo, com quem ele também representou com habilidade… Gentil Ribeiro foi durante anos editor da “Voz da Justiça” e, se não estamos em erro, do “Povo da Figueira”, escrevendo neste jornal como correspondente de Tavarede.
Correligionário de absoluta confiança, dedicado, pronto para sacrifícios, o desinteresse com que servia a República levou esta a confiar-lhe, até à revolução de Dezembro, o cargo de regedor da freguesia. Mas esta consideração não valia nada em relação ao que merecia a sua isenção de sempre e que, nesta hora em que o seu corpo arrefece e está prestes a entrar no túmulo, nos queremos afirmar num preito de justiça pela sua inolvidável memória”.
A Sociedade de Instrução, que lhe ficou a dever inestimável colaboração, prestou homenagem à sua memória em Janeiro de 1924, descerrando o seu retrato, que se encontra exposto no salão nobre. Já o havia nomeado, ainda em vida, seu sócio honorário. Também a Junta de Freguesia e a Câmara Municipal da Figueira atribuíram o seu nome a uma rua local, perto dos Quatro Caminhos do Senhor da Areeira.
Não resistimos, para terminar o apontamento dedicado a este tavaredense ilustre, a transcrever um apontamento retirado de um estudo feito pelo professor Dr. Pires de Azevedo, publicado em 1982:
“… numerosa era a família que deixava: além da viúva e de uma tia desta, na humilde casa havia ainda 7 filhos. Gente de mais, na verdade, para um modesto sapateiro de ofício, que, por isso mesmo, a obrigava a andar ao dia, noutros trabalhos: quando lhe dera o mal, labutava ele na abertura de um poço, ali na Várzea…
… E, no meio das evocações saudosas, havia sempre a memória de uma nota de espírito, a provar como era empreendedor e reinadio o falecido… Como era o caso de estímulo extremo que a um dos “coquetes” que, nos ensaios, envergonhado, sempre se escusava, proclamando-se sem jeito, sempre cantando baixinho: “Ó rapaz, canta!... Canta mais alto, carago! Ó filho da …, põe-te em cima duma cadeira, p’ra ver se cantas mais alto!”.
… Numa visita que a tuna, por ele dirigida, fizeram às adegas da terra do Padre Vicente, e por sua iniciativa, escreveram estes versos para cantarem com a música de “A Portuguesa”:


Heróis do meu rijo povo,
Nação valente e imortal,
Dai este ano um ano brilhante
Às vindimas de Portugal!
E por entre as verdes latadas,
Ó Pátria, sente-se a voz
Das pipas dos nossos avós,
Que nos hão-de guiar às tachadas:
Brada a uva no lagar;
- aos copos, aos copos,
- aos copos, aos copos,
É beber até fartar!
Contra os tonéis, tombar, tombar!

Afinal – como são as coisas da vida – tão novo e trabalhador, tão amigo da família e divertido, tão artista e tão amante das artes, lá se finava, nesse fatídico dia 25, o Gentil da Silva Ribeiro”.

Caderno: Tavaredenses com história

Grupo Musical e de Instrução Tavaredense - 1


Num jornal figueirense, em 15 de Julho de 1911, escrevia-se na correspondência de Tavarede que “vae organizar-se aqui um Grupo Musical”. E, poucos dias depois, em 12 de Agosto, o mesmo jornal noticiava “o Grupo Musical desta localidade reuniu num dos últimos dias na sua sede para tratar de vários assuntos”.
Quer dizer, embora oficialmente tenha sido escolhido o dia 17 de Agosto de 1911 já antes a nova colectividade havia dado os primeiros passos, pois já antes se reunia e tinha a sua sede. E onde foi a primeira sede do Grupo Musical? Pois foi ali ao Largo do Paço, no réz-do-chão da casa pertencente a Romana Cruz, e que confrontava do nascente com a esquina do Outeiro e do poente com o edifício onde esteve instalada uma mercearia até ha relativamente poucos anos.
Numas instalações mais do que deficientes, logo começaram os seus fundadores a sua actividade cultural. A parte musical foi entregue a João Jorge da Silva Simôa, este último apelido era alcunha, talvez por ter nascido ou morado no lugar da Simôa, ali ao caminho da Chã. Um bocado depois do Largo da Igreja.

Em Outubro já mantinha em actividade uma aula de música, com grande número de alunos. Também terão começado de imediato os ensaios do seu grupo cénico. Entre outros, temos conhecimento dos seguintes amadores: Clementina Prôa, Clementina Fadigas, António Medina, Joaquim Severino dos Reis, Faustino Ferreira, António Medina Júnior e José Medina.

