Quando se ronda pela casa dos trinta, falar da nossa terra, forçoso é que se evoque.
Ainda que não queiramos.
O nosso coração, o nosso sentimento, há-de por fôrça trazer a lume as recordações que estão algemadas à nossa vida...
A saudade aviventa, dá forma a essas recordações, que já se desfaziam na bruma do tempo, e surgem, enriquecidas pela nossa imaginação, as imagens dos nossos tempos de criança...
O nosso primeiro amor! Como ele anda ligado à saudade da nossa terra!?
Quem é que, ao lembrar os tempos ditosos da mocidade, não tem a ela ligado, por laços indeléveis, a lembrança do primeiro amor!? Quem!?
E eu lembro a minha aldeia! A aldeia onde nasci, onde me criei, onde corri, despreocupado e feliz, pelos oiteiros e pelos serrados; pela várzea e pela colina; ora caçando rãs nos valeiros, ora subindo aos choupos à caça de ninhos de pardal!...
... e as manhãs doiradas do sábado de aleluia em que os sinos repicavam festivos, e eu e os cachopitos da minha idade, esbaforidos, corriamos à igreja com uma caneca de água colhida no rio para que o senhor vigário Manuel Vicente no-la benzesse para as nossas mãis borrifarem as casas para que o espírito maldito do bruxedo lá não entrasse...
... e nas manhãs radiosas de domingo de páscoa, eu ia, de fato novo à marinheira, de colar engomado muito branco e laçarote pendente do pescoço, até à igreja, ouvir missa e beijar o menino Jesus que estava deitado numas palhinhas...
... mas meia hora depois, quando eu estivesse farto de andar na brincadeira, com o fato enxovalhado e porco, eu dava um doce a quem fôsse capaz de olhar para mim sem sentir vontade de me bater... Era uma dó! Um fato tão bonito...
Como eu brinquei! Como eu fui feliz...
Era uma criança e a vida não me preocupava.
Mas agora outras cadeias me prendem! Outros amores me preocupam!...
Mas a saudade da minha aldeia, de Tavarede, essa subsiste, e tão intensa, que daqui, eu vejo, com os olhos da alma, a casa onde nasci, e onde minha mãi me aconchegou, me deu os primeiros beijos, e os primeiros açoites...
E bem merecidos êles foram, pelo visto, porque, homem feito já, eu não os esqueço, para me servirem de estímulo em acções presentes...
Lúcia-Lima!
Tavarede, que fica a dois quilómetros e meio da Figueira, dos puxados, aconchega-se na várzea ubérrima, entre encostas verdejantes e floridas.
Quem vai da Figueira pela estrada, depara, sem esfôrço, com o antigo palácio dos Condes de Tavarede, pitoresca construção solarenga, com os seus pináculos ornamentados, as gárgulas e as janelas ogivais, em pedra magnificamente rendilhada.
Já esqueceu ao povo o déspota que em remotos tempos ali viveu intra-muros.
Agora, a apalaçada construção, morre, desprezada, com a sua arquitectura a esboroar-se com o rodar do tempo.
Mas Tavarede tem uma coisa mais pitoresca ainda que o seu histórico palácio: a Lúcia-Lima.
Em noites de verão, os banhistas que se afastam do bulício da cidade, são, quando se aproximam da ridente aldeia, deslumbrados por um perfume intensíssimo que se desprende desta planta.
O limonete, como lhe chamam, na sua linguagem chã, os tavaredenses, é a graça da terra..
Quando vêm, pelo S. João, as cavalhadas de Brenha ou Buarcos, as môças enfeitadas com ramilhetes de limonete no peito gracioso, tem encanto, tem frescura...
O ar recende! E o aroma da Lúcia-Lima no ar embalsamado, faz crer a quem o respira que aquela planta ali se cria com fértil prodigalidade...
E é verdade! Com tanta fartura, tanta, que até já alcunharam a minha linda aldeia de terra do limonete!
