Havíamos dito que voltaríamos à peça “Canção do Berço”. A Misericórdia da Figueira organizou um espectáculo, no Casino Peninsular que, no dizer da imprensa de então, era “a primeira vez que, no nosso país, se apresenta um programa com estas características: permitir apreciar a mesma obra num só espectáculo, nas duas interpretações diferentes: a teatral e a cinematográfica”.
A primeira parte do programa constou da representação, pelo nosso grupo cénico, da peça Cancion de Cuna, de Martinez Sierra, traduzida pelo poeta dr. Carlos Amaro, com o título de “Canção do Berço”, e a segunda parte teve a projecção do filme “Filha de Maria”, uma adaptação cinematográfica daquela obra, realizada por Mitchell Lisen, para a Paramount. Este espectáculo, “em todos deixou a mais agradável impressão, recomendável pela sua feição artística e também porque o seu produto revertia a favor da benemérita instituição local que é a Misericórdia da Figueira”.
Na assembleia geral efectuada para a aprovação as contas de 1936, foi apresentada pela direcção uma proposta para “a criação duma caixa de socorros aos sócios necessitados nos casos de doença ou invalidez, e auxílio de funeral, e por isso vos propõe que seja nomeada uma comissão que estude a melhor forma de dar realização a este pensamento se acaso a digna assembleia o achar viável, e que a mesma comissão se encarregue de administrar as receitas que venham a ser angariadas para esse fim, isto para que se não diga que a nossa colectividade é mãe para os de fora e madrasta para os seus”.
Não era a primeira vez que se pensava neste assunto. A direcção continuava, dentro das suas modestas possibilidades, a socorrer os mais carenciados, muito em especial a alguns dos amadores, mas o seu cofre era pequeno. Foi por isso que, aprovando a ideia, a assembleia nomeou para constituirem aquela comissão os sócios António Augusto de Figueiredo, António Rodrigues dos Santos, António Ferreira Jerónimo e João da Silva Cascão.
Desde já acrescentamos que não teve finalização. Numa assembleia posterior, aquela comissão apresentou um relatório com as suas conclusões, informando que “não vê, esta comissão e de momento, possibilidade de se dar execução a este pensamento tão simpático, que exige receitas que não é possível obter, nem mesmo recorrendo a espectáculos, pois estes, como se tem visto, dão insignificante receita”.
Grupo cénico da S.I.T. em 1939
Pode dizer-se que, a partir do ano de 1936, há uma nítida evolução do grupo cénico, em termos de reportório. Recordemos que, aquando da fundação da colectividade, em 1904, os espectáculos teatrais consistiam na representação dos chamados “dramas de faca e alguidar”, terminando com uma comédia para aliviar tensões dramáticas. Passou-se depois, e isto por volta de 1912, ao teatro musicado, mais leve, mais vistoso e agradável, com canções que facilmente ficavam no ouvido dos espectadores e que dispunham bem. Fizeram época as pequenas revistas com sabor local e algumas operetas, muitos anos depois ainda recordadas com saudades.
Digamos que, dos “dramalhões” como “A mãe dos escravos” e o “Amor de Perdição”, se passou às aplaudidas peças “Os Amores de Mariana”, “Entre duas Avé-Marias” e “Noite de S. João”. Como as pequeninas fantasias “Na Terra do Limonete” e “Dona Várzea” haviam caído no agrado do povo, João Gaspar de Lemos e José Ribeiro, com a colaboração musical do maestro amador António Simões, retomaram aquela linha teatral, situando em Tavarede a acção de operetas e fantasias, como “Em busca da Lúcia-Lima”, até à “A Cigarra e a Formiga”, passando por “Pátria Livre”, “Grão-ducado de Tavarede” e “O Sonho do Cavador”. Em 1931, talvez devido a ter o grupo cénico reforçado com os elementos vindos do extinto teatro do Grupo Musical, iniciaram-se as representações de outro tipo de teatro, com as peças extraídas dos romances de Júlio Dinis, por exemplo, e que tanto sucesso alcançaram.
Estandarte oferecido por Joaquim Fernandes Estrada, inaugurado em 1929 (frente)
Uma ou outra peça diferente, e recordamos “Canção do Berço”, “As Três Gerações”, “A Morgadinha de Valflor” e mais algumas, terão sido o ponto de partida para a série de peças mais actuais, permitindo-nos citar, como referência, a apresentação, em 20 de Março de 1937, de “O Grande Industrial”. O romance de George Ohnet havia sido adaptado ao teatro por Ilda Stichini, dizendo-nos o programa da estreia que “é um romance que toda a gente conhece, que seduziu os produtores de cinema e foi transportado para o teatro com absoluta fidelidade, tanto nas figuras como na efabulação. Nos quatro actos da peça a acção acompanha o romance, desenvolvendo-se num crescente de interesse que se mantém até final”.
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