Refira-se que todos estes amadores faziam parte, anteriormente, dos grupos cénicos da Estudantina, do Grupo de Instrução e da Sociedade de Instrução, nesta última para onde se tinham transferido quanto se fundou depois de terem as outras cessado a sua actividade. Sobre o último daqueles amadores, escreveu Mestre José Ribeiro: “um amador dotado de excepcionais faculdades histriónicas, cómico de grande naturalidade e fantasia e que no drama se impunha pelo vigor e verdade da sua representação”.

Em Novembro de 1911, e noticiando uma festa levada a efeito na Figueira, dizia-se: “assistindo a ela, além de esbeltas raparigas, uma troupe do Grupo Musical desta localidade, que executou no final algumas valsas que fizeram saltar o pé a todos os convidados”.

Entretanto começaram com os melhoramentos e adaptações nas instalações. A sala era grande e ampla. Dividiram-na e num dos lados instalaram um pequeno teatro, que, apesar de rudimentar e mesmo tosco, melhorou bastante a sede.

No mês de Dezembro, ainda com as obras em curso, resolveram os responsáveis pela colectividade prestar homenagem a dois eminentes vultos portugueses: a Alfredo Keil, autor do hino nacional “A Portuguesa” e ao dr. Afonso Costa, relevante estadista republicano, tendo, na ocasião do descerramento dos seus retratos, sido proferida uma conferência de propaganda democrática por um ilustre republicano, cujo nome não encontrei mencionado.

Esclareço, desde já, uma falha lamentável. Não consegui obter uma lista com o nome dos fundadores da jovem colectividade, nem quais foram os seus primeiros directores. No entanto, julgo estar correcto se disser que terão sido os mesmos que Agosto de 1912 foram eleitos (ou reeleitos) na Assembleia Geral que reuniu para esse fim e para aprovação das contas do primeiro exercício, relativo ao período de Agosto de 1911 a Agosto de 1912.

Também pode ter acontecido que o primeiro ano tenha sido gerido por uma espécie de “comissão instaladora ou administrativa”, cuja missão principal, a que certamente não faltaram dificuldades, teria sido a de pôr a funcionar o Grupo Musical e de Instrução.

A “Gazeta da Figueira” do dia 13 de Janeiro de 1912, informava: “O Grupo Musical Tavaredense acaba de construir na sua sede um theatro para instruir e recrear os seus associados.
Esta sympathica aggremiação merece elogios pela aula de musica que sustenta, onde o habil amador sr. João Jorge da Silva Simôa, se tem esforçado como professor, assim como é digna dos melhores applausos pelo melhoramento que acaba de introduzir na sua séde.
Teem sido incançaveis na construcção do elegante theatro a classe operaria d’esta localidade e os nossos amigos António e José Medina, que já foram, com outros, os trabalhadores dedicados da Sociedade d’Instrucção quando esta necessitava do auxilio de todos.
A nossa terra terá mais um emprehendimento que é prestável ás classes pobres, porque é, sem duvida, no theatro que ellas, na sua maioria, vão procurar a instrucção.
À direcção do Grupo Musical as nossas felicitações, desejando á nova aggremiação um futuro risonho e muitos annos de vida”.
Fotos: 1 - Emblema do Grupo; 2 - José Medina; 3 - João Jorge da Silva (Simôa)

Sociedade de Instrução Tavaredense - 3

No ano de 1910, dá-se uma alteração no grupo cénico. Vicente Ferreira, amador figueirense, ensaiou algumas comédias e, tendo agradado o seu trabalho, a Sociedade de Instrução Tavaredense nomeou-o como seu ensaiador, começando a sua actividade em Fevereiro de 1911.
Até essa data, foram várias as peças representadas. Entretanto, e para concretizar os seus intentos, a direcção convocou, para finais de Novembro de 1906, uma assembleia geral extraordinária, com a finalidade de consultar os sócios sobre a conveniência de alargar mais a acção beneficente da colectividade, criando o “socorro mútuo”.
“Divergiram muito os modos de pensar, predominando mais o da inoportunidade da criação da caixa de socorro, pela exiguidade actual do fundo de reserva; pelo sacrifício a que obrigaria alguns pelo aumento previsto das quotas mensais; pelos abusos a que dava lugar a distribuição de socorros, havendo sempre queixas e reclamações, quer ela fosse equitativa, quer não; pela criação imediata do socorro mútuo como o meio mais racional de evitar muitos males e tornar mais prático o fim beneficente da Sociedade, legalizando em seguida a situação”. Como se vê, foram múltiplos os pareceres dos sócios presentes.
Procedendo-se à votação, a caixa de socorro mútuo foi rejeitada por grande número de votos. Manuel Jorge Cruz, Silvestre Monteiro da Cunha e João dos Santos, bem tentaram demonstrar as vantagens de que muitos iriam usufruir... A notícia acrescenta: “... o dono de um estabelecimento de vinhos reprovou a criação da caixa, porque o sr. Silvestre Monteiro, falando acerca do aumento da quota, disse que esse aumento seria tão insignificante que representava apenas um copo de vinho que bebiam a menos, na taberna, aos domingos”!!!
Por ocasião do 5º aniversário, a colectividade recebeu um importante donativo. O sr. Francisco Sargaço, natural de Tavarede e que havia anos se encontrava emigrado no Brasil, em São Paulo, onde exercia a actividade de construtor civil, com grande êxito, enviou para o cofre da SIT a quantia de dez mil reis, ficando logo decidido prestar-lhe uma homenagem na primeira oportunidade.