Teatro de amadores
Os furiosos do teatro, foram sempre, em Tavarede, dos mais ferrenhos...
Grata lembrança tenho eu na minha mente, a respeito de espectáculos de amadores...
Mas sem ser do meu tempo, já em mil oitocentos e setenta e tal se representavam em Tavarede, as mais difíceis peças no Teatro do Palácio.
A sala de espectáculos de então, é agora uma estrebaria...
O entusiasmo era de tal ordem já nêsse tempo, que a autoridade teve que mandar encerrar a sala de espectáculos por causa das desordens que os despiques provocavam...
A sala encerrou-se mas os amadores redobraram de capricho...
...E foi então que, em 1904, se fundou a actual Sociedade de Instrução Tavaredense.
Os seus fundadores foram: Manuel Rodrigues Tondela, Augusto Biscaia, Manuel Fernandes Júnior, César da Silva Cascão, João Miguens Fadigas, João d’Oliveira, José Cardoso, António Jorge da Silva, António Luiz Motta, Joaquim Saraiva, Fradique Baptista Loureiro, António Gomes d’Apolónia, Manuel dos Santos Vargas e Francisco Cordeiro.
A nova associação propunha-se manter uma escola nocturna que tem funcionado ininterruptamente até aos nossos dias. Para a sua manutenção, angariação de fundos se impunha.
E foi então que se criou um grupo de amadores que, num teatro que era pertença da referida associação, dava espectáculos cujo produto se destinava á subsistência da referida escola, fornecendo material escolar aos alunos, etc.
A instrução aos alunos, nos quais se contavam alguns já homens, era ministrada gratuitamente por amigos dedicados da associação, dos quais é justo destacar Manuel Tondela, já falecido, pai da espôsa do distinto artista figueirense e nosso prezado amigo sr. António Piedade.
Actualmente as aulas nocturnas da Sociedade de Instrução tem uma frequência superior a 80 alunos.
O Grupo Dramático da Sociedade de Instrução Tavaredense, melhorou consideràvelmente desde que o brilhante jornalista e orador José Ribeiro foi nomeado ensaiador.
Espírito culto, conhecedor profundo da arte teatral, êle guindou o grupo de amadores de Tavarede a uma altura que, muito poucos, talvez mesmo nenhum grupo de amadores da província tenha atingido.
Falam a êsse respeito, e melhor do que nós, a quem podem acoimar de suspeito, os críticos das cidades onde se tem exibido, como Figueira da Foz, Porto, Coimbra, Tomar, Vizeu, Leiria, etc.
Críticos exigentes não lhe regatearam louvores.
O Primeiro de Janeiro, O Século, o Diário de Notícias, o Diário de Coimbra, etc. destacaram valores dentro do grupo; e os nomes de Violinda Medina, Emília Monteiro, Maria Tereza, João Cascão, Jaime Broeiro, António da Silva Broeiro, Manuel Nogueira, António Graça, António Santos, etc. surgem aureolados de fama.
O Grupo Dramático da Sociedade de Instrução Tavaredense conta no seu activo com enorme quantidade de espectáculos de beneficência a favor do Asilo S. João do Porto, Ninho dos Pequeninos, Asilo da Infância Desvalida, Diabéticos Pobres, Maternidade, Associação de Socorros Mútuos dos Artistas e Grémio dos Empregados no Comércio e Indústria, de Coimbra, Misericórdia e Jardim escola João de Deus, da Figueira da Foz, Santa Casa da Misericórdia e Sopa dos Pobres, de Tomar, e Jardim escola das Alhadas.
O Grupo Dramático da Sociedade de Instrução Tavaredense teve já um convite para representar em Lisboa, em récita de gala, convite que não poude ser aceite por imperiosos motivos.
