Muitas vezes somos surpreendidos quando vasculhamos velhos arquivos. Na correspondência da nossa colectividade, que é pena não existir anterior a 1937, encontrámos uma carta do director cénico, datada de 5 de Maio de 1937 e dirigida à direcção, na qual ele refuta alguns ditos. “Não é a primeira vez que directamente me dizem que já não há espectáculos em Tavarede porque me recusei a ensaiar o grupo dramático. Nada menos verdadeiro”.
Sabemos, até por conhecimento pessoal, que muitas vezes o director cénico escreveu às direcções sobre problemas surgidos, muito em especial sobre a falta de assiduidade de alguns amadores aos ensaios por ele marcados. Mas, confessamos, esta carta não conhecíamos. E depois de rebater aquele dito, escreveu:
“Quanto ao mais, tudo continuarei a fazer como até aqui, pois muito bem sei eu que não é fácil substituir-me de momento na actividade que até aqui tenho desenvolvido. Continuarei, pois, a escolher peças, a tratar de direitos de autor, de cenários, de músicos, de guarda-roupa, de montagens, de propaganda, até mesmo de fazer a limpeza ao palco, se tanto fôr preciso – e já não seria a primeira vez. Acharão pouco ainda? Mas, afinal, o que é que eu me nego a fazer? Apenas isto: falar aos amadores, pedir-lhes o altíssimo favor ou dar-lhes ordens para comparecerem. Estou cansado de
pedir favores e fartíssimo de dar ordens. Nem mais uma vez o farei. Nenhum amador ou amadora irá representar porque eu dei ordem; nenhum amador ou amadora irá representar para me fazer favor.
Por momentos chega a parecer que só uma pessoa tem obrigação de trabalhar: eu. Os outros... fazem favor ou obedecem ao dono... Ora eu não estou disposto a ensaiar escravos, mas tenho, sim, grande prazer em ensaiar pessoas conscientes e livres. E também não quero proceder como se eu tivesse no teatro interesses que os outros não têm. Isto é tudo quanto há de mais claro, mas, se precisarem de mais desenvolvidas explicações, estou às ordens para dá-las imediatamente...”.
Todos quantos passaram alguns anos por esta Sociedade, como amadores, directores ou colaboradores, e tenham acompanhado a actividade de Mestre José Ribeiro, recordar-se-ão que, muitas vezes, ele tinha estes “desabafos”. Não raramente, até, um pouco injustos. Alguns amadores ou algumas amadoras, pela sua vida particular ou profissional, nem sempre podiam ter a disponibilidade de horários que ele estabelecia. Mas todos reconheciam que tudo o que ele dizia era fruto de uma dedicação sem limites, tanto à colectividade como ao teatro.
Recordamos agora que, desde a sua fundação, a Sociedade de Instrução sempre utilizou, gratuitamente, a casa do Terreiro, propriedade de João dos Santos e que, pelo seu falecimento em 1931, os herdeiros concordaram manter a mesma situação. Até que, em Maio de 1940, os directores tomam conhecimento de uma carta do sr. Arménio Santos, que, em seu nome e em nome dos restantes herdeiros, comunica que “em virtude da sua actual situação financeira, lhes era impossível continuar a ceder gratuitamente a sua casa”. Foi, então, efectuado um contracto de arrendamento estabelecendo a renda mensal de cento e setenta escudos.
Era um encargo bastante pesado para as posses da colectividade e pensaram na aquisição do prédio. Contactados os proprietários, eles informaram que estavam na disposição de vender o prédio por 50 mil escudos com o quintal, ou 40 mil sem o mesmo. Mas esta importância era incompatível com as possibilidades da associação, além de que entendiam o prédio não valer tal montante. Foi, então, convocada uma assembleia geral para tratar do caso.
“Depois de discutido o assunto, a assembleia deliberou que se comunicasse ao sr. Arménio Santos que à Sociedade era impossível pagar a renda de cento e setenta escudos; e na hipótese de ele não poder reduzi-la, a partir de 1 de Agosto próximo, para cem escudos ou vender o edifício por quantia compatível com os recursos da Sociedade, esta ver-se-ia coagida a sair da casa onde, desde a sua fundação, tem vivido, devendo neste caso a direcção entender-se com a direcção do Grupo Musical e alugar casa para instalação da sede e guarda do mobiliário e outros haveres, ao mesmo tempo que trataria das diligências necessárias para a construção duma sede”.
Por impedimento do presidente da assembleia geral, João Gaspar de Lemos Amorim, presidiu à sessão Mestre José Ribeiro, que “evocou a memória do fundador desta casa onde nos encontramos, que especialmente a adaptou a teatro – o extinto e benemérito cidadão João Costa, e a do nosso saudoso sócio benemérito João dos Santos, sem cuja generosidade a Sociedade de Instrução Tavaredense não poderia ter realizado a obra de que se orgulha. Recordou ainda que, após a morte de João dos Santos, procurando-se obter a passagem da sede para a pose da Sociedade, para o que era indispensável a aquiescência dos herdeiros, encontrou-se no herdeiro sr. Arménio Santos, a mais completa boa vontade e ampla generosidade, pois logo declarou que a sua parte a oferecia completamente à Sociedade, mas esta tentativa não pôde ir por diante, porque se esbarrou na negativa da herdeira srª D. Felismina Santos, que declarou que não cederia nem uma telha...”. As negociações continuaram.
Fotos: José da Silva Ribeiro e Grupo cénico 1938
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