Naquele ano, 1909, registou-se um violento abalo de terra, que provocou diversos estragos materiais. Logo de seguida, em Maio, a Sociedade realizou um espectáculo, que foi muito concorrido, para angariação de fundos para acudir aos prejuízos verificados.
Em Abril de 1910, a homenagem, acima referida, àquele benemérito tavaredense, foi prestada com a realização de uma sessão solene e uma récita, “...apresentando-se, pela primeira vez, a orquestra da Sociedade de Instrução Tavaredense, que executou no palco um bonito ordinário. O sr. Sargaço, que há mais de dezasseis anos estava ausente da sua terra, foi muito cumprimentado pelos seus amigos e consócios”.
Julgamos que a orquestra referida teria, então, a direcção de Gentil da Silva Ribeiro. Mas, como se sabe, havia sido organizada só para abrilhantar os teatros e alguns bailes, entretanto levados a efeito.
Deixamos, aqui, mais um apontamento curioso. A escola nocturna, que, como usualmente, reabriu em Outubro, distribuiu aos seus alunos, após a implantação da República, vários “exemplares do livro O Padre na história da Humanidade. É o catecismo adoptado nesta escola”, conclue a notícia.

Desde a sua fundação até 31 de Janeiro de 1911, o grupo dramático levou a efeito 29 espectáculos. A última récita, em 28 de Janeiro de 1911, sob a orientação de João dos Santos, foi o espectáculo comemorativo do 7º aniversário. Sobre este acontecimento, aqui transcrevemos dois apontamentos. “A Voz da Justiça” diz “... foi um magnífico serão, fechando pela exibição de um trabalho de José da Silva Ribeiro, a que nós damos bastante valor. É um pequeno drama e uma grande lição que oxalá aproveite aos que, infelizmente, preferem a frequência da taberna e no jogo ao santuário da Escola. Pintando claramente as consequências funestas dos que se deixam arrastar pelo vício até à prática dos mais horrorosos crimes, termina pela apoteose à Instrução”. Por sua vez, a “Gazeta da Figueira” escreve “... uma magnífica récita, representando-se algumas comédias e uma cena dramática, original do nosso inteligente companheiro José da Silva Ribeiro, que mais uma vez mostrou as suas aptidões, combatendo as misérias da sociedade, como a taberna, onde os trabalhadores e seus filhos vão aprender os piores vícios, e aponta a Escola como um templo onde se vai buscar a melhor das riquezas, a Instrução”. José Ribeiro tinha, então, 16 anos de idade.
Terá sido o último espectáculo ensaiado por João dos Santos. A partir de Fevereiro assumiu o cargo de ensaiador o amador figueirense Vicente Ferreira. Este amador era tio de Eduardo e Alberto Ferreira, alfaiate e proprietário da Casa Oriental, respectivamente, e que foram grandes amigos e colaboradores da Sociedade de Instrução Tavaredense.

Sabemos, portanto, que a partir de 1904 só havia teatro naquela colectividade e, igualmente, algum movimento musical. A Sociedade era a colectividade da terra, tinha os fins altruístas bem conhecidos, e nela todos eram bem-vindos. Mas aqueles tempos eram de complicada política, a nível nacional, e, como todos sabem, era bastante contestado o regime monárquico então vigente. E tal como aconteceu em situações semelhantes, antes e depois, os opositores desencadeavam a sua luta em conjunto, esquecendo um pouco os ideais próprios, ambicionando, acima de tudo, o derrube da ditadura.
Aconteceu, então, o 5 de Outubro de 1910. A monarquia caíu, derrubada para sempre. E, depois dos naturais momentos de euforia e regozijo, inevitável se tornou o aparecimento das diversas correntes ideológicas, cada qual tentando fazer prevalecer os seus pontos de vista. Tavarede não foi excepção.
Republicanismo mais progressista, outro mais liberal, também alguns mais ou menos conservadores, os tavaredenses começaram a entrar em conflito. E não foi de admirar que surgisse a dissidência de uns quantos. Insatisfeitos, não se sentindo à vontade naquela colectividade, naturalmente fundaram uma outra.
Foto: Hino da SIT, da autoria de Gentil da Silva Ribeiro