Peças representadas pelo Grupo Dramático da Sociedade de Instrução Tavaredense:
O Sonho do Cavador, com 32 representações; A Cigarra e a Formiga, com 12 representações; Em busca da Lúcia-Lima, com 8 representações; Grão-Ducado de Tavarede; Evocação; Noite de Agoiro; Má Sina; A Espadelada (infantil), com 14 representações; Frei Tomaz; Os fidalgos da Casa Mourisca; As três gerações; As pupilas do Sr. Reitor; A canção do Berço; A Morgadinha dos Canaviais; Justiça de Sua Magestade; A Morgadinha de Val-flor; O Grande Industrial; Entre Giestas; Génio Alegre, etc.
O trabalho dessa gente, gente humilde, que trabalha de dia e à noite se instrui no teatro, sofre comparação com o trabalho de artistas...
E os críticos não se cançam!
E o grupo segue, na sua carreira triunfal.
Actualmente ensaia a Recompensa, oferta gentilíssima ao grupo do grande dramaturgo Dr. Ramada Curto. Esta oferta foi um triunfo para o grupo, porque a gentileza do Dr. Ramada Curto, distinguindo o grupo de Tavarede para a interpretação da sua famosa peça, fala mais, e mais alto, do que tôda a crítica portuguesa...
Mais outro grupo!
Mas quando era mais acesa a rivalidade entre os amadores tavaredenses, outro grupo se fundou: o Grupo Musical de Instrução Tavaredense.
Foram seus fundadores, António Medina, José Medina, Ricardo Simões Nunes, respectivamente pai e tios do director dêste jornal, Joaquim Severino dos Reis, Manuel Vigário, José Maria da Silva, José Migueis Fadigas, João Jorge da Silva, A. Medina Júnior, etc.
Lembro-me, de que, quando ainda era um garotelho, fugia de casa para ir assistir aos espectáculos.
António Medina Júnior, António Medina, José Medina, Emília Pedrosa Medina, Violinda Medina e Silva, Manuel Nogueira, etc., representavam então no novo grupo, num despique tão renhido com os de lá de cima, que só a êles se deve sem dúvida a magnífica pleiade actual de amadores que se esforçaram, à porfia, por fazer melhor uns que outros. E o resultado, pode dizer-se que foi maravilhoso...
Dêle saíram amadores que se podem classificar de grandes, em qualquer parte.
A Sociedade de Instrução Tavaredense mantém actualmente, em casa própria, um grupo de amadores teatral e uma escola onde recebem instrução para cima de oitenta alunos.
O Grupo Musical Tavaredense, instalado no Palácio dos Condes de Tavarede, mantém uma aula de música que é frequentada por mais de 40 alunos, não contando com a sua afamada e bem organizada Tuna - a popular Tuna de Tavarede.
Qualquer das associações tavaredenses marcaram já o seu lugar exuberantemente, a pontos de Alguém - com A grande - afirmar, solenemente, que Tavarede, em educação músico-teatral, caminhava na vanguarda de tôdas as terras suas semelhantes de Portugal!
Pic-Nics
Entre os componentes dos dois grupos tavaredenses cada vez são mais estreitas e afáveis as relações.
E assim, todos os anos se juntam, num passeio de franca confraternização, que pode ser para a Serra da Boa Viagem, ou para o pinhal do Sr. Dr. Cruz, na Borlateira. Para lá foi o dêste ano, e lá tirámos os pitorescos motivos fotográficos que publicamos.
As panelas fumegam, e refervem, e os pitéus, feitos ali, num alegre convívio e à sombra amiga dos pinheiros amigos, parece que têm outro sabor, o sabor da liberdade com que são comidos...
Depois há baile. Alegre baile, em que se bate, com mestria, o vira e o estalado.
E é vê-los, os pares, novos e velhos numa porfia, rodopiando e lançando ao ar embalsamado pela seiva dos pinheiros, as cantigas que dizem da alegria dos seus corações sempre moços...
São assim, alegres, os pic-nics da minha terra...
... E eu relembro-os, porque tenho saudades, saudades dos tempos em que, descuidoso, enlaçava a cintura das raparigas, airosas, risonhas, cheirando a limonete...