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

DOIS HERÓIS TAVAREDENSES

MANUEL ALVES

“Recebemos a triste notícia que nos enviaram os nossos amigos que combatem em França, de ter falecido ali, no dia 11 do mês de Setembro (1917), o nosso prestimoso amigo Manuel Alves.
Tavarede recebeu com bastante mágoa a notícia do primeiro soldado desta freguesia morto em França. Feriu o nosso coração, tão bondoso e honrado era o extinto, que possuía belas qualidades, e que por isso era estimado de todas as pessoas que o conheciam.
Manuel Alves era solteiro, residia no Saltadouro. Era filho do sr. José Maria Alves e de Maria de Oliveira, já falecida. Pertencia ao Regimento de Infantaria 28 e o seu posto era o de sinaleiro.
Não sabemos a causa da sua morte. Mas breve o saberemos e daremos a respectiva informação. Mas fosse no campo da batalha, ou no hospital, por doença, sabemos que prestou grandes serviços. Soube sempre cumprir com os seus deveres de português, em defesa da Liberdade, do Direito e da Justiça contra aqueles que, com a sua ambição, querem derrubar os povos livres”.
JOSÉ DE OLIVEIRA FADIGAS

Natural de Tavarede, nasceu em 5 de Maio de 1936, filho de António Migueis Fadigas e de Maria Glória de Oliveira.
No desempenho do serviu militar, faleceu na Guiné, com o posto de segundo sargento, no dia 12 de Março de 1964, vítima do rebentamento de uma granada, quando se encontrava a dar instrução.
“Louvor – A titulo póstumo, o segundo sargento de Artilharia, José de Oliveira Fadigas, por durante o tempo que serviu o Batalhão do Serviço de Material, e nas sub-unidades que o precederam, sempre o fez com inexcedível dedicação, competência técnica e aprumo moral que lhe permitiram ganhar o apreço dos superiores e a amizade dos camaradas e a consideração dos subordinados, e fizeram com que a sua morte em acto de serviço fosse particularmente sentida e lamentada, mas que a sua vida, apesar de ser curta, seja das que se prolonga para lá da morte e sirva de exemplo digno de ser apontado para honrar e engrandecer a Unidade, que se orgulhou de o ter contado entre os seus, o Exército e a Pátria que tão bem soube servir”.
Casado com Helena Maria Cordeiro (21.12.1938 – 16.03.1995), deixou uma filha, Ana Paula.
Caderno: Tavaredenses com história

HELENA RODRIGUES FIGUEIREDO MEDINA

Natural de Tavarede, onde nasceu no dia 23 de Março de 1894.
“… cedo conheceu as agruras da vida, quer nas terras que cultivava, nas secas do bacalhau e, até, nas pedreiras, quer como costureira, mister em que se realizou profissionalmente, verdadeira autodidacta nesta arte, mas extraordinariamente competente. O trabalho não a impediu de, com o maior entusiasmo, procurar cultivar-se espiritualmente no grupo cénico da Sociedade de Instrução (a sua segunda casa, como ainda não há muito tempo recordava), onde se mostrou amadora teatral de alta craveira, mantendo a tradição que já vinha de seus avós, José Luís do Inácio e Luísa Genoveva”.
Iniciou-se na arte teatral em 1914, na opereta Os amores do Coronel. Ainda nesse ano, desempenhou o papel da protagonista em Os amores de Mariana, substituindo Eugénia Tondela. “… possui uma voz bem timbrada, muito agradável e com os recursos que a partitura exige”. O Voluntário de Cuba, Falsa Adúltera, A pupila do Corregedor, Amor de Perdição, Entre duas Ave-Marias e Noite de S. João, foram peças por si protagonizadas, entre outras.
“… amadora de qualidades muito apreciáveis, tem de satisfazer exigências da música excessivamente extensa e dolente e, como tal, fatigante”, escreveu um crítico apreciando o seu trabalho na opereta Entre duas Ave-Marias.
Por ocasião das Bodas de Ouro daquela colectividade, reviveu no palco o papel de Mariana, que desempenhara quarenta anos antes! “Foi com verdadeira emoção e ternura que o público viu aparecer no palco as figuras remoçadas de Helena Figueiredo…”. Ainda participou nas peças A Conspiradora (1957), Os Velhos (1958) e Terra do Limonete (1961).
Mestre José Ribeiro, numa das suas últimas entrevistas, recordou-a. “… foi primeira figura durante anos. Era uma figurinha agradável e tinha uma linda voz que a fazia brilhar na opereta”.
Nos últimos anos da sua vida, que viveu em casa de sua filha, Otília, era visitada por muitos amigos, que recordavam, saudosamente, tempos antigos. José Ribeiro, uma das habituais visitas, disse-lhe um dia: - Olha lá, Helena. Somos da mesma idade, pois nascemos no mesmo ano. Porque é que eu te trato por tu e tu me tratas por senhor? – O respeito, senhor José, o respeito, respondeu ela. Realmente sempre foi respeitadora, amiga e humilde para com toda a gente.
Casou em 1910, com José Gomes de Figueiredo, seu tio. Enviuvou cedo e, anos mais tarde, casou com José Nunes Medina. Do primeiro casamento teve uma filha, Maria José, e do segundo, outra, Otília.
Faleceu no dia 21 de Julho de 1997, com 103 anos. “… foi, no dia a dia, uma figura carismática, autodidacta, na aprendizagem da arte de costura, a sua vontade de progredir era de tal forma determinada que, para atingir os seus fins, desmanchava peças de vestuário para novamente as cozer”.

Já centenária, ainda cantava as cantigas do “seu” teatro, lembrando-se das letras, algumas das quais bem picantes, por sinal.
A Sociedade de Instrução Tavaredense homenageou-a nomeando-a sócia honorária e descerrando o seu retrato, o qual se encontra exposto no salão nobre da colectividade.

Caderno: Tavaredenses com história

Como complemento à biografia acima, julgo interessante incluir aqui uma notícia publicada dias antes da homenagem que lhe foi prestada na comemoração dos 100 anos de vida.
Nasceu num período agitado da vida portuguesa e numa altura em que o crescimento da Figueira da Foz se fez sentir na comunidade rural que era então Tavarede. Dessa época viria Helena Figueiredo Medina a sentir bem de perto as suas convulsões, com tudo o que isso implicava para quem não tivesse nascido em berço de ouro.
Na agricultura, nas pedreiras, na seca do bacalhau e na costura vendeu a sua força de trabalho e traçou um destino de cruzes e penitências até poder receber as alegrias e bem-aventuranças da família e da arte.
Quando esse mundo era privilégio apenas dos homens, Helena Figueiredo Medina engrossou, com raro talento, o grupo de mulheres que, talvez sem o saber, lutava pela emancipação, cumprindo entre os seus 17 e 32 anos, nos palcos da SIT papel decisivo na missão preconizada pelos fundadores da instituição.
Já suportando o epíteto de septuagenária, Helena Figueiredo Medina regressou aos palcos para ajudar José da Silva Ribeiro a compor esse hino que é a “Terra do Limonete”.
Por isso decidiu a Sociedade de Instrução Tavaredense celebrar no próximo dia 23, o centenário de alguém que é uma memória de Tavarede e legenda viva da cultura popular, com um programa que integrará, para além de outros actos, a reposição da opereta “Os amores do coronel” peça na qual a homenageada se estreou no já longínquo ano de 1914.
Mesmo que não sejam ainda conhecidos os detalhes da festa de homenagem que vai ser prestada a Helena Figueiredo Medina, julga-se que tudo o que for feito será sempre pouco, porque o destinatário é uma mulher que trabalhou muito, sofreu demais, mas encontrou na arte teatral o encanto da vida.

Fotos: 1 - Retrato exposto no salão nobre da SIT; 2 - Com o grupo que representou a opereta 'Os Amores de Mariana', em 1914 (terceira da fila do meio, ao lado de José da Silva Ribeiro); 3 - Programa da homenagem prestada aquando dos seus 100 anos de vida.