... e dançava, alegre, o vira e o malhão...
Água fresquinha...
Na várzea, mesmo na várzea, em pitoresca fonte, limpa, encantadora, brota a linfa cristalina... A água de Tavarede, famosa já pela sua pureza, leve e macia, de temperatura agradabilíssima tanto no verão como no inverno, caudal uniforme, é uma das preciosidades da aldeia.
A fonte tem poesia! À tardinha, ao morrer do sol no poente afogueado, as raparigas vão, airosas, de bilha à cabeça, colhêr a água pela fresca...
Em noites de luar, quando o ar está perfumado de limonete a frescura da fonte e os seus assentos de pedra convidam o banhista a um agradável repouso...
E a linfa murmura, murmura sempre, correndo das duas bicas da fonte, e no ar, rescendendo a limonete, a sua canção, canção que não se extingue, é doce inspiração para corações de namorados que adregam de refrescar suas bocas na água múrmura e cristalina da Fonte de Tavarede...
Paisagem!
Passeio magnífico, cheio de beleza, é o que se efectua indo para a Serra da Boa Viagem, passando por Tavarede e Brenha.
A várzea vicejante cortada por frescos canaviais, os ribeiros cantando no leito pedregoso, os vinhedos e os campos de trigo, cortados por extensas fileiras de esguios choupos, dão à paisagem tavaredense o aspecto das várzeas minhotas...
... e lá mais para cima, nos Canos, onde a água, a chapinar na roda das azenhas as faz mover, no rodar bendito que alimenta a mó que há-de transformar o trigo em farinha branca de neve, os salgueiros, delicados, a guardar as hortas, tornam a paisagem diáfana, com a sua folhagem tão mimosa...
... e as velas brancas dos moínhos a rodarem sem parança, no cimo dos montes, e lá dentro a mó rom-rom-rom, sempre, sempre sem descanço, dão ao bucólico panorama, movimento, vida...
... E dão o pão e a fartura aos lares dos aldeões...
... dos aldeões da minha terra!
Ainda que não queiramos.
O nosso coração, o nosso sentimento, há-de por fôrça trazer a lume as recordações que estão algemadas à nossa vida...
A saudade aviventa, dá forma a essas recordações, que já se desfaziam na bruma do tempo, e surgem, enriquecidas pela nossa imaginação, as imagens dos nossos tempos de criança...
O nosso primeiro amor! Como ele anda ligado à saudade da nossa terra!?
Quem é que, ao lembrar os tempos ditosos da mocidade, não tem a ela ligado, por laços indeléveis, a lembrança do primeiro amor!? Quem!?
E eu lembro a minha aldeia! A aldeia onde nasci, onde me criei, onde corri, despreocupado e feliz, pelos oiteiros e pelos serrados; pela várzea e pela colina; ora caçando rãs nos valeiros, ora subindo aos choupos à caça de ninhos de pardal!...
... e as manhãs doiradas do sábado de aleluia em que os sinos repicavam festivos, e eu e os cachopitos da minha idade, esbaforidos, corriamos à igreja com uma caneca de água colhida no rio para que o senhor vigário Manuel Vicente no-la benzesse para as nossas mãis borrifarem as casas para que o espírito maldito do bruxedo lá não entrasse...
... e nas manhãs radiosas de domingo de páscoa, eu ia, de fato novo à marinheira, de colar engomado muito branco e laçarote pendente do pescoço, até à igreja, ouvir missa e beijar o menino Jesus que estava deitado numas palhinhas...
... mas meia hora depois, quando eu estivesse farto de andar na brincadeira, com o fato enxovalhado e porco, eu dava um doce a quem fôsse capaz de olhar para mim sem sentir vontade de me bater... Era uma dó! Um fato tão bonito...
Como eu brinquei! Como eu fui feliz...
Era uma criança e a vida não me preocupava.
Mas agora outras cadeias me prendem! Outros amores me preocupam!...