sábado, 7 de novembro de 2009

Os passarinhos

No jornalzinho 'O Poeta', publicado em Junho de 1907, José da Silva Ribeiro, que à data teria 14 anos incompletos, publicou o conto intitulado 'Os passarinhos'. Este jornalzinho, que tinha a sua redacção em Tavarede, era escrito e editado por José da Silva Ribeiro e por Anibal Nunes Cruz.
É o primeiro trabalho que encontrámos de Mestre José Ribeiro. Ja o haviamos incluido no espectáculo que a SIT apresentou aquando das comemorações dos 20 anos da morte daquele ilustre tavaredense. Como curiosidade, julgo de interesse reproduzir o referido conto neste blogue.
Os passarinhos! Habitantes das alturas, que erguem o voo até ao cume das montanhas, parecendo-nos que andam medindo as cumeadas. Como é ilimitada a vossa pátria!
Como é imenso o vosso número, e como os homens vos querem imitar tentando subir em balões ao vosso paiz. Mas o seu resultado é sempre ou quasi sempre mau.
Como o vosso cantar sereno encanta o viajante.
Avesinhas que tendo nas suas penas mil cores encantadoras, trinam durante as tardes primaveriaes e noites luarentas. Constroem os ninhos entre a folhagem das arvores.
Como ella corre, tal qual uma louca, aproveitando a palha mais flexível que encontra; vae acumulando umas após outras; ajeita-as; dá-lhe a forma de berço; aproveitam as penugens e até as penas mais leves.
Chega o momento da ave-mãe pôr os ovos. Chocam-nos os dois; nascem os novos passarinhos. Que alegria em ver as avesinhas, ainda implumes, agitarem-se!
É indicio que teem vida.
Uma das ave fica sobre os passarinhos. De manhã, ainda muito cedo, o primeiro raio de sol, ainda com pouca força, penetra furtivamente na folhagem. Acorda a mãe, e ela, cheia de alegria, sae do ninho e vae buscar sustento para seus filhos. Chega e vê que seus implumes teem vida.
Redobra a alegria.
No dia seguinte sae novamente de manhã, mas, quando chega ao ninho… vê que lhe tiraram seus filhos.
Que tristeza para ela ao ver que os homens são traidores! Ela, não se certificando, vê e revê o berço, o chão, e mesmo os ramos, julgando que fosse algum dos seus patrícios mais audaciosos. Mas não vê os filhos nem o inconsciente que lh’os tirou.
Nunca devemos tirar um ninho, porque isso é um crime, é a mesma coisa que matar um indefezo, é o mesmo que caturar um incriminado. Assim como se prende muita vez um homem por amar a liberdade, não sendo isso crime, assim se fazem também cativas as pobres aves, por amarem igualmente a liberdade. Como os cidadãos portuguezes, eles amam também essa grande mulher d’uma alma grande e bemfeitora – a liberdade.
Nunca devemos tirar um ninho! Nunca!... As aves só prestam serviços.

João de Oliveira Júnior

Nasceu em Tavarede no dia 21 de Setembro de 1920, filho de João de Oliveira e de Guilhermina Rodrigues Cordeiro. Casou com Carmina Monteiro de Oliveira e teve uma filha, Ana Cristina.
Faleceu, devido a um atropelamento em Coimbra, a 6 de Dezembro de 1990, quando, acompanhado de sua mulher, atravessava a Avenida Sá da Bandeira, numa passadeira para peões. Ironia do destino: foi atropelado por uma ambulância dos Bombeiros Voluntários de Coimbra, associação para a qual tinha colaborado em diversos espectáculos de angariação de fundos!


A sua actividade profissional exerceu-a sempre ao serviço da Companhia dos Caminhos de Ferro, reformando-se, aos 65 anos de idade, com a categoria de chefe de serviço.
Em 1940, juntamente José Maria Cordeiro (Zé Neto) fundou o Atlético Clube Tavaredense, clube que chegou a organizar algumas competições desportivas.
Foi escrivão da Junta de Freguesia de Tavarede e, em 1963, contra sua vontade, foi nomeado presidente daquele órgão autárquico: “… é uma pessoa cheia de qualidades, firmeza de carácter, incapaz de se deixar enredar por influências malsãs…”.
Desde muito novo que fez parte do grupo cénico da Sociedade de Instrução Tavaredense. “… é o ‘mau’ do grupo. ‘Como ninguém gosta de fazer os papéis antipáticos e eu não me importo, sou sempre escolhido’. Estreou-se em Maio de 1945, na peça Horizonte, no papel de Jacinto “em que apenas dizia três palavras”.
“Tenho renunciado a horas de descanso e a dinheiro para poder estar presente em todos os ensaios”, disse ele. Também fez parte, por diversas vezes, dos corpos sociais da colectividade. Na sua carreira de amador dramático, superior a 40 anos de actividade, encarnou mais de noventa personagens.
“Frei Jorge Coutinho foi um frade que atravessou a peça como se fosse um frade autêntico e nisso está o nosso melhor elogio e todo o mérito que poderia ter”, (Frei Luís de Sousa).
“Foi mais uma vez o intérprete correcto e consciencioso que temos visto actuar em papéis de vária índole” (A Conspiradora).