Mas a saudade da minha aldeia, de Tavarede, essa subsiste, e tão intensa, que daqui, eu vejo, com os olhos da alma, a casa onde nasci, e onde minha mãi me aconchegou, me deu os primeiros beijos, e os primeiros açoites...
E bem merecidos êles foram, pelo visto, porque, homem feito já, eu não os esqueço, para me servirem de estímulo em acções presentes...
Lúcia-Lima!
Tavarede, que fica a dois quilómetros e meio da Figueira, dos puxados, aconchega-se na várzea ubérrima, entre encostas verdejantes e floridas.
Quem vai da Figueira pela estrada, depara, sem esfôrço, com o antigo palácio dos Condes de Tavarede, pitoresca construção solarenga, com os seus pináculos ornamentados, as gárgulas e as janelas ogivais, em pedra magnificamente rendilhada.
Já esqueceu ao povo o déspota que em remotos tempos ali viveu intra-muros.
Agora, a apalaçada construção, morre, desprezada, com a sua arquitectura a esboroar-se com o rodar do tempo.
Mas Tavarede tem uma coisa mais pitoresca ainda que o seu histórico palácio: a Lúcia-Lima.
Em noites de verão, os banhistas que se afastam do bulício da cidade, são, quando se aproximam da ridente aldeia, deslumbrados por um perfume intensíssimo que se desprende desta planta.
O limonete, como lhe chamam, na sua linguagem chã, os tavaredenses, é a graça da terra..
Quando vêm, pelo S. João, as cavalhadas de Brenha ou Buarcos, as môças enfeitadas com ramilhetes de limonete no peito gracioso, tem encanto, tem frescura...
O ar recende! E o aroma da Lúcia-Lima no ar embalsamado, faz crer a quem o respira que aquela planta ali se cria com fértil prodigalidade...
E é verdade! Com tanta fartura, tanta, que até já alcunharam a minha linda aldeia de terra do limonete!
Teatro de amadores
Os furiosos do teatro, foram sempre, em Tavarede, dos mais ferrenhos...
Grata lembrança tenho eu na minha mente, a respeito de espectáculos de amadores...
Mas sem ser do meu tempo, já em mil oitocentos e setenta e tal se representavam em Tavarede, as mais difíceis peças no Teatro do Palácio.
A sala de espectáculos de então, é agora uma estrebaria...
O entusiasmo era de tal ordem já nêsse tempo, que a autoridade teve que mandar encerrar a sala de espectáculos por causa das desordens que os despiques provocavam...
A sala encerrou-se mas os amadores redobraram de capricho...
...E foi então que, em 1904, se fundou a actual Sociedade de Instrução Tavaredense.
Os seus fundadores foram: Manuel Rodrigues Tondela, Augusto Biscaia, Manuel Fernandes Júnior, César da Silva Cascão, João Miguens Fadigas, João d’Oliveira, José Cardoso, António Jorge da Silva, António Luiz Motta, Joaquim Saraiva, Fradique Baptista Loureiro, António Gomes d’Apolónia, Manuel dos Santos Vargas e Francisco Cordeiro.
A nova associação propunha-se manter uma escola nocturna que tem funcionado ininterruptamente até aos nossos dias. Para a sua manutenção, angariação de fundos se impunha.
E foi então que se criou um grupo de amadores que, num teatro que era pertença da referida associação, dava espectáculos cujo produto se destinava á subsistência da referida escola, fornecendo material escolar aos alunos, etc.
A instrução aos alunos, nos quais se contavam alguns já homens, era ministrada gratuitamente por amigos dedicados da associação, dos quais é justo destacar Manuel Tondela, já falecido, pai da espôsa do distinto artista figueirense e nosso prezado amigo sr. António Piedade.
Actualmente as aulas nocturnas da Sociedade de Instrução tem uma frequência superior a 80 alunos.
O Grupo Dramático da Sociedade de Instrução Tavaredense, melhorou consideràvelmente desde que o brilhante jornalista e orador José Ribeiro foi nomeado ensaiador.