“… mau grado outra vez vestido numa pele que lhe não cai bem – um Tartufo não ‘de carne e osso’, como algures na peça se diz, mas exclusivamente ‘osso’; uma figura naturalmente hirta, boa para asceta ou marcial, para crítico ou homem de ciência exacta, metida numa personagem que se presume untuosa e anafada do hipócrita oportunista e cruel -, às vezes conseguiu mesmo integrar-se no papel, para acabar muito bem, na atitude de vencido” (Tartufo).
Tinha decidida vocação para a comédia, embora no drama, como em Frei Luís de Sousa e A Conspiradora obtivesse assinalados triunfos com os seus desempenhos.
Em 1955, na interpretação da figura de Manuel de Sousa, major, na comédia Major, foi protagonista de um caso bem característico da sua personalidade de excelente comediante. Violinda Medina era a protagonista. Como sabemos, no palco era a personagem representada que vivia e não ela própria. Alheava-se de tudo para se entregar, de alma e coração, ao seu papel. Dizia, por isso, que em cena ninguém a conseguia ‘desmanchar’. Era um desafio para o João de Oliveira. O Major era um cão que havia fugido e que a dona, em altos gritos, chamava da janela. Manuel de Sousa apanhou o animal e correu a entregá-lo à dona, que estava aflita.
Mas… quando abre a porta para receber o animal, braços estendidos, não era o seu cão fugitivo, mas, sim, um leitão, que grunhia que nem um desalmado. Nunca mais Violinda Medina pôde dizer que ninguém a ‘desmanchava’ em cena. Caiu a rir num cadeirão, enquanto João de Oliveira, impávido, repetia: “tome, minha senhora, tome o seu cão”.
Nos últimos tempos de vida de Mestre José Ribeiro, João de Oliveira Júnior assumiu o cargo de ensaiar, sob a sua orientação, o grupo cénico. E, após a morte do Mestre, pôs em cena dois grandes êxitos do grupo: Chá de Limonete e O Sonho do Cavador, a que se seguiram outras peças, até à sua morte inesperada. Foi nomeado sócio honorário em 1984.
Além do teatro, ocupava os seus tempos livres em dois passatempos que adorava: a jardinagem e a pesca desportiva. Se o seu quintal era um autêntico jardim, onde não faltava uma estufa, dezenas de troféus emolduravam a sua estante, conquistados em provas de pesca, de rio e de mar.


Também possuía uma veia poética. Concorreu a diversos concursos, tendo ganho alguns prémios. Recordamos, somente, uma quadra sua com que concorreu à “Festa da Neve:

Branca neve que na altura
À luz do sol tanto brilha,
Como tu só é tão pura
A graça de minha filha.

“O teatro do nosso concelho está de luto. A vida tem destas coisas. Ainda não se esgotaram os “ecos” da homenagem a esse outro grande Tavaredense e homem de teatro José da Silva Ribeiro, e morre o seu continuador João de Oliveira Júnior.
… morreu no passado dia 6 atropelado por uma ambulância quando passava numa passadeira…
Que ironia do destino! João de Oliveira, homem rigoroso no seu trabalho e na sua vida, morre atropelado numa passadeira e por uma ambulância… O teatro está mais pobre. A cultura figueirense, que cada vez está mais abandonada e pobre, mais pobre e abandonada ficou com esta morte. Tavarede, terra de teatro amador de grande qualidade e tradição, perdeu mais um vulto que mantinha a tradição e a qualidade de um teatro que o público reconhece nas obras levadas à cena…
Estreou-se no teatro de Tavarede com apenas 14 anos e, desde então, manteve-se sempre no grupo cénico. Amador de alta categoria, ele experimentou as mais diversas personalidades representando, de forma admirável, grandes dramaturgos portugueses e estrangeiros. Ele era o “mau” do grupo, segundo as suas próprias palavras, já que ninguém gosta de fazer papéis antipáticos, paradoxalmente, fazia, de maneira admirável, a feição cómica. Desde muito cedo, este amador revelou-se alguém capaz não só de interpretar majestosamente os seus papéis, mas também de assimilar as técnicas inerentes à preparação e montagem de um espectáculo…”.