Espírito culto, conhecedor profundo da arte teatral, êle guindou o grupo de amadores de Tavarede a uma altura que, muito poucos, talvez mesmo nenhum grupo de amadores da província tenha atingido.
Falam a êsse respeito, e melhor do que nós, a quem podem acoimar de suspeito, os críticos das cidades onde se tem exibido, como Figueira da Foz, Porto, Coimbra, Tomar, Vizeu, Leiria, etc.
Críticos exigentes não lhe regatearam louvores.
O Primeiro de Janeiro, O Século, o Diário de Notícias, o Diário de Coimbra, etc. destacaram valores dentro do grupo; e os nomes de Violinda Medina, Emília Monteiro, Maria Tereza, João Cascão, Jaime Broeiro, António da Silva Broeiro, Manuel Nogueira, António Graça, António Santos, etc. surgem aureolados de fama.
O Grupo Dramático da Sociedade de Instrução Tavaredense conta no seu activo com enorme quantidade de espectáculos de beneficência a favor do Asilo S. João do Porto, Ninho dos Pequeninos, Asilo da Infância Desvalida, Diabéticos Pobres, Maternidade, Associação de Socorros Mútuos dos Artistas e Grémio dos Empregados no Comércio e Indústria, de Coimbra, Misericórdia e Jardim escola João de Deus, da Figueira da Foz, Santa Casa da Misericórdia e Sopa dos Pobres, de Tomar, e Jardim escola das Alhadas.
O Grupo Dramático da Sociedade de Instrução Tavaredense teve já um convite para representar em Lisboa, em récita de gala, convite que não poude ser aceite por imperiosos motivos.
Peças representadas pelo Grupo Dramático da Sociedade de Instrução Tavaredense:
O Sonho do Cavador, com 32 representações; A Cigarra e a Formiga, com 12 representações; Em busca da Lúcia-Lima, com 8 representações; Grão-Ducado de Tavarede; Evocação; Noite de Agoiro; Má Sina; A Espadelada (infantil), com 14 representações; Frei Tomaz; Os fidalgos da Casa Mourisca; As três gerações; As pupilas do Sr. Reitor; A canção do Berço; A Morgadinha dos Canaviais; Justiça de Sua Magestade; A Morgadinha de Val-flor; O Grande Industrial; Entre Giestas; Génio Alegre, etc.
O trabalho dessa gente, gente humilde, que trabalha de dia e à noite se instrui no teatro, sofre comparação com o trabalho de artistas...
E os críticos não se cançam!
E o grupo segue, na sua carreira triunfal.
Actualmente ensaia a Recompensa, oferta gentilíssima ao grupo do grande dramaturgo Dr. Ramada Curto. Esta oferta foi um triunfo para o grupo, porque a gentileza do Dr. Ramada Curto, distinguindo o grupo de Tavarede para a interpretação da sua famosa peça, fala mais, e mais alto, do que tôda a crítica portuguesa...
Mais outro grupo!
Mas quando era mais acesa a rivalidade entre os amadores tavaredenses, outro grupo se fundou: o Grupo Musical de Instrução Tavaredense.
Foram seus fundadores, António Medina, José Medina, Ricardo Simões Nunes, respectivamente pai e tios do director dêste jornal, Joaquim Severino dos Reis, Manuel Vigário, José Maria da Silva, José Migueis Fadigas, João Jorge da Silva, A. Medina Júnior, etc.
Lembro-me, de que, quando ainda era um garotelho, fugia de casa para ir assistir aos espectáculos.
António Medina Júnior, António Medina, José Medina, Emília Pedrosa Medina, Violinda Medina e Silva, Manuel Nogueira, etc., representavam então no novo grupo, num despique tão renhido com os de lá de cima, que só a êles se deve sem dúvida a magnífica pleiade actual de amadores que se esforçaram, à porfia, por fazer melhor uns que outros. E o resultado, pode dizer-se que foi maravilhoso...