Fotos: 1 - Na peça 'Frei Luís de Sousa', papel de Frei Jorge, contracenando com Violinda Medina, João Cascão e Alice Mendes. 2 - Peça 'A Conspiradora', no papel de Conde de Riba de Alva, com Violinda Medina. 3 - Distribuição de prémios de um concurso de pesca, ladeado por José Esteves e Alfredo Cardoso.
Caderno: Tavaredenses com história

Sociedade de Instrução Tavaredense - 2

Por ocasião do carnaval, os correspondentes locais mandavam as suas “alfinetadas”. Em 1905, e referente a um espectáculo que, efectivamente, se realizou no teatro da Sociedade de Instrução Tavaredense, anunciava-se: “... haverá um grande sarau dramático-musical no teatro, para o que foram convidadas notabilidades artísticas e homens de ciência. O sr. António Mota executa na flauta uma sua difícil composição musical e recita a poesia “À procura dos borrados”. O sr. Luís João canta a romanza Rosita dá cá o botão e recita o monólogo Mira que heu lh’o xaquei... O sr. Alcafache apresenta o seu orfeão que há-de executar o hino da Murtinheira e o Maxixe ribeirinho. Os srs. César, Medina, Broeiro, Coelho e todos os demais actores e actrizes do teatro representam o drama sacro Os anjos que te respondam”.

Já referimos que, muitas vezes, os espectadores tinham que aguardar o início do espectáculo muito para além da hora normal. Numa notícia que comenta a representação da opereta “Vida airada”, escreve-se “... lembramos também a conveniência de começar os espectáculos mais cedo e não os prolongar até altas horas...”. Bem sabemos que os teatros, geralmente, eram apresentados aos sábados. Mas, os tavaredenses de então, na sua maioria trabalhadores das terras, nem ao domingo de manhã folgavam. Daí a razão do pedido feito.
E porque nos surge, no meio das nossas notas sobre teatro e colectividades, um pequeno retalho que achámos interessante, aqui o deixamos, e apenas como mera curiosidade. “No dia 4 de Julho de 1905, fez exame na escola Conde de Ferreira, proposto pela professora D. Maria Amália de Carvalho, José da Silva Ribeiro, que obteve a classificação de óptimo”.
As récitas continuavam. Alguns espectáculos ocorreram, mas, infelizmente, não temos nota do programa que os compunham. As várias notícias faziam comentários, louvavam os amadores, mas esqueceram-se de nos deixar o título das peças, num ou noutro caso.
A escola também se mantinha em pleno, cada vez com maior frequência. “Nunca em Tavarede houve uma Sociedade tão bem organizada e que tantos serviços tenha prestado à causa da instrução. Apesar das aulas serem criadas para os filhos de sócios, são ali admitidas crianças muito pobres e orfãs, a quem não só se ministra a instrução, mas são-lhe fornecidos os livros precisos”.
Acrescente-se que, além da instrução primária, a Sociedade de Instrução continuava com o ensino da música e criou uma “aula de desenho”. Não sabemos as frequências nem os resultados destas duas últimas actividades. Quanto à música, não existem notícias da formação de qualquer tuna ou outro agrupamento musical, para além daqueles que se formavam para abrilhantarem os espectáculos teatrais. Sobre a aula de desenho, que presumimos tivesse como mentor o talentoso tavaredense João Nunes da Silva Prôa, não encontrámos quaisquer notícias posteriores.
Anualmente, os alunos da escola nocturna, mostravam o seu aproveitamento. Além de fazerem uma exposição com os seus trabalhos escolares, organizava-se uma festa, em colaboração com a escola primária oficial que, regra geral, culminava com um sarau no teatro da Sociedade de Instrução Tavaredense. Os alunos recitavam poesias, liam trechos clássicos, diziam monólogos, cantavam umas canções e o seu hino e terminavam a sua actuação com uma ou duas comédias e/ou um entreacto cómico. Nalguns anos também apresentavam alguns números de ginástica. A instrução física era-lhes ensinada por João dos Santos Júnior. Estes saraus terminavam com a participação dos amadores “mais velhos”, numa engraçada comédia que acabava por bem dispôr todos os assistentes.
Apesar dos parcos recursos de que dispunham, os responsáveis pela colectividade, sempre preocupados com o bem-estar e carências dos seus conterrâneos, logo pensaram ir mais longe, transformando a jovem SIT numa “associação de socorro mútuo”...

Como se nota pelos nomes que vão surgindo, os amadores e colaboradores que anteriormente se dividiam pela 'Estudantina' e pelo 'Grupo de Instrução' esqueceram velhas rivalidades e uniram seus esforços para erigir uma nova colectividade capaz de se manter e de prosseguir o caminho de instruir e educar os seus conterrânos.
Fotos: em cima, César Cascão, um dos fundadores. dirigente e amador teatral. Em baixo: João dos Santos Júnior, grande amigo e benemérito da SIT, professor das aulas de ginástica.