Dêle saíram amadores que se podem classificar de grandes, em qualquer parte.
A Sociedade de Instrução Tavaredense mantém actualmente, em casa própria, um grupo de amadores teatral e uma escola onde recebem instrução para cima de oitenta alunos.
O Grupo Musical Tavaredense, instalado no Palácio dos Condes de Tavarede, mantém uma aula de música que é frequentada por mais de 40 alunos, não contando com a sua afamada e bem organizada Tuna - a popular Tuna de Tavarede.
Qualquer das associações tavaredenses marcaram já o seu lugar exuberantemente, a pontos de Alguém - com A grande - afirmar, solenemente, que Tavarede, em educação músico-teatral, caminhava na vanguarda de tôdas as terras suas semelhantes de Portugal!
Pic-Nics
Entre os componentes dos dois grupos tavaredenses cada vez são mais estreitas e afáveis as relações.
E assim, todos os anos se juntam, num passeio de franca confraternização, que pode ser para a Serra da Boa Viagem, ou para o pinhal do Sr. Dr. Cruz, na Borlateira. Para lá foi o dêste ano, e lá tirámos os pitorescos motivos fotográficos que publicamos.
As panelas fumegam, e refervem, e os pitéus, feitos ali, num alegre convívio e à sombra amiga dos pinheiros amigos, parece que têm outro sabor, o sabor da liberdade com que são comidos...
Depois há baile. Alegre baile, em que se bate, com mestria, o vira e o estalado.
E é vê-los, os pares, novos e velhos numa porfia, rodopiando e lançando ao ar embalsamado pela seiva dos pinheiros, as cantigas que dizem da alegria dos seus corações sempre moços...
São assim, alegres, os pic-nics da minha terra...
... E eu relembro-os, porque tenho saudades, saudades dos tempos em que, descuidoso, enlaçava a cintura das raparigas, airosas, risonhas, cheirando a limonete...
... e dançava, alegre, o vira e o malhão...
Água fresquinha...
Na várzea, mesmo na várzea, em pitoresca fonte, limpa, encantadora, brota a linfa cristalina... A água de Tavarede, famosa já pela sua pureza, leve e macia, de temperatura agradabilíssima tanto no verão como no inverno, caudal uniforme, é uma das preciosidades da aldeia.
A fonte tem poesia! À tardinha, ao morrer do sol no poente afogueado, as raparigas vão, airosas, de bilha à cabeça, colhêr a água pela fresca...
Em noites de luar, quando o ar está perfumado de limonete a frescura da fonte e os seus assentos de pedra convidam o banhista a um agradável repouso...
E a linfa murmura, murmura sempre, correndo das duas bicas da fonte, e no ar, rescendendo a limonete, a sua canção, canção que não se extingue, é doce inspiração para corações de namorados que adregam de refrescar suas bocas na água múrmura e cristalina da Fonte de Tavarede...
Paisagem!
Passeio magnífico, cheio de beleza, é o que se efectua indo para a Serra da Boa Viagem, passando por Tavarede e Brenha.
A várzea vicejante cortada por frescos canaviais, os ribeiros cantando no leito pedregoso, os vinhedos e os campos de trigo, cortados por extensas fileiras de esguios choupos, dão à paisagem tavaredense o aspecto das várzeas minhotas...
... e lá mais para cima, nos Canos, onde a água, a chapinar na roda das azenhas as faz mover, no rodar bendito que alimenta a mó que há-de transformar o trigo em farinha branca de neve, os salgueiros, delicados, a guardar as hortas, tornam a paisagem diáfana, com a sua folhagem tão mimosa...
... e as velas brancas dos moínhos a rodarem sem parança, no cimo dos montes, e lá dentro a mó rom-rom-rom, sempre, sempre sem descanço, dão ao bucólico panorama, movimento, vida...
... E dão o pão e a fartura aos lares dos aldeões...
... dos aldeões da minha terra!
Publicado em 'Jornal de Sintra' - 20/07/1938
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